Vilhena Soares
Brasília – Se você tem um cachorro, já deve ter passado por uma situação deste tipo: durante uma conversa despreocupada ao telefone, o seu amigo de estimação fica por perto. Ele não dá muita bola para você, entretido com um brinquedo ou simplesmente ensaiando uma soneca. De repente, a conversa fica animada, e você passa a rir e falar de maneira divertida. E sua alegria parece agir como um ímã para o olhar do seu bichinho. E age mesmo.
De acordo com um estudo publicado na edição desta semana da revista Current Biology, os cachorros têm áreas do cérebro mais sensíveis a sons carregados de emoção. Essa característica cerebral, dizem os autores do estudo, pode ajudar a explicar a grande afinidade entre cães e humanos e traz boas pistas sobre a história evolutiva do animal.
Attila Andics, neurocientista da Universidade Eotvos Lorand (Hungria) e um dos autores principais do estudo, explica que pouco se sabe sobre os mecanismos sociais e emocionais dos animais. E, como humanos e cães têm uma longa história de parceria, nada mais justo que buscar entender melhor como esses bichos reagem ao mundo. “Os cachorros vivem com os seres humanos, nós compartilhamos um ambiente social muito semelhante há dezenas de milhares de anos.
Para fazer isso, a equipe de pesquisadores treinou 11 animais para que eles ficassem imóveis em um escâner de mapeamento cerebral. Dessa forma, eles conseguiram capturar as atividades cerebrais correspondentes à audição dos cães. Enquanto estavam sendo monitorados na máquina, os bichos ouviram cerca de 200 sons produzidos tanto por seus semelhantes quanto por homens, como choros de lamento, latidos emitidos em brincadeiras e risadas. “Esse método comparativo e não invasivo, usando o conhecimento já estabelecido para os seres humanos, oferece uma maneira agradável de descobrir onde os processos neurais específicos ocorrem no cérebro dos cães”, explica Andics.
Especialização
Os resultados mostraram que o órgão canino tem áreas especializadas em capturar sons emotivos. “Existe uma região do cérebro muito semelhante em cães e seres humanos, perto do córtex auditivo primário, que processa a informação emocional na voz. Nessa região, a resposta dos animais foi mais forte com esses ruídos”, prossegue o especialista.
“Outra descoberta ainda mais impressionante é a de que o cérebro do cão responde às emoções humanas da mesma forma que às emoções do cão, e o cérebro humano responde às emoções do cão da mesma forma que às emoções humanas.” Essa última descoberta chama a atenção porque, assim como as pessoas, os cachorros tendem a dar mais importância às vocalizações da mesma espécie, uma vez que a área de percepção da voz costuma reagir mais fortemente a sons emitidos por outros cães.
Na opinião de Andics, esses resultados trazem importantes informações sobre a evolução canina. “Já sabíamos que as áreas relacionadas à voz existem em humanos e macacos, mas esta é a primeira vez que a encontramos em não primatas. A descoberta faz recuar a origem evolutiva estimada das áreas de voz de 30 milhões de anos (a idade do último ancestral comum de humanos e macacos) para 100 milhões de anos (a idade do último ancestral comum de humanos e cães)”, destaca o autor do estudo.
Outra contribuição da pesquisa é para o entendimento da relação antiga de parceria entre as duas espécies. “A constatação de que os cães diferenciam entre emoções positivas e negativas de uma forma semelhante aos seres humanos explica como esses animais são capazes de entrar em sintonia com os sentimentos de seus donos. Finalmente começamos a entender como nosso melhor amigo está olhando para nós e está navegando no nosso ambiente social”, frisa Andics.
Semelhanças
A médica-veterinária comportamentalista Larissa Helena Ersching, mestranda no Laboratório de Bem-Estar Animal (Labea) da Universidade Federal do Paraná (UFPR), acredita que o trabalho confirma suspeitas que já existiam. “Esses cientistas reforçam a tese de que os animais, especificamente os cães, têm mais semelhanças do que diferenças com os humanos, principalmente quando falamos do sistema nervoso.
Mauro Lantzman, veterinário especialista em comportamento animal e professor da Pontífica Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), também acredita que o trabalho dos cientistas húngaros mostra indícios interessantes da semelhança entre os animais e o homem. “O método de observação neural tem sido uma estratégia muito utilizada e que consegue mostrar a existência de áreas de respostas comuns entre os animais e o homem. Ganhamos muito com esses resultados, inclusive em conhecimentos sobre a história da evolução”, diz.
Para Larissa Ersching, outro ponto a ser elogiado na pesquisa foi o método utilizado pelos cientistas. “Treinar os animais e desse modo evitar a morte deles para análises cirúrgicas é algo ético e bastante respeitoso. Dessa forma, eles não são tratados como objetos e contribuem para pesquisas que podem auxiliar na nossa compreensão sobre seu comportamento e até melhorar a relação entre homem e animal”, destaca.
Attila Andics adianta que, com o sucesso do experimento, a técnica será utilizada novamente em busca de mais respostas quanto ao comportamento dos cachorros. “Nossa próxima pergunta é: como os cães processam a linguagem humana? Também estamos testando outras modalidades. Experiências visuais e olfativas são muito interessantes e ganharão a nossa atenção”, revela.
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