A falta de chuva não é a única responsável pela crise hídrica no Brasil. A retirada da cobertura vegetal do solo, agravada por atividades como agronegócio e mineração, contribui para reduzir ainda mais a disponibilidade de água nas torneiras. No cerrado, onde estão as nascentes das principais bacias hidrográficas da América do Sul, incluindo a do Rio São Francisco, que quase desapareceu com a seca, a situação é alarmante. A área devastada no segundo maior bioma brasileiro chega a 1,5 milhão de metros quadrados – em torno de 75%. Com isso, a água da chuva deixa de ser absorvida pela vegetação e não chega aos aquíferos. Em consequência à degradação do solo, pesquisadores do Instituto do Trópico Subúmido (ITS), ligado à Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), estimam que, a cada ano, pelo menos 10 pequenos córregos desaparecem na região.O cenário de devastação e falta de água é resultado de ações em séculos passados. O pesquisador Altair Sales Barbosa, diretor do ITS, explica que o processo de degradação do solo vem ocorrendo desde a conquista do Centro-Oeste, com a construção e urbanização de Belo Horizonte, Goiânia e Brasília. A situação se agravou a partir de 1970, quando multinacionais chegaram à região para explorar o agronegócio, destruindo praticamente toda a vegetação nativa.
“A vegetação que cresceu nesse tipo de solo, associado à carência de nutrientes básicos, desenvolveu um sistema extremamente complexo para sobreviver, então também armazena água que precipita na região.
Deixar o solo descoberto, principalmente quando não se manuseia com os devidos cuidados, favorece o processo de erosão, que é intensificado por chuva ou vento. Com o desgaste, os resíduos são levados para as fontes de água e vão sedimentando, o que faz diminuir a capacidade e a vasão dos rios. Outro fenômeno que diminui a absorção de água pelo é a compactação, provocada por pressão contínua, que reduz a sua porosidade.Técnicas agrícolas antigas contribuíram para a degradação do solo em diversos biomas brasileiros. O problema atenuou, segundo Farias, a partir da utilização de novas tecnologias, como o plantio direto, em que as sementes são plantadas diretamente nos resíduos da cultura anterior, impedindo que as áreas fiquem descobertas durante o preparo do solo. Para o presidente da SBCS, ainda falta consciência da população urbana.
HÁ SOLUÇÃO?
A curto prazo, não é possível recuperar o solo já degradado, destaca o presidente da SBCS. Para Gonçalo Signorelli de Farias, “o solo não é um recursos renovável na escala de tempo do ser humano. Ele vem da transformação das rochas, que é um processo muito lento”. Segundo o pesquisador da PUC Goiás Altair Sales Barbosa, mesmo que todo o processo de degradação do solo seja interrompido, o resultado será apenas a sobrevida do ecossistema. Isso porque a nova vegetação será temporária, pois nasce para curar a ferida da terra, e não conseguirá cumprir adequadamente a função ecológica de armazenar água da chuva.Para Barbosa, a solução exige participação da coletividade. Ações individuais, como diminuir o consumo água, apenas mascaram o problema. “Você poderia importar água ou dessalinizar a água do mar, mas imagina o quanto são caros esses processos? É preciso investir em pesquisa e repensar o modelo econômico de agronegócio no Planalto Central, onde estão as grandes bacias hidrográficas.” O pesquisador se diz preocupado com medidas que só agravam a situação, como a utilização de poços artesianos. O sistema se abastece do restante de que chegaria aos reservatórios, diminuindo ainda mais o volume que alimentaria os rios.
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