Brasília – No futuro, mergulhadores em busca de tesouros submersos poderão topar com uma gigantesca mulher coroada segurando uma rocha. Ou percorrerão, a nado, um conjunto de casas coloridas e igrejas banhadas a ouro. Nas profundezas do oceano, esbarrarão nas cabeças de guerreiros maori, em uma fortaleza medieval, em gôndolas que costumavam navegar por canais. São cenas de filme-catástrofe, mas se tornarão realidade caso, nos próximos dois milênios, os termômetros subam 3º C.
Estudo publicado na revista especializada Environmental Research Letters, pesquisadores da Universidade de Innsbruck, na Áustria, alertaram que um aumento de temperatura nessa ordem poderá afundar 136 dos 700 patrimônios culturais da humanidade, incluindo quatro brasileiros (veja lista abaixo). Isso porque diversas projeções e modelos climáticos mostraram que, com um planeta mais aquecido do que atualmente, haverá o derretimento das calotas polares e, consequentemente, o aumento do nível do mar. Os monumentos inventariados pela equipe do climatólogo Ben Marzeion ficam no litoral, em zonas de risco de acordo com cálculos computacionais que levaram em conta as coordenadas geográficas e a proximidade com o oceano.
Relevante
Bens culturais emblemáticos para a história do homem, como a Estátua da Liberdade, a Torre de Londres e a cidade de Pompeia, provavelmente aguçarão a curiosidade das próximas gerações, como hoje o fazem os extintos Jardins da Babilônia ou a Biblioteca de Alexandria. O oceano engolirá joias da arquitetura, como os centros históricos de Salvador, de Olinda e de São Luís, no Brasil, ou a Ópera de Sydney, na Austrália. “Parece muito, mas uma escala de 2 mil anos é suficientemente curta para ser relevante nas discussões sociais sobre o impacto cultural das mudanças climáticas”, defende Anders Levermann, coautor do estudo e pesquisador do Instituto Postdam para Pesquisas de Impactos Climáticos. “A maior parte dos patrimônios da humanidade é, inclusive, mais velha do que isso.”
Para Bruce Wellington, professor da Divisão de Patrimônio do Departamento Ambiental da Universidade Nacional da Austrália, já passou da hora de discutir a alteração do clima somente sob o ponto de vista das perdas econômicas. “Essa é uma questão que precisa ser considerada no contexto da proteção de valorosos bens naturais e culturais”, defende. Há cinco anos, ele integrou uma equipe de pesquisadores que elaborou, a pedido do governo australiano, um relatório sobre os possíveis prejuízos do aumento da temperatura sobre o patrimônio do país.
A preocupação com os impactos do clima sobre os bens da humanidade não é recente. Em 2006, uma reunião da Comissão de Patrimônio da Unesco elaborou uma série de recomendações, “encorajando todos os estados-parte a considerarem seriamente as ameaças em potencial das mudanças climáticas em seus planejamentos de governo, particularmente com monitoramento, estratégias de preparação para catástrofes e tomar medidas precoces em resposta a esses possíveis impactos”.
O órgão das Nações Unidas lançou, em seguida, uma publicação a respeito do tema, listando os efeitos do clima sobre as construções históricas que são patrimônio da humanidade. Além do risco de ficarem submersas, a Unesco evidenciou outros problemas associados. Prédios antigos, por exemplo, são mais porosos, absorvendo água do solo que se evapora na superfície, o que gera corrosão e erosão. O incremento da umidade dos terrenos, consequentemente, é uma ameaça a mais para esses monumentos.
Perda de território
Além dos monumentos históricos e culturais, o estudo da Universidade de Innsbruck constatou que regiões atualmente povoadas por milhões de pessoas serão muito afetadas em milênios. Com o aquecimento global de 3 graus, 12 países poderão perder mais da metade de seu território, e 30 assistirão a pelo menos um décimo da superfície ir por água abaixo – o Brasil não está entre eles. Em termos populacionais, mais de 60% de habitantes da China, da Índia, de Bangladesh, do Vietnã e da Indonésia serão afetados pela perda de território.
As nações mais afetadas serão os estados insulares do Pacífico e do Caribe, assim como as ilhas Maldivas e Seychelles, na África. “A maioria da população desses locais acabará tendo de abandonar seu local de origem. A longo prazo, isso significa que a cultura desses povos pode se perder por completo”, afirma Ben Marzeion. “Se pensarmos na composição demográfica atual do planeta, mais de 600 milhões de pessoas seriam afetadas e teriam que encontrar um novo lar. Caso as previsões climáticas se confirmem, os arqueólogos do futuro terão de procurar boa parte do nosso patrimônio cultural nos oceanos”, conclui.
Valor inestimável
Em 1972 ocorreu a Convenção do Patrimônio Mundial da Unesco, que determinou a identificação de bens culturais e naturais excepcionais do ponto de vista da história, da arte e/ou da ciência e que, por isso, são de valor inestimável para toda a humanidade. Atualmente, existem 754 patrimônios, sendo 149 naturais, 582 culturais e 23 mistos. No Brasil, são 17.