Roberta Machado
Brasília – Os primeiros dados colhidos pela sonda Rosetta estão ajudando os cientistas a conhecer melhor o cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko, o primeiro objeto do tipo a ser visitado por uma missão espacial. O corpo celeste de formato incomum dá sinais de que está no estágio avançado de uma vida muito ativa, que pode ter começado há mais de 4,5 bilhões de anos e guardar respostas sobre a história da Via Láctea e do Universo. Um relatório sobre as primeiras descobertas da missão foi publicado em uma edição especial da revista Science, na qual uma série de artigos descreve a estrutura do cometa e levanta teorias sobre o seu passado.
A sonda enviada pela Agência Espacial Europeia (ESA) acompanha o 67P desde agosto, quando encerrou uma caçada pelo espaço que durou mais de uma década. A missão permitiu o registro de imagens e informações sobre um cometa ativo com um detalhamento inédito, impossível de ser obtido a partir da Terra. A espaçonave ainda liberou, em novembro, o robô Philae, que pousou na superfície do corpo e realizou um intenso trabalho de reconhecimento da superfície rochosa antes de se desligar por falta de energia, 60 horas depois.
“O principal objetivo da missão é aprender mais sobre o Sistema Solar ao estudar um cometa de perto. Para isso, Rosetta vai construir um perfil global, estudando a interação dos ventos solares e a composição detalhada da cauda e do núcleo. Além disso, essa é a primeira missão a estudar esses assuntos ao longo do tempo e analisar a evolução dos cometas”, explica Myrtha Haessig, pesquisadora do Instituto de Física da Universidade de Berna, na Suíça.
Elementos de vida
Os equipamentos encontraram uma complexa mistura de elementos orgânicos compatível com a formação dos principais componentes que fazem parte da vida na Terra. Os dados corroboram a teoria de que os cometas tenham trazido esse material para o planeta no passado, quando floresceram em um ambiente propício e deram origem a componentes como aminoácidos e, posteriormente, aos seres vivos.
As fotos em alta resolução revelaram que o 67P é coberto de depressões e rachaduras, que podem ser resultado de muitos anos de atividade. Muito frio, ele viaja pelo espaço a 55 mil quilômetros por hora e é afetado por cada viagem em torno do Sol, o que causa a liberação de parte do seu gelo em forma de vapor. Essa dinâmica forma a famosa cauda do cometa, que é basicamente a prova da constante desintegração do objeto, formado por gás congelado, poeira e rocha porosa.
Acredita-se que a rocha tenha dado muitas voltas no Sistema Solar, perdendo grande parte da sua água gelada. Até então, os equipamentos não conseguiram identificar concentrações de gelo no 67P, que parece ser constituído mais de poeira do que de água. “De fato, ele parece ter menos gelo do que outros cometas”, ressalta Fabrizio Capaccioni, pesquisador do Instituto de Astrofísica e Planetologia Espacial de Roma (INAF) e coautor dos estudos publicados na Science.
“É uma morfologia muito peculiar, o que o torna excepcional, se comparado a outros que vimos antes. Certamente, isso é uma notícia muito boa, já que essas características apontam para um cometa muito primordial, que pode nos dizer muito sobre os primeiros estágios da evolução do Sistema Solar”, acredita o italiano.
As descobertas vão depender de como o cometa se comporta nas suas diferentes “estações”, como são chamadas as mudanças de ambiente causadas pela exposição à luz solar. A temperatura do 67P varia constantemente, o que resulta em uma cauda irregular, que libera gases de composições diferentes a cada momento. Um dos lados, no entanto, permanece constantemente na sombra, sendo invisível para os instrumentos da Rosetta. Os pesquisadores ainda não sabem descrever que tipos de elementos podem estar na parcela obscura do monolito.
Espera-se que o objeto revele mais sobre si em agosto, quando ele deve atingir o ponto mais próximo do Sol em sua longa órbita. O aquecimento do objeto deve causar verdadeiras erupções, expulsando parte do núcleo gelado em forma de vapor. A Rosetta continua acompanhando o cometa durante essa fase, quando será possível estimar a velocidade com que o 67P está se desintegrando e descobrir mais informações sobre como esses corpos evoluem.
Patinho
Talvez a questão que mais chame a atenção sobre o 67P é seu formato irregular dividido por uma grande fenda, que rendeu ao objeto o apelido de Patinho de Borracha, dado pelos pesquisadores. É nesse “pescoço” que a Rosetta registrou a maior atividade, com a liberação de muito vapor e detritos. “A perda de material é significativa, já que a gravidade no pescoço é baixa, e o gás tem um caminho fácil para levar a poeira embora”, explica Holger Sierks, do Instituto Max Planck de Investigação do Sistema Solar.
Os pesquisadores estão divididos entre duas teorias sobre a estranha dinâmica do cometa: uma estima que as duas partes principais do objeto tenham se unido em uma área distante do Sistema Solar, enquanto a outra aponta a possibilidade de que o grande monolito tenha sofrido um intenso processo de erosão, desgastando a região como uma maçã que é comida ao redor do centro.
O impasse só pode ser resolvido com um estudo mais detalhado sobre os lóbulos que formam o cometa binário. Se os dois lados tiverem composições muito diferentes, a hipótese da colisão passa a ser mais provável – os pesquisadores já constataram que o 67P é coberto de pequenos calombos, formados por pedaços de rocha que colidiram com o núcleo quando ele ainda era jovem.
Qualquer que seja o passado do cometa, no entanto, o futuro dele provavelmente reserva uma separação trágica. Acredita-se que a constante atividade na área do pescoço tenha causado rachaduras que podem dar um fim repentino à jornada do patinho de borracha espacial. “O cometa pode se quebrar cedo ou tarde. Não seria o primeiro a se partir”, afirma Sierks.