Há muito tempo cientistas e ambientalistas avisam: o planeta vai cobrar caro pelas agressões sofridas. E sobrará para todos, poluidores ou não. Mais vulneráveis aos impactos das mudanças de temperatura e precipitações, países que pouco ou nada contribuíram para a liberação de gases do efeito estufa na atmosfera poderão pagar tanto ou ainda mais que os grandes emissores. Embora não seja fácil fazer os cálculos, estudos econômicos preveem que os gastos com as consequências das mudanças climáticas provoquem, nos cofres públicos, um rombo maior do que o provocado na camada de ozônio.
Os impactos econômicos vão variar regionalmente, mas projeções do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) das Nações Unidas indicam que, em média, as perdas globais com um aumento de 4°C na temperatura abocanharão entre 1% e 5% do Produto Interno Bruto (PIB) das nações. Os cálculos consideram apenas as perdas, ficando de fora o que será necessário investir em políticas de adaptação e mitigação.
Na saúde, é ainda mais complicado estimar o custo das mudanças climáticas. “O público em geral e mesmo os formuladores de políticas geralmente não compreendem o que está por trás dos valores”, destaca o economista desenvolvimentista Guy Hutton, do Banco Mundial, no artigo “A economia da saúde e das mudanças climáticas: evidências-chave para tomada de decisões”. O especialista salienta que não há um padrão metodológico — enquanto alguns estudiosos se concentram nos custos diretos, como gastos com hospitalização, internação e medicamentos, outros se dedicam às perdas com seguro-saúde e aposentadorias precoces, por exemplo.
No Brasil, um estudo inédito da Universidade Federal de Viçosa (UFV), em Minas Gerais, mensurou os impactos que duas importantes doenças no país — a dengue e a leishmaniose — terão sobre a saúde, tanto do ponto de vista do tratamento quanto da perda de renda familiar. Em sua tese de doutorado, o economista Chrystian Soares Mendes concluiu que, no fim do século, os custos anuais das internações por dengue vão crescer 275%, em relação a 1992-2002, no cenário climático mais pessimista.
Incidências
Mendes conta que seu interesse em pesquisar o tema veio do fato de não ter encontrado, no país, trabalhos sobre as duas doenças com uma abordagem econômica. Natural de Montes Claros, o economista lembra que na cidade mineira está a maior incidência de leishmaniose visceral do estado. Essa é a forma mais grave do mal, que também se manifesta na versão cutânea ou tegumentar. Em ambos os casos, a transmissão é feita pelo mosquito-palha (Lutzomyia longipalpis), que hospeda protozoários do gênero Leishmania. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que, a cada ano, 2 milhões de pessoas sejam infectadas.
O Brasil concentra 90% dos casos da América Latina, com 700 mil ocorrências registradas de 1979 a 2009, com 71,1% delas no Norte e no Nordeste. Nesse período, foram 5 mil óbitos — 62,9% no Nordeste e 9% no Norte. De acordo com Mendes, na última década, o perfil de distribuição geográfica das leishmanioses mudou, com a doença chegando ao Sul. Entre 1980 e 1999, houve apenas 10 casos confirmados na região, mas, entre 2000 e 2010, esse número passou para 119. Já a incidência da dengue, transmitida pelo mosquito Aedes aegypti, aumentou 30 vezes nos últimos 50 anos em todo o mundo. Na América do Sul, entre 2001 e 2007, o Brasil foi responsável por 98,5% dos casos, que hoje se concentram particularmente nas regiões Sudeste (36,79%) e Nordeste (41,48%).
Para a tese de doutorado, o economista fez o levantamento junto ao SUS das internações por dengue e leishmanioses em todos os municípios brasileiros no período-base de 1992-2002, assim como os custos médios e a quantidade de dias de hospitalização. Ele também consultou informações do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) para os cálculos de perda de renda.
Variáveis
Em seguida, o economista fez a previsão do número de internações por leishmanioses e dengue nos períodos de 2010-2039, 2040-2069 e 2070-2199 com base em dois cenários climáticos elaborados pelo IPCC: o A1B e A2, que estimam aumentos de temperatura de 2,8°C e 3,4°C até o fim do século, respectivamente. A partir daí, Mendes utilizou equações para simular a incidência das doenças no futuro, associadas à variação da temperatura, do padrão de precipitações e das duas variáveis juntas. “As estimativas indicaram que haverá uma elevação drástica tanto das leishmanioses como da dengue em todas as regiões do país”, conta.
Enquanto a umidade influenciou mais a proliferação da leishmaniose do que a temperatura, com aumento 15% e 13% nas hospitalizações (cenários A2 e A1B, respectivamente), as duas variáveis tiveram forte impacto sobre a dengue. O conjunto será responsável por uma elevação de mais de 19 mil internações pela enfermidade no fim do século, uma variação de 200% em relação ao período-base do estudo. Rondônia, Pará, Amazonas, Bahia, Maranhão, Minas Gerais, São Paulo, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul serão os estados mais atingidos. No já árido Centro-Oeste, ocorrerá o contrário, com redução das hospitalizações tanto para leishmaniose quanto para dengue.
Em termos econômicos, o aumento do número de internações por leishmaniose no país levar a perdas de renda familiar de mais de R$ 1,9 milhão por ano no total. Os custos anuais do governo também vão crescer, passando de R$ 85 mil entre 2010-2039 para R$ 120 mil de 2070-2099, no cenário A1B. O outro modelo, A2, tem impacto R$ 10 mil maior no último período.
Peso
Quanto às internações, o peso no SUS passará de R$ 800 mil (2010-2039) para R$ 3 milhões (2070-2099) no cenário menos pessimista. Pelo modelo A2, no fim do século, as hospitalizações de pacientes com dengue consumirão R$ 3,8 milhões anuais. Gastos com medicamentos também devem ser levados em conta, observa o autor do estudo. Para leishmaniose, o tratamento padrão chega a custar US$ 2.190 por paciente. Como os remédios são fornecidos pelo governo, será uma conta a mais para os cofres públicos quitarem.
Por meio da assessoria de imprensa, a Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde afirmou que “os efeitos sobre a saúde humana podem comprometer seriamente os resultados já obtidos na saúde pública”. “Vale ressaltar que as vulnerabilidades geográficas, sociais e econômicas da população, bem como as de infraestrutura e ambiental, influenciam nos efeitos da mudança do clima e na capacidade de resposta do SUS. Assim, uma análise multidisciplinar e a integração das políticas públicas sociais e econômicas e da sociedade são essenciais para a obtenção de resultados efetivos”, conclui a nota.
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