Com o crescimento populacional, o desenvolvimento urbano desordenado e a inexistência de uma vacina, a dengue é considerada uma das mais importantes doenças vetoriais que afetam o país. Uma simulação do Programa de Computação Científica da Fiocruz e da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, da mesma instituição, constatou que, no Rio de Janeiro, o acréscimo de 1ºC na temperatura mínima do mês pode aumentar em 45% o número de casos da doença no mês seguinte. Ao mesmo tempo, 10mm a mais de precipitação no estado farão crescer 6% a quantidade de casos de infecção nos 30 dias posteriores.
Coordenador do Observatório Clima e Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e da sub-rede de saúde da Rede Clima, o pesquisador Christovam Barcellos deixa o aviso: com o aumento de temperatura previsto para as próximas décadas — na América do Sul, até 2100, o acréscimo será entre 1,7 grau e 6,7 graus —, os casos de dengue crescerão em boa parte do país. “Toda cidade acima do estado de São Paulo terá de se preparar para os surtos”, alerta. “É automático. Um verão úmido seguido de calor leva aos surtos de dengue.”
Esses impactos não serão percebidos apenas no futuro. Alguns já podem ser sentidos, indica Barcellos. “Em Manaus, todo ano, o Rio Negro sobe e desce. De uns tempos para cá, ele está subindo mais. A água está entrando nas casas das pessoas que moram perto do rio; ela não escoa, então aumentam os casos de diarreia, leptospirose e hepatites”, relata o pesquisador. Em São Paulo, um levantamento do Centro de Vigilância Epidemiológica do estado mostrou que, após as enchentes de dezembro de 2009, houve um aumento de 51% nos registros de leptospirose se comparado ao mesmo período do ano anterior. Mais casos como esses podem ser esperados: alterações na temperatura e nos padrões de precipitação vão aumentar a ocorrência de desastres naturais em todo o globo.
Poluição As enfermidades transmissíveis não são o único motivo de preocupação para o brasileiro. As mudanças climáticas potencializam outro problema ambiental provocado pela ação humana, com graves consequências para a saúde: a poluição atmosférica. De autoria de Christovam Barcellos, o relatório “Mudanças climáticas e ambientais e seus efeitos na saúde: cenários e incertezas para o Brasil”, publicado pela Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) e pelo Ministério da Saúde, afirma que as condições atmosféricas influenciam o transporte de poluentes.
Em São Paulo, o pediatra e virologista Saulo Duarte Passos, professor da Faculdade de Medicina de Jundiaí, percebeu, há tempos, que os problemas respiratórios aumentaram nas crianças, à medida que o clima se alterava. “Temos notado, nas últimas décadas, uma mudança no padrão das infecções do trato respiratório (IRA). Em São Paulo, observamos as quatro estações num dia. O sistema respiratório da criança se desenvolve plenamente dos 8 aos 10 anos, o que o torna bastante vulnerável às agressões externas”, conta.
Isso o incentivou a investigar se a poluição e o clima estavam associados ao aumento dos casos. O resultado do estudo, uma revisão de artigos científicos produzidos entre 2002 e 2012 citados por cinco bancos de dados médicos, foi publicado na última edição da Revista da Associação Médica Brasileira. Passos concluiu que há informação suficiente para associar as enfermidades respiratórias pediátricas às mudanças climáticas. “Orientei duas dissertações de mestrado para responder a essa pergunta e o resultado é que sim. Quando há uma queda brusca de temperatura, aumenta de duas a quatro vezes a frequência de infecções pelo vírus sincicial respiratório, principal responsável pela bronquiolite viral aguda (BQT)”, revela.
As consequências incluem uma sobrecarga nos serviços de saúde. “Segundo dados do SUS, em 2009, foram registrados mais de 29 mil casos de hospitalizações por bronquiolites a um custo imenso para o sistema de saúde.