O assunto mais comentado da ciência nesta semana não tem qualquer relação com uma descoberta bombástica. Na verdade, um vestido de 50 libras (cerca de R$ 220) provocou uma comoção na internet como há muito não ocorria. Tudo porque algumas pessoas enxergaram a cor da roupa como azul e preta, enquanto outras só conseguiam detectar branco e dourado. Não era uma pegadinha. De fato, uma mesma imagem publicada no Tumblr da usuária “swiked” pode ser vista de uma forma ou de outra, muito embora a roupa seja, de fato, azul e preta.
Para entender melhor o fenômeno, é preciso saber que as cores não existem do jeito como se imagina. Elas só se tornam visíveis por causa da luz. Tanto que, no escuro total, mesmo o mais berrante rosa não é perceptível. Já diante de um estímulo luminoso, dentro do olho humano, células chamadas cones e bastonetes fazem o trabalho de capturar as tonalidades. Enquanto as primeiras são especializadas nas cores propriamente ditas, as segundas trabalham mais com a visão noturna, detectando os tons branco, cinza e preto.
Os olhos, contudo, apenas captam as cores. Quem as “enxerga”, na realidade, é o cérebro, que interpreta os sinais colhidos pelas células fotorreceptoras, localizadas na retina. Essa percepção depende de muitas variáveis: o tipo de luz a que se está exposto, o funcionamento das células e a interpretação pessoal. “O cérebro de cada um é de uma forma. Quando se trata de percepção de cor, tudo é muito subjetivo”, afirma o oftalmologista Mário Jampaulo, do Hospital dos Olhos de Brasília (HOB).
Além de interpretar os sinais luminosos, o cérebro tem outra importante tarefa na distinção das cores. A luz externa, para a qual o olho humano foi desenhado, varia ao longo do dia. Está mais tênue no início da manhã, ganha força em seguida, depois volta a esmaecer. Não é difícil imaginar a confusão que seria caso não existisse nenhum mecanismo de ajuste: ao ar livre, cada hora do dia veríamos as coisas com uma cor diferente. Para isso não ocorrer, o cérebro realiza ajustes, tentando manter as colorações o mais próximo possível do real. Trata-se de um fenômeno chamado constância de cor.
Contexto No caso do vestido, o que confundiu muita gente foi a circunstância da foto em zoom, tirada em um ambiente com uma luz saturada, que formava uma espécie de moldura branca, enquanto a roupa aparecia mais sombreada. É importante saber que os convidados da festa onde a dona da peça estava não a enxergaram de forma diferente: o fenômeno só ocorreu no contexto daquela fotografia.
Quando as pessoas viam a imagem postada na internet, seus cérebros tentavam fazer um ajuste cromático. Em entrevista à revista Wired, o neurocientista especialista em cor e visão Bevil Conway explicou: “O que está acontecendo aqui é que seu sistema visual está olhando para essa coisa e você está tentando descontar o viés cromático do eixo da luz do dia. Então, as pessoas descontam no lado azul, que, no caso, acaba sendo visto como branco e dourado, ou descontam no lado dourado, que termina parecendo azul e preto”, diz.
O oftalmologista Mário Jampaulo destaca que, no contexto específico da foto, indivíduos cujos cones são mais estimulados que os bastonetes tenderão a enxergar branco e dourado – as enquetes feitas na internet mostram que 75% das pessoas acharam que essa era a cor do vestido. E, embora as tonalidades reais sejam outras, o médico esclarece que, do ponto de vista das células fotorreceptoras, não há nada de errado com quem não conseguiu enxergar azul e preto na roupa. “Todos estão saudáveis. Essas variações só dependem do estímulo luminoso e da sensibilidade de cada um”, garante o oftalmologista, que enxerga o vestido como sendo branco e dourado.
Aumento nas vendas
Em entrevista à CNN, a diretora de moda da rede de lojas Roman, que vende o vestido, afirmou que a venda da peça aumentou 347%. O sucesso foi tanto que já se planeja lançar a versão branca e dourada. Resta saber se, em seis meses, prazo para que o novo vestido fique pronto, alguém ainda se interesse por ele.
Artigo
Cérebros diferentes
Mário Jampaulo*
O vestido, na verdade, é azul e preto. O azul e dourado são “cores complementares” – tornam-se pretas se combinadas, e brancas, se tiradas do contraste da cor original, como no teste duocromático com verde-vermelho, muito utilizado em oftalmologia. Assim, dependendo do comprimento de onda que chega à sua retina ou da predisposição de seus cones por um tipo de cor específica – se pela cor dourada (laranja) – , tirará o contraste da azul, que, então, se transformará em branco. Se, pela cor azul, haverá uma combinação com o dourado, que ficará mais escuro, se aproximando do preto. É tudo uma questão de física óptica!
As explicações para o fato de que as pessoas enxergam o vestido com cores diferentes podem estar, vejam só, na física. Ao que tudo indica, essa divisão de visões está ligada ao fato de que o cérebro humano pode interpretar a luz que chega pela nossa retina de maneiras diferentes; afinal, a luz externa chega ao olho de cada pessoa em comprimentos de ondas distintos. É por isso que nossas percepções são diferentes, mas, em casos como o do vestido, essa diferença fica extremamente nítida.
Segundo a revista Wired, que entrevistou um neurocientista para explicar melhor a situação, a luz que enxergamos durante o dia muda de cor, e o cérebro é quem compensa essa variação, o que explica por que tem gente que enxerga o vestido azul e preto e por que tem quem o veja branco e dourado – cérebros diferentes, conclusões diferentes.
E se você quer saber qual é a cor original da roupa, saiba que a BBC publicou a avaliação da expert no assunto, Emma Lynch, que analisou a foto com o auxílio de um editor de imagens e concluiu que os tons do vestido são azuis, e não brancos. Ou seja: a peça é, na verdade, azul e preta.
* Oftalmologista do Hospital Ofalmológico de Brasília (HOB)