Jornal Estado de Minas

Esqueletos encontrados em Matozinhos devem potencializar patrimônio arqueológico de MG

Especialistas consideram o achado, enterrado há 10,8 mil anos, como "espetacular" e destacam a importância da descoberta

Gustavo Werneck

Esqueletos foram sepultados há 10,8 mil anos na Lapa do Santo - Foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press


Minas reafirma a sua importância no cenário nacional de arqueologia e paleontologia e tem valorizado o potencial da região cárstica. Especialistas definem como “espetacular” a descoberta de dois esqueletos sepultados há 10,8 mil anos na Lapa do Santo, em Matozinhos, na Grande BH, como mostrou com exclusividade nessa quinta-feira o Estado de Minas. O professor de paleontologia da PUC Minas, Castor Cartelle, disse que vibrou ao ler a reportagem. “É um achado fantástico, que potencializa a riqueza do estado e se torna mais um elemento da Rota Lund”, afirmou Cartelle, se referindo ao projeto que liga o Museu de Ciências Naturais da universidade, no câmpus Coração Eucarístico, na Região Noroeste da capital, à Gruta do Maquiné e ao Museu Casa Guimarães Rosa, em Cordisburgo, na Região Central.

Para Rosângela Albano, diretora do Centro de Arqueologia Annette Laming Emperaire (Caale), vinculado à Prefeitura de Lagoa Santa e localizado no Centro da cidade, a descoberta vai motivar outras e revelar o vasto patrimônio de fósseis existentes na região cárstica. “Esses sepultamentos antigos vão levar a novos achados”, observou a diretora, lembrando que as pesquisas vêm desde os tempos do paleontólogo dinamarquês Peter Wilhelm Lund (1801-1880), que viveu na região por 45 anos e fez escavações em cavernas e grutas com resultados de relevância. As escavações demandam muito tempo e, segundo os especialistas, é um “trabalho de formiguinha”, o que significado demorado, com doses de paciência e delicadeza para não danificar os vestígios encontrados sob a terra (veja o passo a passo).

Desde 2011, um grupo de pesquisadores trabalha na Lapa do Santo, sob coordenação do antropólogo paulista André Strauss, do Instituto Max Planck, da Alemanha. Com o atual achado, já são 38 esqueletos em 13 anos de trabalho. Conforme foi revelado agora, os dois esqueletos eram de homem e mulher idosos, em torno de 50 e 60 anos, e apresentam desgastes dos dentes, presença de artrose nas articulações e crescimento ósseo nas vértebras lombares.

Riqueza

Do sítio arqueológico Lapa do Santo, saiu o terceiro esqueleto mais antigo do Brasil e dos mais antigos da América, segundo Strauss.

Perto dali, em Lagoa Santa, foi encontrado em 1975 o crânio da que seria a primeira mulher da América, Luzia, que é de 11,4 mil anos e que está exposto no Museu Nacional, no Rio de Janeiro. “A atual descoberta mostra que não se trata de parte do ‘povo de Luzia’, mas de integrantes do Homem de Lagoa Santa, conforme os estudos de Lund”, explicou.

A gerente de Unidades de Conservação do Instituto Estadual de Florestas (IEF), vinculado à Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), considerou a descoberta dos fósseis “grande riqueza”, que se transforma em história e conhecimento, com repasse para os visitantes e interessados em conhecer a Rota das Grutas ou Rota Lund.

Passo a passo
Escavações podem demorar décadas e obedecem a um passo a passo permeado de muito trabalho, paciência e delicadeza. Conheça algumas etapas:
1) Inicialmente, é feita uma limpeza minuciosa da área e definição do local da escavação
2) O trabalho começa com raspagem lenta dos sedimentos. A ferramenta usada é colher de pedreiro
3) O terreno é todo esquadrinhado. À medida que vai descendo (na terra), o especialista vai fazendo a interpretação das camadas de sedimento. Nessa “leitura”, ele vai verificar a ocorrência de vestígios arqueológicos
4) Ao aparecer algum material, a exemplo de esqueleto, o profissional passa a trabalhar com pincéis e pinças, instrumentos bem leves, para não gerar impactos na área

Material vai para a USP
“Como sempre acontece, o material escavado está indo para o laboratório do professor Walter Neves, na Universidade de São Paulo (USP), de quem já fui aluno”, disse ontem o antropólogo paulista André Strauss, do Instituto Max Planck, da Alemanha. Em 2011, Strauss assumiu a coordenação do projeto, que havia se iniciado 10 anos antes com a descoberta do sítio arqueológico Lapa do Santo, em Matozinhos, onde trabalham cerca de 40 pessoas de diversas áreas do conhecimento.

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