Jornal Estado de Minas

Belas imagens da natureza despertam ou aumentam crença no sobrenatural

Trabalho pode trazer pistas sobre a origem da espiritualidade

Jorge Macedo - especial para o EM
Vilhena Soares

Pôr-do-sol em Brasília: segundo especialistas, a incerteza gerada por fenômenos naturais grandiosos pode despertar sentimentos de religiosidade - Foto: (Zuleika de Souza/CB/D.A Press-18/7/11)

Brasília – O natural pode ser a porta de entrada para o sobrenatural. É o que sugere um estudo conduzido recentemente por pesquisadores americanos e publicado na revista Psychlogical Science. Segundo os autores, o bem-estar provocado por paisagens grandiosas e extremamente belas – seja observadas in loco durante uma viagem, seja por meio de um cartão-postal recebido de um amigo – costuma ser acompanhado de uma sensação de deslumbramento que favorece a crença em algo misterioso, que supera a capacidade de compreensão racional do mundo.

Para investigar a relação entre o impacto de cenários como o Grand Canyon, a aurora boreal ou um pôr do sol grandioso sobre a religiosidade, os pesquisadores selecionaram voluntários e mostraram para a metade deles cenas extraídas da série de documentários Planet Earth, da BBC, famoso por conter imagens majestosas de vários cantos do planeta. Para a outra parte foi exibido apenas um noticiário da tevê. Depois de assistirem aos vídeos, os participantes responderam perguntas relacionadas ao sobrenatural e à religião, dizendo, por exemplo, se as imagens tinham provocado um sentimento de temor ou se eles acreditavam em Deus e em entidades não materiais.

Ao comparar as respostas, os cientistas notaram que as pessoas que tinham visto as imagens da natureza se mostraram mais religiosas e crentes em Deus, enquanto o outro grupo tinha uma postura mais cética em relação à espiritualidade. “A ironia disso é que, ao contemplarmos coisas que sabemos serem resultado de fenômenos naturais, tais como a extensão, de cair o queixo, do Grand Canyon, isso nos leva a explicá-las como um produto de causas sobrenaturais”, afirma o psicólogo Piercarlo Valdesolo, um dos autores do estudo.

Para os pesquisadores, o trabalho pode trazer pistas sobre a origem da espiritualidade. “Muitos relatos históricos de epifanias religiosas e revelações parecem envolver a experiência de ser assombrado pela beleza, pela força ou pelo tamanho de um ser divino. E essas experiências mudam a forma como as pessoas entendem e pensam sobre o mundo”, diz Valdesolo. “No nosso estudo, queríamos testar o caminho inverso: não é que a presença do sobrenatural provoque o temor, é o temor que provoca a percepção da presença do sobrenatural”, completa.

Incerteza

Para Miguel Farias, professor do Departamento de Psicologia Experimental da Universidade de Oxford (EUA), a pesquisa coordenada por Valdesolo escolhe uma abordagem que tem sido muito explorada recentemente. “Isso vem na sequência de outros trabalhos, segundo os quais a crença no sobrenatural, tanto religioso quanto mágico, aumenta quando um sujeito está perante uma situação de incerteza”, diz o especialista.

Segundo Farias, um estudo feito em 1994 mostrou que durante a primeira guerra do Golfo, quando o Iraque estava bombardeando Israel, pessoas que viviam em zonas com maior possibilidade de serem atingidas pensavam com mais frequência no sobrenatural. “Supõe-se que o sujeito aumenta a sua crença espiritual como uma forma de compensação emocional, ou seja, uma espécie de ilusão de que crendo num poder mais forte, capaz de controlar o presente incerto, a pessoa se sinta mais confortável. Isso é uma suposição já equacionada pelos primeiros antropólogos, até mesmo por Marx e Freud”, complementa.

O psicólogo destaca o método usado por Valdesolo e colaboradores. “O que me parece mais interessante no estudo é a transposição que eles fazem da crença no sobrenatural para a percepção de sentido de formas aleatórias de imagens. Eles repetem os experimentos, simplesmente vendo se a estimulação do espanto aumenta não só a crença no sobrenatural mas também a percepção de sentido. Isso me parece particularmente interessante, pois mostra que pode haver um mecanismo psicológico potencialmente comum à crença no sobrenatural e à percepção de sentido (ilusória) em padrões aleatórios”, afirma Miguel Farias.

O psicólogo, contudo, acha exagerado afirmar que a origem da crença esteja no deslumbramento com a natureza. “Não digo que pode originar, mas que pode aumentar. Se tivessem usado uma amostra de sujeitos ateus, por exemplo, é quase certo que isso não aumentaria a crença deles no sobrenatural”, complementa.

Na opinião de Frederico Leão, psiquiatra e coordenador do Programa de Saúde, Espiritualidade e Religiosidade do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, o estudo contribui para a compreensão de como funciona a mente. “Existem várias hipóteses que levantam pontos responsáveis pelo que motiva a crença da existência de Deus. A ideia de que o temor seja uma dessas causas já foi levantada por outros cientistas”, destaca. “Acho interessante que esses pesquisadores tenham aumentado o interesse nessa área, mas precisamos destacar que é só mais um indício que contribui para pesquisas, mas ainda não temos essa certeza”, complementa.

Com base nesse primeiro experimento, Piercarlo Valdesolo e sua equipe pretendem analisar de forma mais aprofundada o efeito do temor sobre a crença no sobrenatural. Eles querem testar se posturas corporais que remetem à submissão podem favorecer experiências de temor. Essa ligação poderia, talvez, explicar a presença de tais posturas na prática religiosa, como ficar de joelhos, curvar-se em direção a um altar e olhar para cima durante orações. “Quanto mais submisso agirmos, mais temor podemos sentir”, especula Valdesolo.

IMPACTO VISUAL
A aurora boreal é um fenômeno natural que provoca rajadas coloridas no céu de grande impacto visual. É resultado do choque de partículas do vento solar e de poeira cósmica na parte mais alta da atmosfera terrestre. Recebe esse nome quando ocorre no Hemisfério Norte. Fenômeno semelhante no sul do planeta recebe o nome de aurora austral. Ambos são observados mais perto dos polos terrestres.