Chamadas no semiárido nordestino de “rainhas do sertão”, as abelhas jandaíras (Melipona subnitida) produzem um mel conhecido pelas propriedades medicinais e que serve de complemento para a renda de pequenos criadores. Porém, o extrativismo sem controle dos meleiros, o desmatamento e o uso de agrotóxicos nas lavouras têm colocado em risco o reinado da espécie, ameaçada de extinção.
Buscando uma forma de conservar essas importantes polinizadoras, cientistas da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e da Universidade de Dalhouse, no Canadá, se uniram para mapear a diversidade genética do inseto. O estudo, publicado recentemente no jornal científico Conservation Generitcs Resources, servirá de base para conhecer as populações e áreas que mais necessitam de atenção. A pesquisa, pioneira no zoneamento baseado no sequenciamento do genoma de uma espécie silvestre brasileira, é fundamental para conhecer a relação das jandaíras com outras existentes no Brasil e no mundo e, assim, abrir novos campos de pesquisa.
Existem cinco variedades de abelhas-sem-ferrão, como as jandaíras, na lista de animais em perigo de extinção do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Responsáveis por 30% a 60% da polinização das plantas da caatinga, do Pantanal e de manchas da Mata Atlântica, elas também são o sustento para famílias que complementam a renda com comercialização do mel. “O desaparecimento dessas espécies provocaria a extinção de plantas nativas e, consequentemente, de toda a cadeia alimentar e produtiva dependente delas”, explica Fabio Diniz, pesquisador da Embrapa Meio-Norte (PI), sobre a importância do trabalho.
Sequenciamento
O estudo na preservação de abelhas-sem-ferrão levou sete meses para ser concluído e abrirá precedentes para a construção de estratégias de manejo.
O professor Fernando Rodrigues, do Departamento de Genética da Universidade de Brasília, explica: “O zoneamento (ou mapeamento) da diversidade genética é essencial para a conservação. Se ela diminui dentro de uma espécie, a capacidade de adaptação é reduzida, e isso coloca em risco sua existência”. Por isso, é importante propiciar o encontro de diferentes colmeias. Quanto maior for a diversidade genética dos indivíduos, menor será o risco de haver populações suscetíveis a mudanças ambientais.
Entre os dados destacados na pesquisa, está a identificação dos lugares mais propícios para a sobrevivência dessas abelhas e a necessidade do melhoramento genético sustentável, que é a busca e a inserção de animais mais bem adaptados em um ambiente em desequilíbrio.
Importância social
O mel da abelha jandaíra está marcado na cultura nordestina como um remédio natural e já comprovada sua eficácia na melhora de cicatrizações e no combate de micróbios em ferimentos infecciosos. O baixo custo de implementação das colmeias, o fácil manejo, a ausência de acidentes com ferroadas e o pequeno impacto ambiental são fatores que levaram a prática da meliponicultura (criação racional de abelhas) a se disseminar pelos estados do Nordeste.
Somente na região de Mossoró (RN), estima-se que existam entre 250 e 300 famílias com pequenas criações dessas abelhas. O alto valor comercial do mel, que varia entre R$ 50 e R$ 90 o litro, atrai pessoas que querem incrementar a renda.
Com 31 anos de experiência na área, o meliponicultor Paulo Menezes desenvolve no sertão potiguar, por meio de um convênio entre o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e a Prefeitura de Mossoró (RN), o Projeto Padre Humberto, que capacita mulheres de assentamentos rurais no manejo de abelhas jandaíras. A iniciativa, que leva o nome de um dos precursores da meliponicultura na região, está em funcionamento desde 2008. “Temos como objetivo preservar a abelha, manter o ecossistema por meio da polinização e levar para o campo uma atividade ambientalmente correta, socialmente justa e economicamente viável”, afirma Menezes.
Apesar dos esforços na conservação da espécie, o cenário não é dos mais animadores. “Há três anos convivemos com grande escassez de chuvas, o que tem diminuído o plantel dos meliponicultores, pois, sem a floração na caatinga e com o desmatamento desenfreado rumo à desertificação, há sempre uma ameaça à nossa rainha do sertão”, explica o produtor, que desde 1983 luta pela conservação das abelhas nativas.
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