Vilhena Soares
O grupo de pesquisadores partiu do conhecimento já consolidado de que as formigas usam sons para se comunicar e de um estudo anterior que havia comprovado a capacidade dessas lagartas de emitirem ruídos. “Decidimos avaliar o papel desses sons e, eventualmente, verificar a capacidade de elas de interferirem na comunicação acústica de suas ‘companheiras’ formigas”, conta ao Estado de Minas Francesca Barbero, principal autora do estudo e pesquisadora da Universidade de Turim. “Sinais acústicos transmitem informações bastante complexas, não só entre as formigas operárias, quando elas estão fora da colônia, mas também dentro do ninho e entre as castas (diferentes classes das formigas). Nosso objetivo foi compreender se alguns parasitas, como as larvas da borboleta, poderiam interferir no sistema de comunicação e na organização do formigueiro”, completa.
Para responder à pergunta, Barbero e colegas usaram um microfone especial para gravar os ruídos emitidos pelos bichos e também para reproduzir sons das lagartas dentro de formigueiros. Ao comparar os sinais acústicos e analisar as respostas de formigas do gênero Myrmica, eles descobriram que as lagartas eram capazes de imitar tanto as rainhas quanto as operárias.
Os cientistas descobriram ainda que, depois de enganar as colônias, as duas espécies de lagartas agem de forma distinta. Uma delas apenas convive com as pequenas trabalhadoras para comer o alimento colhido por elas. Já a outra se alimenta das próprias formigas. O primeiro tipo de larva mostrou ter maior influência sobre as operárias do que sobre a rainha. “Uma vez dentro do ninho de acolhimento, a principal diferença entre as duas estratégias de sobrevivência é que as não predadoras precisam ser consideradas membros da colônia. Já as espécies predadoras precisam permanecer sem ser descobertas”, destaca a autora.
Dependência
Para Rafael Cedro de Souza Sandoval, entomologista e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a pesquisa italiana mostra uma situação recorrente na interação entre insetos. “O trabalho realizado por esses cientistas mostra um exemplo clássico de uma relação ecológica interespecífica chamada inquilinismo. Em alguns casos, pode ser considerada como um parasitismo obrigatório também, por haver essa dependência das lagartas das borboletas Maculinea sob o cuidado intenso das formigas”, observa.
De acordo com Sandoval, a interação entre essas duas espécies e o fato de outros insetos imitarem sons de outros organismos já são bem conhecidos. Ele lembra ainda que há outras formas de mimetização animal, como a mudança de cor e a reprodução de certos comportamentos, geralmente com o objetivo de capturar presas ou escapar de predadores.
Para o especialista brasileiro, o estudo revela pontos interessantes de convívio entre espécies, podendo contribuir para descobertas em biologia animal. “As pesquisas na área da entomologia são extremamente amplas, há uma diversidade incrível de organismos que ainda não foram estudados e isso é muito importante para o reconhecimento da biodiversidade e do comportamento dessas espécies”, avalia.
Francesca Barbero adianta que a pesquisa terá continuidade, agora com foco na interação entre as lagartas Maculinea. “Continuaremos estudando a ecologia, o comportamento e os padrões de especificidade delas. Para a área acústica, em particular, planejamos fazer algumas experiências de reprodução de sons para avaliar se existem componentes mais informativos do que outros”, diz.
Benefícios
Inquilinismo é uma relação harmônica entre espécies que beneficia uma delas sem causar prejuízos para a outra. A maioria dessas relações é focada na obtenção de abrigo e proteção.