A equipe selecionou obras que estão à disposição da população ao ar livre. Como essas peças estão sujeitas à ação do tempo de forma mais acelerada que as esculturas de coleções particulares, o registro detalhado ajuda a preservar a aparência original dos trabalhos. Os pesquisadores foram a duas cidades mineiras e colheram as imagens no Adro do Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas, e em três igrejas de Outro Preto: a da Ordem Terceira de São Francisco de Assis, a da Nossa Senhora do Carmo, e a de Nossa Senhora das Mercês e Misericórdia.
A missão artístico-tecnológica teve início em junho do ano passado. Armados de um escâner tridimensional de alta precisão, os especialistas foram capazes de digitalizar estátuas e adornos dos templos sem removê-los do lugar nem isolar a área de trabalho. O serviço foi feito assim mesmo, em meio aos turistas, que também estavam interessados em fotografar as obras e procuravam vê-las de perto. “A luminosidade era um problema porque o céu nublado, com sol ou escurecendo, resultava em muitas variações no escaneamento.
O equipamento de última geração foi colocado em frente às obras, de onde emitia um laser que varria toda a área em volta (veja infografia acima). Cada saliência e cada curva das peças barrocas foram traduzidas em uma nuvem de pontos que servia como um enorme mapa volumétrico. “Para adquirir toda a informação, é necessário instalar a máquina em posições diferentes”, explica Rômulo Assis, especialista cedido gratuitamente para esse projeto pela Leica Geosystems, a mesma empresa que também emprestou o escâner de alta resolução. “Para uma estátua, umas três posições são o suficiente”, estima Assis.
O trabalho resultou em um grande volume de dados brutos. Cada uma das obras escaneadas chegou a gerar mais de 2Gb de informações, que, apesar de detalhadas, pouco lembravam os modelos originais. A maior parte do serviço veio depois, quando esses dados foram tratados, remodelando os objetos de acordo com os guias fornecidos pelo escâner. Com a ajuda de um computador, a equipe fez um detalhado jogo de ligue os pontos chamado triangulação, criando as minúsculas superfícies que mais tarde deram forma às peças virtuais.
Durante essa etapa, Rodrigues Júnior e seus colegas também se encarregaram de fechar verdadeiros buracos deixados pela digitalização. A iluminação ruim e a posição estática das peças esconderam alguns pontos. “O mais difícil foram os profetas”, conta o professor, referindo-se aos 12 profetas de Aleijadinho, que ficam no Santuário do Bom Jesus de Matosinhos. “Pode não parecer, mas algumas estátuas são muito altas, então tivemos de escaneá-las 12 vezes, de diferentes ângulos, para completar a informação. E, ainda assim, algumas partes ficaram faltando.”
Fidelidade Depois dessa etapa, o resultado era uma série de representações muito parecidas às obras originais, mas ainda de aspecto artificial. Quando dá volume aos objetos, o software de computador cria texturas de metal ou de plástico – que nada têm a ver com o trabalho artístico de Aleijadinho. Para deixar os adornos com aparência mais realista, os pesquisadores do ICMC contaram com o apoio de uma empresa especializada em coloração de imagens em três dimensões.
Por fim, a equipe precisou reduzir o tamanho dos arquivos sem sacrificar a resolução da imagem para tornar o resultado acessível a qualquer internauta. Essa fase, chamada decimação, foi feita com um software livre. Os arquivos foram processados com um plugin especial que permite a interação 3D com os objetos virtuais.
Os modelos tridimensionais foram colocados no ar há duas semanas, com vídeos que ajudam a ver a rotação das peças. Os usuários também podem clicar nos objetos e girá-los para vê-los de outros ângulos, nem sempre visíveis até mesmo para quem interage com as obras reais. Embora não seja perfeita, a qualidade da reprodução é suficiente para agradar aos interessados pelo trabalho de Aleijadinho, e até mesmo especialistas. “Obviamente, trata-se de montagem fotográfica. Nem o mais moderno sistema será a mesma coisa que ver a obra in loco”, diz Marcelo Coimbra, curador da exposição Berço do barroco brasileiro e seu apogeu com o Aleijadinho, atualmente em cartaz em Brasília. “Mas acho que acrescenta mais do que se perde. Em relação a passear em 3D, achei formidáve”, elogia Coimbra.
Para a equipe do ICMC e para o curador, o projeto tem grande potencial educativo. O ambiente virtual pode gerar mais interesse nos jovens pela arte barroca do que uma simples ilustração em um livro didático.
A iniciativa é apoiada pela Comissão de Cultura e Extensão do ICMC, pela Pró-Reitoria de Cultura e Extensão da USP e pelo Museu de Ciências da universidade, que já manifestou o desejo de desenvolver uma exposição virtual a partir desse trabalho. O ICMC também deve continuar a realizar o trabalho de digitalização do patrimônio histórico brasileiro, embora ainda não tenha revelado que outras obras ganharão modelos virtuais.
SAIBA MAIS
Um artista misterioso
Antonio Francisco Lisboa (1738-1814), mais conhecido como Aleijadinho, tem uma biografia marcada por lacunas e dúvidas. Muito não se sabe sobre esse artista e arquiteto brasileiro, mas a versão mais conhecida de sua história dá conta de que ele era um mestiço, filho do arquiteto e mestre de obras português Manuel Francisco Lisboa e de uma de suas escravas. Estima-se que ele tenha sido acometido, por volta dos 40 anos, por uma doença degenerativa (hanseníase, porfiria e poliomelite são algumas das possíveis condições), o que teria rendido a ele o famoso apelido. Qualquer que fosse a condição de saúde do mestre escultor, é sabido que a limitação o obrigava a trabalhar com ferramentas amarradas às mãos. Seu estilo inovador tornou-se um expoente da arte colonial no Brasil e até hoje é admirado pelo conjunto de belas obras sacras em madeira e pedra-sabão.
Acesse e visite
» As obras digitalizadas de Aleijadinho podem ser vistas no site www.aleijadinho3d.icmc.usp.br.
» Para quem for à capital federal, uma dica é visitar a exposição Berço do barroco brasileiro e seu apogeu com o Aleijadinho, em cartaz na Caixa Cultural Brasília até dia 11. Visitações de terça-feira a domingo, das 9h às 21h..