Um dos locais mais abalados pela guerra civil é Aleppo, cidade que não sai do noticiário internacional por ser a segunda maior do país e ter uma posição estratégica no mapa sírio, sendo um ponto de passagem para a Turquia. Fundado no segundo milênio antes de Cristo, esse é um dos mais antigos centros urbanos ainda habitados da humanidade e, até 2011, encantava turistas com seus bazares, mesquitas e igrejas cristãs, além de um muro finalizado no século 12, mas iniciado muito tempo antes: há pelo menos 4 mil anos.
Tudo isso, agora, é escombro. “Nas imagens de satélite, a destruição massiva é óbvia por toda a cidade, especialmente na Cidade Antiga, Patrimônio Mundial da Humanidade”, lamenta Wolfinbarger. Entre as estruturas destruídas, estão mesquitas e madrasas (escolas do Corão), incluindo a Grande Mesquita, uma belíssima edificação fundada em 715. O majestoso Hotel Carlton, o caravançarai (estabelecimento típico de hospedagem do Oriente Médio) Khan Qurt Bey, a Mesquita de Khusruwiye e o mercado Suq al-Madina, entre muitos outros prédios e construções históricas ao norte e ao sul da citadela, também sucumbiram.
As imagens capturadas em 2011 e 2014 revelam danos severos particularmente na Grande Mesquita, no mercado e na área adjacente. O minarete do templo, construído por volta do ano 1000, foi abaixo, assim como o teto da mesquita. É possível visualizar também duas crateras na parede leste. Embora as piores avarias sejam vistas ao sul, a destruição também é evidente na parte alta da cidade, uma área que concentra edificações que vão do período mamluk ao otomano (séculos 13 a 19).
Extensão
Nos outros Patrimônios Mundiais da Humanidade localizados na Síria — Cidade Antiga de Bosra, parte antiga de Palmyra, antigas vilas do Nordeste sírio e castelos de Crac des Chevaliers e Qal’at Salah El-Din — houve danos diversos. Um antigo anfiteatro romano de Bosra foi atingido por morteiros, e em sítios arqueológicos anteriormente intocados os militares abriram estradas, cortando, inclusive, o centro de uma necrópole romana em Palmyra. Segundo a Unesco, Palmyra, localizada no deserto ao norte de Damasco, “contém ruínas monumentais de uma grande cidade que já foi um dos mais importantes centros culturais do mundo antigo”, com influência da arte greco-romana e persa.
Já no castelo de Crac des Chevaliers, um dos mais conhecidos exemplos de uma fortificação das Cruzadas, as imagens mostram danos estruturais moderados, como um talho de 6m na torre sul e crateras no solo. No vilarejo de Jabel Barisha, um dos mais antigos da Síria, o satélite revelou três fortes militares novos, construídos depois do início da guerra, sendo dois dentro dos limites do parque arqueológico. “Dos nossos contatos e fontes na Síria, sabíamos que havia danos aos patrimônios mundiais”, diz Brian I. Daniels, diretor de Pesquisa e Programas do Centro de Patrimônio Cultural do Museu da Universidade da Pensilvânia. “Mas esses dados nos surpreenderam por revelarem exatamente o quão extensiva foi a destruição.”
Corine Wegener, do Instituto Smithsonian, acredita ser preciso organizar um grupo internacional de pesquisadores para estudar os danos e investigar formas de intervir na Síria. “Há esperança, e ela reside em nossos colegas sírios, porque eles são os cuidadores desses locais, sabem do valor de preservar e protegê-los para futuras gerações”, diz Wegener. “O que eles precisam de seus colegas estrangeiros é alguma ajuda para fazer isso — treinamento, materiais e outros suportes da arena internacional. É possível mitigar e prevenir danos para o patrimônio cultural mesmo no meio de conflitos.”
Estado Islâmico depreda a memória
A situação do Iraque também preocupa a Unesco. Desde junho, a antiga Babilônia vem sendo depredada pelo grupo Estado Islâmico, que assumiu o controle de várias faixas do território iraquiano, destruindo templos, igrejas e manuscritos em Mossul, Tikrit e outras localidades do país, por considerá-los idolátricos ou heréticos. Os jihadistas também fizeram escavações em sítios arqueológicos para vender objetos ao exterior. Funcionários de inteligência calculam que o grupo tenha obtido US$ 36 milhões vendendo artefatos roubados.
A diretora-geral da Unesco, Irinia Bokova, condenou no domingo passado, em Bagdá, a destruição “bárbara” do patrimônio cultural. “O Iraque possui milhares de templos, edifícios, sítios arqueológicos, objetos que são um tesouro para toda a humanidade”, disse. “Não podemos aceitar que esse tesouro, essa herança da civilização, seja destruído da forma mais bárbara”, completou. “Temos que agir, não há tempo a perder, porque os extremistas estão tentando apagar a identidade, porque sabem que sem uma identidade não existe memória, não há história. Pensamos que isso é uma aberração, não é aceitável”, insistiu.
Berço da civilização, com uma história que remonta a 5 mil anos, o Iraque é, com o Egito, o país que abriga os mais antigos resquícios da civilização. Bagdá foi a primeira cidade planejada do planeta, onde surgiu a escrita cuneiforme; a irrigação; a biblioteca Casa da Sabedoria, do ano 832 d.C.; e a primeira universidade árabe.