Paloma Oliveto
De olhos fechados.
Esse misterioso período do dia, quando o homem se desliga do ambiente real e mergulha em um universo desconhecido, ainda é pouco compreendido. Nas cerca de oito horas em que fica mentalmente distante do que ocorre a sua volta, o indivíduo se torna mais vulnerável às ameaças que o cercam, daí uma das dificuldades que se tem para entender como, do ponto de vista evolutivo, dormir pode ser vantajoso.
Pesquisador do Centro de Sono e Consciência da Universidade de Wisconsin, Giulio Tononi explica que esse é o “preço a ser pago” para aprender e memorizar.
De acordo com Tononi, diversos estudos de laboratório estão deixando cada vez mais evidente a hipótese de que o sono ajuda as células a poupar energia, evita o estresse dessas estruturas e mantém a habilidade dos neurônios responderem seletivamente aos estímulos. “A nossa equipe investiga os padrões de sono de animais que vão da mosca-da-fruta aos humanos. Nos baseamos em dados comportamentais, eletrofisiológicos e moleculares. Todos eles apontam para essa direção”, argumenta.
Para que as redes de neurônio associadas ao ato de pedalar não atrapalhem a assimilação do novo conteúdo, elas precisam ser afrouxadas. É o que a noite de sono faz. “Dormir normaliza a intensidade das sinapses”, define Tononi. O que se aprendeu, contudo, não será esquecido.
Complexidade
Um dos maiores estudiosos mundiais do assunto, o neurocientista Robert Stickgold, da Faculdade de Medicina de Harvard, concorda que dormir é importante para a aprendizagem e a memória, mas, diferentemente do colega de Wisconsin, acredita que, durante o sono, as sinapses associadas a determinadas habilidades adquiridas continuam fortalecidas. Em um dos experimentos mais recentes que conduziu, Stickgold constatou que pessoas que tiram uma soneca e sonham com uma tarefa que acabaram de aprender vão executá-la melhor depois de acordarem, comparado àqueles que não dormiram ou, se descansaram, sonharam com coisas sem conexão com a habilidade assimilada.
No estudo de Harvard, voluntários se sentaram em frente a uma tela de computador e aprenderam a decifrar um labirinto tridimensional, de forma que poderiam encontrar a saída cinco horas depois. Alguns participantes puderam tirar uma soneca em seguida, enquanto que outros tiveram de ficar acordados. Aqueles que dormiram e os que, além de descansar, sonharam com o labirinto, encontraram a saída mais facilmente, conta Stickgold. “Nós achamos que os sonhos são uma indicação de que o cérebro continua trabalhando no problema, ainda que em um nível diferente”, acredita.
Para Paul Shaw, psiquiatra da Universidade de Washington, em St. Louis, apesar dos avanços nas pesquisas sobre o sonho, nenhum modelo conseguiu explicar, até agora, a complexidade desse ato. “É como um homem cego tentando descrever um elefante. Dependendo da parte do animal que ele tocar, ele pode achar que se trata de uma cobra, de uma árvore ou de um muro.
Mas Shaw destaca que, ainda que não tenham conseguido juntar todas as peças, os cientistas conseguiram encontrar várias delas. “Hoje, temos muitos dispositivos que ajudam nas pesquisas, como máquinas que permitem gravar as ondas cerebrais”, lembra. Com base nesses métodos, o psiquiatra acredita que já foram feitas descobertas importantes. Entre elas, a da relação entre o sono e a aprendizagem e a consolidação das memórias. “Ainda que não sejam as únicas funções, estudos muito sérios têm indicado que dormir é importante para o armazenamento de informações. Quanto a isso, acredito que não existam muitas dúvidas.”
Fazer um adolescente acordar cedo é tarefa árdua. Segundo cientistas, a dificuldade que os mais jovens têm de levantar para ir à escola não é preguiça. “A privação do sono é epidêmica entre adolescentes, com impactos potencialmente sérios para a saúde física e mental, a segurança e a aprendizagem. O horário do início das aulas contribui para esse problema”, afirma Julie Boergers, psicóloga do Centro de Pesquisa Infantil Bradley Hasbro, nos Estados Unidos. A especialista em estudos do sono publicou um artigo no Journal of Developmental & Behavioral Pediatrics, defendendo que o humor de meninas e meninos melhora muito quando a escola atrasa um pouco a hora de entrada.
No artigo, Boergers explica que, entre as mudanças biológicas que caracterizam a adolescência, está uma alteração no ciclo dormir-acordar. Eles começam a sentir sono mais tarde e, consequentemente, não conseguem mais levantar tão cedo como quando eram crianças. No estudo conduzido pela pesquisadora, os psicólogos investigaram se um discreto atraso no horário escolar poderia mudar os padrões de sono, de insônia, de humor e de uso de cafeína por parte dos jovens. A primeira aula de um colégio de ensino médio passou de 8h para 8h25 no inverno.
benefícios Os 25 minutos fizeram diferença e foram associados a um aumento significativo, de quase meia hora, na duração do sono dos adolescentes. O percentual de estudantes que dormiu oito ou mais horas por noite passou de 18% para 44%. A pesquisa constatou que os mais jovens e aqueles que dormiam menos no início do estudo foram os mais beneficiados. Além disso, Boegers diz que sonecas ao longo do dia, humor depressivo e abuso de café sofreram grande redução durante a experiência. O atraso no primeiro horário não teve efeitos no número de horas que os estudantes passaram fazendo dever de casa, praticando esportes ou participando de atividades extracurriculares.
A especialista diz que a descoberta tem importantes implicações para políticas públicas. “O resultado desse estudo acrescenta mais uma evidência ao crescente corpo de pesquisas que demonstram os benefícios de um pequeno atraso no horário das escolas à saúde do adolescente. Quanto mais a escola se alinhar às necessidades de sono dos estudantes, mais eles ficarão alertas, felizes e bem preparados para aprender”, defende.
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