Paloma Oliveto
O judeu Albert Einstein não era homem de um milagre só. Há quase 100 anos, uma década depois de publicar os artigos que serviram de base para a teoria geral da relatividade, ele apresentou, em uma série de conferências na Academia de Ciências da Prússia, o seu maior triunfo. O que o físico proferiu nas quatro apresentações, ocorridas nas terças-feiras de novembro de 1915, mudaria a ciência para sempre. Passado um século da exposição, ninguém jamais conseguiu contrariar nem sequer uma vírgula do trabalho de Einstein.
Além das turbulências familiares – ele estava separado da primeira mulher e afastado dos filhos –, o alemão sentia-se consumido pela própria ansiedade. Em uma carta ao amigo David Hilbert, matemático que também estava atrás da fórmula da gravidade, ele deixa transparecer o estado de empolgação e nervosismo. “Se minha modificação atual (que não muda as equações) estiver certa, então a gravitação deve desempenhar um papel fundamental na composição da matéria. Minha própria curiosidade está interferindo em meu trabalho!”, revelou, às vésperas de apresentar a segunda palestra da conferência. Até ali, todos os conceitos pareciam se encaixar perfeitamente. Mas faltavam as equações que colocariam a cereja no bolo.
A teoria geral da relatividade não se descortinou à frente de Einstein em um clássico momento de “eureca!”. Na verdade, esse era um problema que ele vinha tentando resolver havia anos. Se, em 1905, o físico matou a charada sobre o movimento a uma velocidade constante, faltava à teoria especial explicar o que ocorria a uma velocidade não linear. Em suas correspondências – boa parte delas digitalizada pela Universidade Hebraica e disponíveis no site https://www.alberteinstein.info –, Einstein revela que, em 1907, imaginou a cena de um corpo caindo de um telhado.
Se a luz viaja a uma velocidade constante, o mesmo não se pode dizer do desafortunado homem que despenca de forma acelerada. Mas, para complicar as coisas, o cientista pensou que, dependendo do referencial, o corpo em queda também pode estar em repouso. Para o resto do mundo, quem está se movendo em direção ao chão é a pessoa que escorregou do telhado. Só que, aos olhos da vítima, ela pode estar parada – e o resto do mundo é que está em queda livre. “Tudo é relativo” se transformou em postulado científico, frase de efeito e estampa de camisetas pop.
Conceitos Unidos
A teoria geral da relatividade atiçou ainda mais a fúria dos newtonianos contra Einstein. Eles estavam indignados com o alemão desde 1905, quando a série de artigos publicados na Annalen der Physik colocava em xeque a visão mecanicista do universo. Nada poderia viajar mais rápido que a luz, disse, contrariando a ideia de que a gravidade era uma força instantânea, como dizia Isaac Newton. Agora, ele defendia que essa misteriosa coisa que impede que se saia voando pelos ares e também atrai todos os corpos para o centro era a curva de um tecido que chamou espaço-tempo.
“Einstein constatou que gravitação e aceleração eram os dois nomes de uma mesma coisa. Ele pegou dois conceitos que todos sempre pensaram ser cenários naturais completamente diferentes e disse que eram equivalentes”, revela Larry Lagerstromd, físico e professor de história da ciência da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos. “Espaço e tempo, energia e massa, aceleração e gravitação, como diz Gerald Holton (professor de Harvard e um dos maiores experts mundiais em Einstein), ele sempre estava confrontando a questão: ‘Por que deveria haver dois fenômenos diferentes com duas teorias diferentes para explicá-los quando, para mim, parecem uma coisa só?’.”
Tudo fazia muito sentido para o gênio alemão, mas faltava algo fundamental, sem o qual suas ideias já controversas entre os pares jamais seriam validadas: a equação. Ao escrever para o amigo matemático, Einstein não poderia imaginar que, em resposta, receberia uma provocação. David Hilbert disse que estava muito perto de chegar a “uma solução para seu grande problema”. “Pelo que entendi de seu novo artigo, a solução que você tem é completamente diferente da minha”, arrematou.
Para a surpresa de Einstein, Hilbert realmente estava disposto a passar à sua frente. Antes da última conferência do físico alemão, o matemático enviou a uma revista científica sua versão das equações da teoria da relatividade. Chamou o artigo de nada menos que “As bases da física”. David Hilbert podia ser um excelente matemático. E, de fato, o era. Mas ele estava errado. Era Einstein quem havia chegado à fórmula correta. Agora não havia mais volta. O judeu de Berlim oficialmente tornava-se o maior físico da história.
“Em 25 de novembro de 1915, Einstein publicou as equações de campo da relatividade geral, as chamadas equações de Einstein. Esse evento marca um dos maiores feitos do cientista, mesmo em comparação aos seus três mais famosos artigos, do ano miraculoso de 1905”, observa Tilman Sauer, diretor do Instituto Teórico do Centro Albert Einstein de Bern, na Suíça. O físico também é idealizador do Projeto Artigos de Einstein, que digitaliza os trabalhos científicos do cientista. “A publicação também representa o fim de um longo e tortuoso caminho que iniciou pouco depois de ele, como um especialista em patentes desconhecido, apresentar a teoria da relatividade. No fim desse caminho ele tinha ascendido na hierarquia acadêmica, chegando a membro da Academia Prussiana de Ciências, em Berlim.”
Confirmação no Ceará
Faltava muito pouco para Albert Einstein ganhar fama não só entre os pares, mas se tornar uma figura pop no mundo todo. A oportunidade veio na forma de eclipse solar. Em 29 de maio de 1919, o dia virou noite na América do Sul e na África, durante seis minutos e 51 segundos. O evento foi observado por pesquisadores da Real Sociedade Astronômica, de Londres, que organizaram expedições para regiões geográficas do hemisfério sul que permitissem uma visualização perfeita do evento. Um desses lugares foi a Ilha do Príncipe, perto da Guiné Equatorial. O outro foi Sobral, no Ceará, então um vilarejo de 2 mil habitantes.
O posicionamento das estrelas não era o que se esperava para o céu daquele dia. Elas estavam um tanto deslocadas. E os valores dos desvios eram compatíveis com os resultados dos cálculos que os astrônomos fizeram, usando o princípio da teoria da relatividade. Quatro anos depois de Einstein apresentar na série de conferências de Berlim, fotografias do eclipse feitas no interior do Ceará comprovavam a distorção da curvatura espaço-tempo provocada pelo campo gravitacional do Sol. No dia seguinte, a manchete do jornal The New York Times decretava: “Todas as luzes entortaram no Céu. A teoria de Einstein triunfa”.
LÍNGUA AFIADA
Como se não bastasse ser um gênio, Albert Einstein tinha outra habilidade: fazer humor. Veja algumas das frases e passagens engraçadas da vida do físico:
» Eternidade
O escritor Walter Isaacson, autor do livro Einstein: sua vida, seu universo, conta que em uma recepção na Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos o físico ouviu uma série de discursos em sua honra proferidos por pessoas como o príncipe Albert I de Mônaco, que era oceonógrafo. O evento parecia não terminar nunca. Einstein, então, cochichou para um diplomata alemão que estava sentado ao seu lado: “Acabo de desenvolver a teoria da eternidade”.
» Poucas ideias
O físico também era modesto. O jornalista e escritor científico Bill Bryson revela em Uma breve história de quase tudo que, certa vez, o poeta francês Paul Valery perguntou a Einstein se o gênio andava com uma caderneta para anotar suas ideias. “Einstein olhou para ele com uma suave, porém genuína, surpresa. ‘Oh, isso não é necessário’, respondeu. ‘É tão raro eu ter uma ideia’.”
» Discreto
Einstein não gostava de publicidade. Certa vez, ele contou a um repórter da revista New Yorker que, quando abordado nas ruas, respondia: “Me desculpe, me perdoe! Sempre sou confundido com o professor Einstein!”. E saía em disparada.