Jornal Estado de Minas

REDES SOCIAIS

Fazer mau uso do Facebook pode jogar usuários numa armadilha emocional

 

Na semana em que o Facebook completa 10 anos, uma reflexão sobre como as redes sociais estão afetando a vida dos casais, para o bem ou para o mal, é mais do que oportuna. Que o diga o filósofo André Massolini, de 36 anos, criador do canal Ponto de Vista, veiculado no YouTube, que até agora tem mais de três mil inscritos, entre brasileiros e residentes em países de língua portuguesa. São pessoas que estão passando por alguma crise, na vida pessoal, amorosa, no trabalho…Uma “peixa” e uma planta, a Clorofilada, são suas fiéis escudeiras, com as quais interage enquanto responde aos e-mails dos internautas. Entre os 280 vídeos gravados por Massolini em pouco menos de um ano, o mais acessado é “Como lidar com término de relacionamento”– até o fechamento desta edição, eram 19.258 visualizações. Ao contrário da situação que o levou a gravar este vídeo, que, aliás, foi o primeiro, Massolini, morador de Dois Córregos (SP), está em “relacionamento sério”, na linguagem “facebookiana”. Para ter tempo para o seu amor, passou a gravar os vídeos de madrugada. Para ele, há falta de maturidade dos casais para lidar com as redes sociais e o ciúme é o principal sentimento negativo que decorre disso. O que diferencia o filósofo de outros conselheiros sentimentais on-line é a espontaneidade, a capacidade de se emocionar com as histórias enviadas. Ele ri, brinca, mas também se irrita, e é tudo, menos condescendente. “Não estou aqui para ficar passando a mão na cabeça de ninguém”, avisa.





Como tudo começou?
Eu já escrevia no jornal da minha cidade. Aí, resolvi fazer um vídeo sobre como lidar com término de relacionamento. Uma pessoa do Rio de Janeiro viu e me mandou um relato da situação dela. Achei melhor responder também por vídeo. E assim foram aparecendo outros interessados e acabou surgindo o canal Ponto de Vista. Não foi nada programado ou pensado. Atualmente, por semana, recebo 30 e-mails e gravo seis videorrespostas. Antes, o e-mail chegava em um dia, e já ia ao ar na outra semana. Ontem (a entrevista foi gravada no dia 23/01) eu gravei vídeos respondendo a e-mails que chegaram em outubro. Para eu fazer a leitura do e-mail está levando três meses e depois são mais 15 dias para o relato ir ao ar.

Como as redes sociais estão modificando e afetando os relacionamentos amorosos?
Tudo na história da humanidade, as grandes invenções trazem resultados positivos ou negativos, depende do uso que se faz delas. Por exemplo, Santos Dumont ficou muito contrariado quando viu que os aviões que havia inventado serviram para lançar bombas. A rede social tem o intuito de conectar as pessoas, facilitar o contato, redescobrir amigos distantes. Há outras formas: no Facebook, por exemplo, você pode usar o cutucão como se fosse uma paquera. A conotação que se dá para a rede social pode trazer inconvenientes para uma relação amorosa. E, no meu trabalho, tenho visto mais inconvenientes.

Quais são eles?
Principalmente ciúmes. Muitas vezes, o simples fato de o namorado ou namorada ter um perfil na rede social já deixa o outro extremamente incomodado. Uma pessoa adicionada já gera uma coisa ruim, uma discussão, um conflito, um tormento na relação. Aquele fim de semana que poderia ser muito proveitoso acaba sendo de muitas brigas. É impressionante. Os e-mails que recebo seguem o mesmo padrão: o início da relação é muito bom, depois começa a haver muitas brigas, até chegar às vias de fato, de agressão física, coisas assim. E muitas vezes por causa de rede social.



Falta maturidade entre os casais?
Falta muito. Falta sentar, conversar… As pessoas primeiro atiram a pedra, ofendem, acusam, para depois buscar a explicação do que de fato aconteceu. É uma atitude infantil, é a criança que se irrita num primeiro momento e depois vai buscar se acertar ou perceber as regras do jogo. E nos relacionamentos parece que tem sido assim. Em vez de perguntar sobre aquela pessoa que foi adicionada na rede social, quem é, como foi, já vem primeiro a acusação, os conflitos, a pedrada, para depois querer chegar num acordo e ver que na verdade aquilo não era nada do que parecia. Sim, as pessoas não estão sabendo lidar com a rede social dentro de uma relação amorosa. Enquanto se é solteiro, o Facebook é uma festa, mas quando começa um relacionamento é diferente.

A tecnologia, a internet, as redes, os smartphones, os tablets, etc.,etc., facilitam que as pessoas fiquem se investigando, fiquem procurando detalhes umas das outras. Hoje todo mundo investiga todo mundo, todo mundo quer saber de todo mundo e entre casais isso pode se exacerbar. Isso não pode gerar ainda mais ansiedade em uma sociedade que já está bastante acelerada e estressada?
Claro. As pessoas querem saber o que as outras estão fazendo. “Eu não tenho mais a capacidade de chegar e conversar com ela. Melhor ver o que ela postou”. Há uma ansiedade com a próxima coisa que será postada, até com as marcações que ela (ele) fará. Por outro lado, a gente não precisa se expor tanto. É preciso guardar nossa privacidade. As pessoas estão relatando tudo nas redes sociais, até “partiu banho”, “partiu academia”.

Hoje proliferam sites de encontros e aplicativos, como o Lulu e o Adote um Cara (leia matéria na página 4) no qual a mulher escolhe um (ou vários) homem e pode colocá-lo em um carrinho de supermercado. Isso não é um indicativo de mercantilização e/ou banalização das relações amorosas?
Sim, há uma banalização. A própria palavra amor está banalizada. A gente fala que ama o nosso cachorro, o marido, a esposa, o celular novo, o namorado. Pegar uma pessoa e jogá-la dentro de um carrinho de supermercado como se fosse uma mercadoria me parece um reflexo de como as pessoas usam as redes sociais como vitrine. “Eu me exponho para que alguém me compre” – na verdade, é como o site de uma grande loja oferecendo mercadorias. Os clientes conferem as características do produto, se agradam ou não, e compram. Estão se perdendo coisas fundamentais como o olho no olho, o encontro, o diálogo, o conteúdo. A gente fica muito na superficialidade. As pessoas estão se pautando pelo físico, pela foto, e na verdade não existe uma vivência, uma história. Isso sem falar da beleza estereotipada, todo mundo tem que ter bíceps, tríceps definidos, barriga tanquinho. É como alguém que vai comprar um carro.



A que você atribui o sucesso do canal?
A gente vive numa sociedade muito imediatista. Estamos na era da internet rápida, tudo é muito rápido, o macarrão é instantâneo. Então “eu quero que os meus sentimentos sejam resolvidos na hora”. E de repente “eu estou vendo um vídeo de um cara que está falando alguma coisa e eu quero que ele também me dê uma resposta na hora para aquele sentimento que está dentro de mim”. Mas não existem fórmulas prontas. Quero levar as pessoas a encontrar a resposta dentro delas. E o meu papel não é ficar afagando o ego, nem passando a mão na cabeça de ninguém. Além disso há a participação de muitos homens. Hoje, não só a mulher, mas o homem também mostra que tem sentimento, também busca ajuda, também chora. Falar sobre relacionamentos hoje é essencial. Isso talvez explique por que a cada dia há mais inscritos, mais visualizações no canal.

Você se irrita, às vezes, com os relatos, descreve até algumas reações físicas quando lê coisas absurdas. Teve uma que você disse que seu pé estava “até suando de nervoso…”
É (risos). Me traga um Rivotril! (mais risos). É verdade. Eu leio o e-mail na hora. Alguém disse que eu improvisava demais. O que ele chama da improviso eu chamo de espontaneidade. Eu leio a história na hora, como estou falando com você. Eu não sei o que vem no parágrafo seguinte. Eu não li antes o e-mail, então a minha reação é relativa ao que estou lendo na hora.

Dá para ver que o sangue sobe e a coitada da planta é que leva...
A Clô, a Clorofilada (risos). As pessoas fizeram uma campanha para que não tirasse a Clorofilada e a peixa (ela é pintada em um quadro que fica atrás de Massolini).



Você consegue colocar em prática o que ensina no canal?
Talvez não consiga viver tudo o que digo, mas, com certeza, só falo de coisas nas quais acredito. Não significa que não vá me irritar ou acusar alguém antes de fazer uma pergunta. Mas acredito que, se eu colocar o que falo na minha vida, ela será muito melhor.

VEJA ANDRÉ MASSOLINI
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Para participar com histórias no canal, escreva para: pontodevistadc@uol.com.br

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