A pouca chuva e o calor sufocante estão adoecendo até mesmo as plantas. Há 25 anos, um grupo de pesquisadores do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) investiga espécies submetidas a severas condições de estresse ambiental, que sofrem com o excesso de sol e a falta de água, nutrientes e sais minerais. Mais frágeis do que as outras, essas plantas estão mais sujeitas a desenvolver tumores, em processo semelhante ao dos seres humanos e animais. Depois de mapear 500 pontos críticos de vegetação em 30 países, a equipe da UFMG revela a sua última descoberta: ao contrário do que se imaginava, nem mesmo a Floresta Amazônica escapa das enfermidades.
“Por mais de 15 anos, acreditamos que a Amazônia era uma exceção. Nossa tese caiu por terra e tivemos de reformular toda a ideia”, admite o pesquisador da UFMG Geraldo Wilson Fernandes. Maior especialista sobre o assunto, ele conversou por Skype com a reportagem do Estado de Minas, direto da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, onde permanece por um ano cursando o pós-doutorado. No início dos estudos da biologia, ainda na graduação da UFMG, Geraldo Wilson foi o primeiro no país a demonstrar que ambientes estressados por carência de minerais no solo eram mais suscetíveis à formação de tumores. “Quando nosso sistema imunológico está menos resistente, o corpo passa a fabricar coisas como perebas e ziguiziras, não é mesmo? Nas plantas, acontece algo parecido”, compara o professor.
Depois de fazer testes em formações vegetais com alto grau de estresse, como os campos rupestres, a vegetação de Chaparral, na Califórnia (EUA), e a mediterrânea europeia, a equipe da UFMG identificou padrão idêntico na parte mais alta da Floresta Amazônica, conhecida como dossel.
Para as análises, a coleta de espécies ultrapassou a marca de 1 mil amostras do dossel da Floresta Amazônica. O trabalho, realizado em parceria com a UFMG pela pesquisadora Genimar Julião, do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (Inpa), durou quatro anos, dando origem à tese de mestrado da estudante manauara.“Com a ajuda de pessoas acostumadas ao cotidiano da Amazônia, Genimar construiu a tese de mestrado escalando mais de 100 árvores, com mais de 40 metros cada uma, sujeita a se deparar com bichos como cobras. “Foi bastante trabalhoso”, ela confessa.
Tanto empenho parece ter valido a pena. Ao comparar amostras de vegetação estressadas, a equipe de Geraldo Wilson detectou coincidências entre amostras da Amazônia e as de vegetações comprovadamente estressadas. Segundo o professor da UFMG, a explicação para a existência dos tumores em vegetações do topo da floresta é simples: “Trata-se da parte mais estressada da Amazônia. Apesar da grande quantidade de chuvas, a umidade desaparece rapidamente, devido à forte incidência solar. As folhas do dossel da Floresta Amazônica também são muito duras, o que dificulta a vida de inimigos naturais que poderiam eliminar os tumores, que, nesse ambiente hostil, têm mais chances de parasitar as plantas”.
A grande descoberta da última etapa da pesquisa está associada ao fato de que a Floresta Amazônica tem trechos que se comportam como savana, onde a vegetação é submetida à falta de água e ao excesso de radiação solar. “No Cerrado, isso já era evidente. Sabíamos que aquele ambiente era estressante e que, por isso, a incidência de câncer em espécies de Cerrado era alta. A Amazônia foi o último bioma onde analisamos a relação entre estresse e tumores. O mais interessante foi constatar que o ambiente favorável ao câncer das plantas só ocorre em uma parte muito específica da floresta, no seu topo”, afirma.
Também as células de plantas podem escapar aos padrões normais de crescimento, por meio de processos ainda não completamente desvendados.
O câncer das plantas
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