O trabalho é realizado pelo professor Alberto Cliquet Junior no Laboratório de Biocibernética e Engenharia de Reabilitação da USP, em parceria com o Laboratório de Biomecânica e Reabilitação do Aparelho Locomotor do Hospital das Clínicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “Entre os voluntários que realizam o processo, 90% ficam em pé e andam artificialmente com os aparelhos e protocolos de estimulação neural”, afirma Cliquet. Segundo o professor, outros 3% conseguem aprender a marchar sem necessitar da estimulação elétrica.
“Com o desenvolvimento da tecnologia científica direcionada para a assistência à saúde, foi possível proporcionar uma melhor e maior expectativa de vida à população”, afirma o especialista. Isso ocorre porque a técnica reduz muitos dos efeitos típicos da lesão na medula, como a perda de massa muscular, a osteoporose e problemas respiratórios e circulatórios. As pessoas atendidas também ganham autonomia, podendo, por exemplo, voltar a se alimentar sozinhas, ao recuperar as habilidades de segurar objetos e mover os braços.
Ligação refeita
Como o próprio nome já adianta, a estimulação elétrica neuromuscular (NMES, na sigla em inglês) produz estímulos elétricos para auxiliar a execução de movimentos. Por meio de eletrodos estrategicamente posicionados na pele, os cientistas fazem com que uma corrente refaça a ligação perdida entre o músculo e o sistema nervoso. “Depois do trauma, ocorre uma interferência na comunicação do cérebro, que fornece a informação sensorial de dor, temperatura e percepção ao corpo”, explica Cliquet.
Os eletrodos são anexados a um equipamento que transmite a corrente elétrica por um fio. Como as aplicações são superficiais, não há necessidade de procedimentos cirúrgicos. Segundo esclarece Eduardo Scheeren, professor do Departamento de Engenharia de Reabilitação da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), o sistema funciona de forma similar ao de um aparelho eletrodoméstico ligado em uma tomada. “Um liquidificador tem acionada suas funções quando está ligado na tomada porque chega a ele um fluxo de elétrons, que é a corrente elétrica. Quando o fio que liga o aparelho à tomada se rompe, ele deixa de funcionar, mas não porque está estragado ou porque não há fluxo de elétrons. O que a pesquisa em questão sugere seria algo como ligar uma bateria externa para fazer o liquidificador funcionar novamente”, diz o especialista, que não participa do trabalho desenvolvido na USP e na Unicamp.
Um dos pontos mais importantes de trabalhos envolvendo a NMES está relacionado ao controle da corrente. Scheeren afirma que, se não houvesse controle, as consequências seriam similares a enfiar o dedo na tomada. “O estimulador elétrico foi desenvolvido para humanos, então ele respeita o nível de sensibilidade das pessoas”, afirma.
O coordenador do curso de Engenharia Biomédica do Instituto Nacional de Telecomunicações (Inatel), Fabiano Valias de Carvalho, compartilha da opinião de Scheeren e explica que os músculos se contraem para produzir movimentos quando recebem um estímulo elétrico. “Quando ocorre a lesão medular, os músculos continuam intactos, mas não recebem mais o estímulo elétrico que vem do cérebro através da medula espinhal.”
Atendimento Os resultados mostrados por Cliquet apontam que, após um período que varia de paciente para paciente, a técnica utilizada pode gerar sensações táteis e movimentos voluntários. Ainda segundo o professor, a estimulação ativa uma função chamada gerador de padrão central, uma cadeia de neurônios que cria padrões de movimento sem que haja necessidade da interação de um controlador principal, como o cérebro. Atualmente, o pesquisador consegue atender até 100 pacientes no Ambulatório de Reabilitação Raquimedular do Hospital das Clínicas da Unicamp.
Apesar dos bons resultados, Carvalho ressalta que a abordagem sugerida só funciona quando o sistema muscular do paciente está preservado. “No caso de pessoas que tiveram a lesão medular há muito tempo, os músculos podem estar atrofiados e não responder aos estímulos elétricos”, explica. Além disso, o professor comenta a possibilidade de pessoas com lesões medulares usarem próteses que realizem o trabalho da estimulação elétrica constantemente, auxiliando na retomada de atividades de rotina, por exemplo.
“Existe um esforço muito grande para se encontrar uma forma para que a estimulação elétrica artificial possa substituir os comandos enviados pelo cérebro”, afirma. “No entanto, os trabalhos se resumem a pesquisas, e não existe nenhum equipamento com custo acessível. Além disso, alguns pacientes têm resultados satisfatórios com o uso da estimulação elétrica, mas muitos não têm”, conclui.
Implantes
Diferentes grupos de pesquisa investigam o uso da estimulação elétrica para recuperar os movimentos de lesionados medulares. Nos Estados Unidos, a Reeve Foundation (criada pelo ator Cristopher Reeve) realizou um trabalho com dispositivos instalados diretamente na medula e devolveu movimentos voluntários às pernas de cinco pacientes. Eles não puderam voltar a andar livremente como antes, mas os movimentos executados trouxeram melhoras no dia a dia, inclusive com ganhos à vida sexual deles.