Paloma Oliveto
Como em uma sala de espelhos, o cérebro humano reflete ações praticadas por outras pessoas.
Os chamados neurônios-espelhos foram descobertos muito recentemente. Em meados da década de 1990, cientistas da Universidade de Parma, na Itália, fizeram uma constatação que mudou a forma como os neuropsicólogos discutem o cérebro. Depois de implantar eletrodos na cabeça de macacos, eles perceberam uma explosão de atividade no córtex premotor quando os animais pegavam um pedaço de comida. A parte anedótica — mas verdadeira — da história é que, um dia, o cientista Giacomo Rizzolatti se deliciava com um sorvete no laboratório. Ele percebeu que, apenas de observá-lo com a guloseima na boca, o córtex premotor dos primatas voltou a ser ativado.
Assim foram descobertos os neurônio-espelhos, pequenas estruturas neurológicas que entram em atividade tanto quando se executa quanto quando se observa uma ação em curso. “Essas células são de extrema importância para a mente humana e já foram comparadas ao DNA em termos de relevância científica. Os primeiros estudos psicológicos partiam da ideia de que uma mente solitária encara o mundo de forma isolada. Os neurônios-espelhos nos contam outra história. Eles dizem que, literalmente, estamos na mente das outras pessoas”, explica Marco Iacoboni, pesquisador da Universidade da Califórnia em Los Angeles.
Agora, a importância dessas células cerebrais para o comportamento social foi testada por cientistas da Universidade Aarhus e da Universidade de Copenhague em uma série de experimentos descritos na revista Psychological Science. Usando estimulação magnética para interromper temporariamente o processamento normal de áreas do cérebro envolvidas com a produção de ação, eles conseguiram comprovar que as mesmas regiões estão associadas também à compreensão dessas ações. “O estudo é o primeiro a demonstrar um efeito causal claro. Ele não se baseia apenas em correlações, como feito anteriormente por outras pesquisas”, destaca John Michael, pesquisador do Centro de Estudos da Subjetividade da Universidade de Copenhague e um dos autores do artigo.
Experimento
Os 20 participantes adultos foram três vezes ao laboratório. Na primeira visita, passaram por um escaneamento cerebral, feito por ressonância magnética, um exame não invasivo que mostra os padrões de ativação das redes de neurônios. Na segunda e na terceira vezes, eles receberam estimulação magnética no sistema motor e, em seguida, assistiram a vídeos em que atores apareciam simulando diversos tipos de ação.
Depois de ver cada uma das cenas, os voluntários tinham de escolher a foto de um objeto que estivesse relacionado ao que haviam assistido — por exemplo, apontar para a figura de um martelo caso a cena mostrasse o ator fingindo que estava martelando algo.
Os cientistas usaram uma tecnologia inovadora que ativa áreas do cérebro para interromper, temporariamente, o processamento normal nessas regiões. “A razão para usar essa técnica, que se chama estimulação magnética transcraniana repetitiva com theta-burst, é que ela torna possível determinar qual área do cérebro desempenha qual função. Por exemplo, se você estimular e, em seguida, temporariamente ‘desligar’ a área A, e os participantes tiverem dificuldade com a tarefa T, você pode inferir que, normalmente, a área A é responsável por desempenhar a tarefa T”, explica Michael. Ele diz que esse efeito desaparece depois de 20 minutos, então não oferece danos para os participantes das pesquisas.
Usando esse método, os pesquisadores encontraram evidências de que a mesma área ativada quando se executa uma ação contribui para a compreensão das ações de terceiros. “Isso nos ajuda a entender muitas coisas do dia a dia, mas também tem potencial de nos apontar os motivos pelos quais pessoas com autismo e esquizofrenia têm dificuldades com a interação social. Essa descoberta pode ser interessante para terapeutas e psiquiatras que trabalham com esses pacientes. Mas é importante enfatizar que a participação dos neurônios-espelhos nesses transtornos é apenas uma peça de um grande quebra-cabeça”, destaca o cientista da Universidade de Copenhague.
Cooperação
Andrew Meltzoff, psicólogo da Universidade de Washington, lembra que, quando bem regulado, o sistema cerebral que controla a percepção de uma ação traz benefícios individuais e sociais. “Compreender o que é uma expressão de dor nos lembra que não devemos tocar em um fogão quente. Do ponto de vista social, a empatia com as experiências alheias está por trás da cooperação. Por isso, muitos cientistas estão associando distúrbios sociais, como o autismo, a uma disfunção do sistema de espelho”, diz. “Por enquanto, parece realmente que há um impacto importante dos neurônios-espelhos sobre o transtorno”, completa.
Para Günther Knoblich, pesquisador do Departamento de Ciência Cognitiva da Universidade Central Europeia, ainda é cedo para determinar que essas estruturas, de fato, desempenham um papel nos transtornos de cunho social. “Muitas teorias já conectaram o autismo e outras disfunções cerebrais. Embora promissora, essa teoria tem de ser vista com cautela. As pessoas tendem a generalizar quando há uma descoberta interessante. Os neurônios-espelhos podem ter um papel muito importante na cognição social, mas ainda há muito o que se investigar a respeito”, conclui.