O que é mesmo o própolis, produto que, cada vez mais, tem sido usado na medicina? De acordo com um dos maiores apicultores brasileiros, Helmuth Wiese, em seu livro Nova apicultura, publicado em 1995, “o própolis é uma substância resinosa, adesiva, balsâmica, elaborada pelas abelhas a partir da coleta de produtos existentes em botões florais, gemas e em cortes da casca dos vegetais”.
O professor Yong Park, da Universidade Estadual de Campinas, afirma que “as abelhas retiram essa resina e a reaplicam na parte externa da colmeia. Dessa forma, o própolis age como vedante, protegendo o lar das abelhas contra organismos invasores que querem roubar mel”. E emenda: “Para conseguir o própolis que consumimos, os produtores preferem extrair o produto das colmeias, onde a quantidade é maior que nas plantas. Só para dar uma ideia, pode-se tirar cerca de 300 gramas de própolis de uma colmeia por mês”.
Atrás somente da China, o Brasil é o segundo maior produtor mundial de própolis. Das 700 a 800 toneladas consumidas anualmente no mundo, o país responde por 150 a 170 toneladas, atendendo, entre outros clientes, 80% da demanda do mercado japonês. Atualmente, há um forte interesse do mercado europeu pelo própolis orgânico certificada produzida no Brasil.
Estudo que confirmou as propriedades antioxidantes e antimicrobianas do própolis orgânico certificado produzido na Região Sul do Brasil foi finalizado recentemente pelo engenheiro agrônomo Severino Matias de Alencar, professor associado da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) e da Universidade de São Paulo (USP), com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Em colaboração com o farmacêutico Pedro Luiz Rosalen, professor titular de farmacologia, anestesiologia e terapêutica da Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e com a participação da doutoranda Ana Paula Tiveron (Esalq) e do pós-doutorando Bruno Bueno Silva (Instituto de Ciências Biomédicas, USP), ambos bolsistas da Fapesp, além do doutor Masaharu Ikegaki, da Universidade Federal de Alfenas (Unifal).
Variantes
A equipe investigou 78 amostras, coletadas em apiários no Sul do Paraná e Norte de Santa Catarina. Nesse total, identificou sete variantes de própolis orgânico, com comprovada atividade antioxidante e antimicrobiana (em relação às bactérias Streptococcus mutans, Streptococcus sobrinus, Staphylococcus aureus, Streptococcus oralis e Pseudomonas aeruginosa).
O professor Severino Matias concorda que o interesse científico pelas propriedades do própolis é relativamente recente. “No Brasil, o interesse pelo própolis ocorreu somente na década de 1980. Portanto, há ainda muito que se pesquisar, principalmente no que diz respeito à padronização e classificação do própolis. Não se pode deixar de considerar o enorme potencial dele como fornecedor de moléculas bioativas a serem testadas e com possibilidade de aplicação nas indústrias alimentícia e farmacêutica”, afirmou. Segundo ele, o grande desafio que os pesquisadores têm pela frente é responder qual tipo de própolis é melhor para qual atividade biológica, considerando que, no Brasil, existem vários.
Severino atesta que o própolis vem ganhando cada vez mais popularidade como suplemento alimentar saudável e tem sido amplamente utilizada em alimentos e bebidas, atuando, assim, como elemento funcional para melhorar a saúde e prevenir inflamações, doenças cardíacas, diabetes e até mesmo câncer. “Porém, essa funcionalidade depende de cada tipo de própolis e, no Brasil, pelo menos 13 tipos distintos dele já foram descritos na literatura.”
Vários alvos terapêuticos
Uma linha de gel à base de própolis, a Proporalcare, destinada a controlar e erradicar os efeitos colaterais da radioterapia em pacientes portadores de câncer nas regiões da cabeça e do pescoço, garantiu a uma empresa mineira um prêmio, há dois meses. A pesquisa, o desenvolvimento do produto e a conquista do mercado externo com o Proporalcare deram à Pharma Nectar, sediada em Belo Horizonte, premiação na categoria Micro e Pequena Empresa, no 5º Prêmio Apex-Brasil de Excelência em Exportação, promovido pela Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil).
Outra meta foi um medicamento para a prevenção e tratamento de mucosite e candidose em pacientes que lutam contra o câncer e recebem irradiação nas regiões da cabeça e do pescoço. Nesses casos, a irradiação gama provoca xerostomia, disfunção causada pela radioterapia, conhecida como “boca seca”, caracterizada por pouca ou nenhuma produção de saliva, que protege a boca e controla o crescimento exagerado de micro-organismos potencialmente patogênicos.
Os experimentos mostraram que, dos pacientes tratados antecipadamente com o gel do própolis, 90% não desenvolveram a mucosite, enquanto que os restantes 10% tiveram a inflamação no grau dois, bem mais branda e que não chegou a afetar a qualidade de vida deles. No projeto, sob a liderança do professor de patologia bucal Vagner Rodrigues Santos, com a equipe técnica da Pharma Nectar, constatou-se a eficácia do própolis no tratamento de pacientes com aftas, candidoses e doenças periodontais.
Alecrim do campo
A partir dessa constatação, a diretora científica da Pharma Nectar, a farmacêutica Sheila Rago Lemos Abreu, desenvolveu um gel mucoaderente à base do própolis verde do alecrim do campo (Baccharis dracunculifolia), para o início dos estudos clínicos. No Hospital das Clínicas da UFMG, na véspera do início da radioterapia, o paciente é encaminhado para receber a aplicação do produto, procedimento que se repete durante 45 dias. Segundo a farmacêutica, “representa um grande avanço, pois um único produto reúne vários alvos terapêuticos, necessários para os pacientes irradiados”.
Os testes passaram por autorização do comitê de ética em pesquisa clínica da UFMG, foram registrados, têm autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e seguem normas internacionais de pesquisa clínica da Organização Mundial de Saúde (OMS). Em parceria com a Escola de Odontologia da UFMG, a Pharma Nectar está desenvolvendo um produto com própolis para melhorar a qualidade de vida de pacientes oncológicos. Esse estudo encontra-se na fase três de pesquisa clínica e todos os pacientes oncológicos que tenham qualquer manifestação desconfortável na cavidade oral podem procurar o serviço da patologia bucal da UFMG, para participar do ensaio clínico.
Três perguntas para...
Alexandre Silva de Abreu, diretor da Pharma Nectar
O senhor considera que ainda há muitos caminhos, no sentido de descobrir outras propriedades e aplicações da própolis?
No caso da própolis, existe um processo de inovação sequencial, por meio do qual inovações vão surgindo em decorrência do aprimoramento dos produtos com novas utilidades e aplicações. Mas é preciso que a sociedade se aproprie mais de um produto nosso, que é referencia mundial de qualidade.
Qual a produção mensal de própolis da empresa e quanto desse total é exportado?
A nossa meta não é a exportação de própolis in natura, mas a elaboração de produtos com maior valor agregado, que possam impactar positivamente na vida das pessoas.
O senhor avalia que há uma demanda grande e contínua pelo produto no mundo?
O mercado para produtos à base de própolis cresce ano a ano em todo mundo. Recentemente, a Apex realizou um trabalho de inteligência comercial nos mercados-alvo para a própolis brasileira e os números são impressionantes: somente na América do Norte, Europa e Ásia, as vendas de própolis nas mais diferentes apresentações superam US$ 10 bilhões ao ano. .