Na análise, os cientistas usaram uma técnica chamada estéreo fotométrica, na qual comprimentos de onda de luz são aplicadas em diferentes direções na obra com o objetivo de investigar a superfície do papel. Esse processo proporciona uma visão mais clara da topografia da gravura.
Para isso, os pesquisadores fixaram cada peça analisada, e uma lâmpada simples foi posicionada em 20 posições diferentes. Para cada ângulo de iluminação foi feita uma fotografia com uma câmera Single Lens Reflex (SLR), pela qual o fotógrafo vê exatamente a mesma imagem que vai ser exposta ao filme e consegue controlar com exatidão variáveis como foco e brilho.
As imagens captadas foram depois analisadas por um software criado por um dos cientistas da equipe. O recurso captou cada píxel minuciosamente, permitindo observar mais detalhes da composição. “A técnica permite ‘descascar’ a cor da impressão e olhar apenas a estrutura de superfície”, explicou, em um comunicado, Oliver Cossairt, cientista da computação da Universidade de Northwestern. “Para cada imagem, sabemos o ângulo de iluminação e o brilho de cada píxel e, com isso, podemos calcular o que antes era desconhecido: a estrutura de superfície”, acrescentou o autor.
A descoberta impressionou especialistas na área, que destacaram o quanto as técnicas mostradas pelos pesquisadores diferem do estilo do pintor. “As evidências apontam para uma abordagem artística completamente diferente por Gauguin”, disse Harriet Stratis, pesquisadora do Instituto de Arte de Chicago e colaboradora da pesquisa.
“Gauguin morreu há mais de um século, mas ainda há algo a dizer, algo novo para se descobrir (sobre sua obra), em grande parte devido a esse trabalho em equipe. Nós nunca teríamos percebido isso sem os pesquisadores de Northwestern, seus cientistas e sua tecnologia, porque não conseguimos ver esses detalhes com o microscópio”, completou.
COLEÇÕES O estudo sobre Natividade foi realizado em conjunto com o Centro de Arte de Chicago, uma parceria que deve continuar sobre outras obras do artista. “Gauguin fez milhares de gravuras – muitas vezes essa era sua maneira de trabalhar com idéias para suas pinturas coloridas”, declarou Marc Walton, cientista da Universidade de Northwestern e colaborador do projeto. “Estamos desenvolvendo uma compreensão mais profunda da gravura e da transferência de técnicas altamente experimentais de Gauguin, que podemos aplicar para outras obras dele, incluindo os seus quadros.”
O pesquisador acredita que a nova análise computacional poderá ajudar muito as pesquisas sobre artes plásticas. Walton explica que a missão da equipe é prestar apoio científico para o estudo de coleções de arte e desenvolver uma nova tecnologia para olhar para as obras. “Poderemos usar esse conhecimento também para conservar obras, determinar a procedência de objetos e autenticar trabalhos”, destacou. “Em última análise, contudo, retomamos à questão sobre como as pessoas inovam e evoluem? No caso de Gauguin, estamos realmente tentando entender seu processo criativo por meio da aplicação dessas técnicas de imagem”, disse.
Os pesquisadores já trabalham na análise de outras gravuras, que incluem uma série de xilogravuras e imagens de aquarela. No total, espera-se analisar 20 obras do artista. A pesquisa de topografia da superfície de Natividade e outros trabalhos farão parte de uma grande exposição no Instituto de Arte de Chicago em 2017.
SAIBA MAIS
Da França ao Taiti
Nascido em 1848, em Paris, o pintor passou a primeira infância em Lima, no Peru, depois que seus pais fugiram do império de Napoleão III. Retornou a Paris em 1855 e, na juventude, alistou-se na Marinha Mercante e trabalhou como corretor de valores, pintando nas horas vagas. Interessado pela arte oriental, foi morar no Taiti. Voltou mais uma vez à França com esperança de que suas telas fossem valorizadas. Frustado com a falta de reconhecimento, retornou ao Taiti em 1895. Doente, em 1898 ele tentou o suicídio. Em 1901, mudou-se para as Ilhas Marquesas, arquipélago da Polinésia Francesa, onde morreu em 9 de maio de 1903.