Jornal Estado de Minas

Ilusão de ótica dificulta estudos sobre a Amazônia

Experimento mostra que a reflexão da luz na floresta engana os satélites, dando a impressão de que, nos períodos de seca, há mais vegetação do que realmente existe

Jorge Macedo - especial para o EM
Isabela de Oliveira

As queimadas são uma das principais responsáveis pela liberação de CO2 na floresta - Foto: (Rodrigo Baleia/Greenpeace/Divulgacão) Brasília – Entender como a Amazônia se comporta diante das oscilações climáticas tem sido um desafio para a ciência. O imenso espaço que o bioma ocupa – metade de toda a área de vegetação tropical no mundo – torna o monitoramento uma tarefa extremamente complicada. Para cumprir a missão, cientistas recorrem a satélites que enviam informações diretamente do espaço, mas até mesmo esses modernos equipamentos de imagens podem ser enganados pela floresta.

Segundo um estudo publicado na edição de ontem da revista Nature por pesquisadores da agência espacial dos Estados Unidos, a Nasa, o satélite MODIS/Terra, um dos mais importantes olhos da ciência no espaço, tem enviado informações imprecisas sobre a Amazônia durante a seca. E a responsável pelo erro é a ilusão de ótica: o comportamento da luz em períodos de estiagem acaba dando a falsa impressão de que há mais verde do que realmente existe.

Em análises anteriores, cientistas tiveram a impressão de que a Amazônia reagia de uma forma extraordinária à seca, inclusive aumentando a cobertura vegetal nos períodos de estiagem. A nova pesquisa, contudo, mostra que isso não ocorre. “Nosso estudo demonstra que a floresta mantém uma estrutura consistente durante a estação seca, indicando que não há nenhuma evidência, por satélite, de resposta positiva a condições de seca”, afirma Douglas Morton, principal autor do trabalho e estudioso da floresta tropical desde 2001.

Observação brasileira

Para Lênio Soares Galvão, pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o estudo é importante por trazer dados que colaboram para a discussão sobre o grau de resistência da floresta a eventos de secas prolongadas. “Na visão de alguns cientistas, essas secas provavelmente se tornarão cada vez mais frequentes e severas, devido a mudanças climáticas”, lembra.

Galvão, que não participou da nova análise, conta que já havia percebido o problema de leitura de satélites em 2011. “Esses resultados são concordantes com estudos já realizados pelo Inpe. O índice da vegetação parece aumentar porque sua formulação matemática o torna muito dependente da resposta da floresta ao infravermelho próximo e do sombreamento. Esse fenômeno é resultado da geometria de aquisição de dados no satélite”, afirma.

O brasileiro conta que a primeira vez que o suposto verdejamento fora de época apareceu nas revistas especializadas foi em 2007, quando um artigo publicado na revista Science sugeriu que a floresta, ao contrário do que poderia se esperar, estava mais verde durante a seca. Os estudos se baseavam em uma das piores estiagens da região, registrada em 2005.

Na época, os autores sugeriram que a “onda verde” teria sido causada pelo aumento da disponibilidade de luz – menos nuvens no céu teriam ajudado as plantas a se proliferarem. “Com base nesses resultados, os autores sugeriram que a floresta poderia ser mais resistente às anomalias climáticas do que imaginado, pois apresentava valores anômalos do índice de vegetação justamente no período de maior estresse hídrico”, diz Galvão.

Possível solução

No estudo publicado agora na Nature, Douglas Morton e pesquisadores de diversas universidades dos Estados Unidos analisaram tanto as propriedades óticas de folhas e de copa de árvores como as mudanças na incidência da luminosidade solar em diferentes épocas do ano. Usando uma reconstrução tridimensional da floresta e um modelo de rastreador de raios de luz, os autores demonstraram que o aumento de verdor não ocorre porque nascem mais folhas, mas devido ao aumento da reflexão de radiação durante a estação seca. Isso significa que o fenômeno é apenas um “ruído” nas imagens colhidas pelos equipamentos.

Também pesquisador do Inpe, Luiz Eduardo de Aragão considera que uma das principais contribuições dos resultados de Morton é a proposta de correção dos dados a partir de uma calibragem das informações que chegam à Terra. “(Corrigidos), esses dados teriam menos interferência do Sol no sensor e, consequentemente, no alvo, que é a floresta. Isso possibilitaria novas avaliações. Esse satélite, lá do espaço, está em uma posição que, principalmente na seca, é influenciada pela incidência do Sol. Uma padronização na posição do satélite e do Sol em relação aos alvos eliminaria a confusão e poderia gerar dados mais limpos”, explica Aragão.

 

As queimadas são uma das principais responsáveis pela liberação de CO2 na floresta - Foto: RODRIGO BALEIA/GREENPEACE/DIVULGACÃOSequestro de carbono ameaçado

Em outro estudo publicado na Nature, um grupo de cientistas liderado pela brasileira Luciana Gatti, do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), em São Paulo, revela que os extremos climáticos observados na Amazônia nos últimos anos têm um grande impacto sobre a capacidade de absorção de carbono do bioma. Caso persistam as variações climáticas radicais – fortes secas seguidas por períodos de muita chuva –, a floresta pode chegar ao ponto de liberar mais CO2 do que consegue absorver, alertam os especialistas.

Os pesquisadores centraram as análises em 2010 e 2011. No primeiro ano, uma estiagem intensa atingiu a Amazônia, que, no ano seguinte, registrou uma quantidade de chuvas maior do que o normal. Durante a época chuvosa, a liberação e o resgate de carbono empataram. A floresta absorveu uma quantidade maior do gás de efeito estufa do que a lançada, mas as queimadas acabaram influenciando para o resultado neutro. Em 2010, todavia, foi vista uma grande queima de biomassa, fazendo com que o CO2 lançado para a atmosfera fosse maior. Os resultados sugerem, portanto, que há risco de a floresta deixar de ser uma combatente do aquecimento global para se tornar uma colaboradora.

Recursos

Para medir a respiração da floresta, os cientistas avaliaram a qualidade do ar durante sobrevoos na região, além de fazer medições em terra. No ano mais quente, os incêndios soltaram cerca de dois terços mais carbono do que no período mais úmido. “Em 2010, foram absorvidos apenas 30 milhões de toneladas dos 510 milhões de emitidos, e essa é uma notícia triste. Descobrimos que não é só a temperatura que influencia o comportamento da floresta, mas principalmente a umidade no solo”, diz Luciana. A pesquisadora afirma que é preciso prosseguir com as análises. “Ainda é muito cedo para prever tendências. Precisamos de recursos para continuar.”

Antônio Manzi, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), concorda com Luciana. “O tempo (analisado) é muito curto, e, por isso, é importante que esses pesquisadores recebam recursos para continuar o trabalho”, diz. Segundo Manzi, desde a década de 1990, a Amazônia está passando por uma frequência maior de eventos extremos. “Uma coisa interessante é o que ocorre com o Rio Negro, em Manaus. Uma série de 110 anos mostra uma variabilidade de 10,2m na profundidade durante a seca e nos períodos chuvosos. No entanto, nos últimos 30 anos, essa variação saltou para 12m. Isso significa secas mais secas e chuvas mais intensas”, conta o pesquisador. Luciana espera continuar o estudo por mais seis anos, pelo menos, a fim de produzir uma série histórica de 10 anos. (IO)