Vilhena Soares
A curiosa constatação foi feita por um grupo internacional de cientistas, que analisou o comportamento dos gansos-de-cabeça-pintada (Anser indicus) durante as viagens que realizam todos os anos entre o planalto tibetano e a Mongólia. Os autores do trabalho, publicado na revista Science, acreditam que essa seja uma forma de os animais usarem a densidade do ar a seu favor, facilitando o longo deslocamento.
“Isso lhes daria a melhor oportunidade para obter assistência do voo, a partir do vento que é desviado para cima, conhecido como elevação orográfica (fluxo de ar ascendente causado pelas montanhas). Assim, as aves obteriam taxas adicionais de subida com uma redução em seus custos energéticos, ou, pelo menos, nenhum aumento de energia”, explicou, em um comunicado à imprensa, Robin Spivey, pesquisador da Universidade Bangor, no Reino Unido.
Monitoramento
De acordo com os pesquisadores, já se sabia que os gansos voam a grandes alturas durante grande parte do trajeto de migração. No entanto, a informação de que eles se deslocam num constante sobe e desce é nova. Para realizar essa observação, os autores instalaram sensores nas aves e coletaram, por anos, diversos dados, como altitude de pressão, aceleração do corpo e frequência cardíaca. “Desenvolvemos dois modelos independentes para estimar as alterações do gasto energético das aves durante o voo”, disse Spivey. “Um baseado em alterações na frequência cardíaca e outro com base nos movimentos verticais do corpo da ave.”
Os especialistas também destacam que a manutenção do ritmo de voo está ligada ao equilíbrio do organismo dos animais. “Parece que os gansos mantêm o controle dos seus ciclos de voo pela quantidade de vezes que batem as asas. Eles se projetam com uma ligação muito elevada de movimento, controlando o fluxo do sangue para o coração”, acrescentou Charles Bishop, também da Universidade Bangor.
Segundo Luis Fábio Silveira, curador das coleções ornitológicas do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP), o trabalho apresenta informações muito importantes para o estudo da fisiologia animal. “Já sabíamos das grandes altitudes em que esses animais voam, mas acreditávamos num voo horizontal. Agora, vemos que esse movimento de subir e descer é realizado, e com um objetivo específico, que é garantir mais força e mais fôlego, por meio da captação de mais oxigênio. Isso ajuda os animais a continuarem sua longa jornada de migração”, afirmou ao Estado de Minas. “Estudos como esse são muito interessantes, pois trazem informações novas que nos ajudam a entender como o organismo pode se adaptar a ambientes mais extremos, com poucos recursos disponíveis”, acrescenta Silveria, que não participou do estudo.
Característica única
Rachel Maria de Lyra Neves, ecologista e professora da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), também considera a descoberta interessante. “Essas aves seguem em altitudes muito grandes. Então, para evitar um gasto de energia desnecessário, elas utilizam essa técnica. A estratégia de montanha-russa resulta em um aproveitamento maior das massas de ar. Além disso, elas voam à noite, quando o ar é mais denso, facilitando a respiração”, completa a especialista.
Os cientistas lembram que a técnica de voo observada nos gansos não se repete em outras aves. “A fisiologia desses animais evoluiu de maneira a extrair o oxigênio do ar em grandes altitudes. Como resultado, eles são capazes de realizar algo que é impossível para a maioria das outras aves”, diz Graham Scott, um dos autores do trabalho.
Silveira, da USP, também destaca que a capacidade de subir e descer grandes altitudes é uma característica única da espécie analisada pelos cientistas. “O sistema respiratório das aves é bastante evoluído, porém essa espécie realiza voos muito altos, que podem ser maiores que os de aviões. Isso exige um esforço enorme”, explica.