Brasília – O planeta está reagindo às perturbações no ecossistema, intensificadas desde a Revolução Industrial. Agora, especialistas ressaltam que é preciso responder a ele. Ao mesmo tempo em que insiste na necessidade de uma economia mais limpa de carbono, o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU (IPCC) recomenda medidas de adaptação, especialmente nos países menos preparados para suportar os extremos climáticos que já estão ocorrendo.
Adaptar, de acordo com o rascunho do quinto relatório do IPCC, divulgado neste ano, envolve “reduzir riscos e vulnerabilidades, buscar oportunidades e construir a capacidade de nações, regiões, cidades, setor privado, comunidades, indivíduos e sistemas naturais lidarem com os impactos climáticos, assim como mobilizar essa capacidade, implementando decisões e ações”. Para a saúde, isso ganha um amplo significado, pois os impactos do clima sobre o bem-estar humano vão desde ondas ocasionais de calor a surtos de doenças transmitidas pela água depois de um desastre natural.
Nesta última reportagem da série sobre os impactos do aquecimento global na saúde, especialistas afirmam que o Brasil , como todo o mundo, precisa adotar medidas que tornem a população menos vulnerável às alterações. Cada região tem fragilidades distintas, exigindo esforços diferenciados de adaptação. “Aqui, o Nordeste é a região mais vulnerável em termos de possíveis impactos do clima e em termos de doenças infecciosas tropicais”, exemplifica o médico e pesquisador Ulisses Confalonieri, coordenador e revisor dos trabalhos do Grupo II do IPCC.
“É uma região de indicadores socioeconômicos pobres, clima semiárido sujeito a variações extremas e persistência de doenças infecciosas e endêmicas. O alto nível de desenvolvimento socioeconômico no Sul e no Sudeste faz com que sejam menos vulneráveis aos efeitos do clima”, acrescenta.
Nem por isso o Sudeste precisa se preocupar menos com a adaptação.
Dilema
Barcellos acredita que não vai demorar para os gestores se virem diante de um dilema: interromper o abastecimento hídrico ou distribuir água contaminada. As consequências disso para a saúde são evidentes. Um dos estudos produzidos por cientistas da Rede Clima, do Ministério de Ciência e Tecnologia, mostrou que a distribuição de água contaminada vai dobrar a mortalidade infantil, um problema que o país se orgulha de ter reduzido em dois terços. “O Brasil já tem uma dívida enorme com a população, no sentido de não oferecer infraestrutura, e os cenários apontam para uma população mais envelhecida, mais vulnerável e mais frágil”, lamenta Barcellos.
As especificidades de gênero, faixa etária, local de moradia, classe social, etnia e escolarização precisam ser levadas em consideração nas medidas adaptativas, segundo o relatório do IPCC. O demógrafo Douglas Sathler dos Reis, pesquisador de planejamento urbano e meio ambiente e professor da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, em Diamantina, lembra que, no Brasil, o contingente de pessoas vulnerável às mudanças climáticas é enorme. “Mais de 80% da população brasileira vive nas cidades”, diz. “Devemos pensar as questões ambientais urbanas para além dos problemas tradicionalmente conhecidos, incorporando, também, iniciativas de adaptação e mitigação às mudanças climáticas”, defende.
Ações
A Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde (MS) informou que, com a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente de 1992, as mudanças climáticas foram incorporadas à agenda do governo. “O MS, em parceria com a Fiocruz, iniciou estudos e participou de discussões internacionais sobre os efeitos na saúde humana decorrentes das mudanças climáticas”, diz a nota.
Desde 2007, o ministério compõe o Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima, coordenado pela Casa Civil, e, atualmente, participa da elaboração do Plano Nacional de Adaptação e da Análise dos Riscos, Impactos e Vulnerabilidades das Mudanças do Clima na saúde humana, em parceria com o Ministério do Meio Ambiente. Entre as medidas para reduzir os impactos das mudanças climáticas na saúde está a criação da Força Nacional do SUS, criada em novembro de 2011 “para agir no atendimento às vítimas de desastres naturais, calamidades públicas ou situações de risco epidemiológico e eventos de massa quando superada a capacidade de resposta do estado ou município”.
Para Reis, porém, a ação dos municípios ainda é muito frágil. “Historicamente, a mitigação ganhou maior atenção das políticas públicas locais, com formulação de inventários de emissões de gases e de planos de mitigação”, lembra. Mas, segundo ele, “poucas cidades brasileiras integram redes de conhecimento já consolidadas sobre o tema”.
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