CHICAGO - O aquecimento do Ártico pode afetar de forma prolongada a "corrente de jato" (jet stream) polar, um elemento chave para o clima na América do Norte e na Europa, afirmam cientistas americanos.
Em um estudo, os pesquisadores indicam que a corrente de jato - composta de ventos que sopram de oeste para leste a grandes altitudes - está perdendo força e tende a se prolongar e se desviar mais facilmente de sua trajetória", segundo Jennifer Francis, professora de climatologia na Universidade Rutgers de Nova Jersey.
"Quando a corrente de jato perde força - o que tem ocorrido nas duas últimas décadas -, os fenômenos meteorológicos tendem a durar mais", explicou Francis, autora principal desta pesquisa apresentada no fim de semana na conferência anual da Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS, na sigla em inglês), celebrada este fim de semana em Chicago (norte).
"Isso parece sugerir que as características do tempo mudam", afirmou a cientista, para quem esta situação "ocorrerá cada vez com maior frequência".
É por essa razão que os Estados Unidos vivem neste ano um inverno particularmente frio e com tempestades de neve sucessivas do centro até o sul, algo pouco habitual. Ao contrário, zonas nórdicas como o Alasca desfrutam de um inverno incomumente clemente.
Este fenômeno pode derivar do aquecimento que o Ártico sofreu nas últimas décadas, quando as temperaturas aumentaram de duas a três vezes mais rápido do que no resto da Terra, revelou James Overland, cientista da Agência Americana Oceânica e Atmosférica (NOAA, na sigla em inglês), que participou da apresentação do estudo.
A mudança da corrente de jato ocorre em parte devido à diferença entre a temperatura do Ártico e as latitudes médias, explicou. Se essa diferença for grande, a velocidade da corrente se acelera; se acontecer o contrário acontece, perde força.
Levando em conta os fenômenos meteorológicos extremos registrados nos últimos anos nos Estados Unidos - recordes de temperaturas alta ou seca - e em outras partes do mundo - como o forte calor que castiga atualmente a Austrália -, os cientistas tentam agora descobrir se se trata de uma simples variação natural do clima ou um aquecimento do planeta, relacionado às atividades humanas.
Maior impacto na agricultura
Francis considera esta conclusão prematura, porque "os dados sobre este fenômeno e seus efeitos abrangem um período muito curto que torna difícil fazer uma interpretação clara".
"Quando tivermos mais índices, acredito que poderemos começar a distinguir a influência das mudanças climáticas", afirmou.
Mark Serreze, diretor do Centro Nacional Americano sobre o estudo da Neve e do Gelo, afirmou durante a conferência da AAAS que as mudanças no Ártico e o impacto das mudanças climáticas nas latitudes médias "são um novo campo de pesquisa controverso com argumentos contra e a favor".
"O forte aquecimento que poderia ser responsável por este fenômeno está relacionado com o degelo no oceano ártico que constatamos desde estes últimos anos", acrescentou.
"A calota polar atua como uma cobertura que separa o oceano da atmosfera e, se essa tampa é retirada, o calor que a água contém se espalha pela atmosfera", o que explica estes desajustes atmosféricos, detalhou o cientista.
O impacto na agricultura é uma das principais consequências deste fenômeno nas latitudes médias dos Estados Unidos.
"Veremos mudanças nas precipitações e nas temperaturas que poderiam estar relacionadas com o que acontece no norte", previu Serreze, para quem "as mudanças do Ártico afetam todo o clima do planeta".
Jerry Hatfield, diretor do Laboratório Nacional para a Agricultura e o Meio Ambiente em Iowa (centro), lembrou que os Estados Unidos não são o único país afetado.
"No mundo produzimos a maior parte das colheitas nestas latitudes medianas e as temperaturas têm um grande impacto nos cultivos como na pecuária e na produção de carne", destacou.