Roberta Machado
O DNA é a molécula que contém o código para a formação e o funcionamento do corpo. Essa estrutura está presente nas células de todos os seres vivos e, se depender dos cientistas, em breve fará parte também de minúsculos dispositivos artificiais. O conceito inspirou a técnica conhecida como origami de DNA, que usa o composto orgânico como matéria-prima para a criação de estruturas em escala nanométrica. A fabricação dessas máquinas moleculares pode ser programada ainda na fase do planejamento e tem aplicação em áreas que variam da medicina à nanoengenharia. Uma pesquisa publicada na revista Science mostra como esse método inovador já permite a criação de pequenas máquinas móveis feitas a partir de peças genéticas.
Assim como qualquer matéria-prima, o DNA pode ser fabricado, modificado e manipulado em laboratório. A vantagem da molécula está na sua característica programável, que ainda é novidade para a tecnologia, mas que já é comum na natureza: a sequência de aminoácidos das proteínas permite que elas se dobrem de diversas formas, assumindo assim funções específicas.
Os pesquisadores esperam aplicar o inteligente design biológico em dispositivos criados pelo homem. “Não posso dizer se o DNA é melhor ou não do que elementos artificiais. Isso depende do propósito. Mas esse é o único material atualmente disponível que nos permite construir nanoestruturas tão precisas e complexas”, afirma Hendrik Dietz, pesquisador da Universidade Técnica de Munique (TUM) e um dos autores do estudo.
A inovação divulgada pelos pesquisadores alemães consiste em um novo componente de encaixe para a criação dessas estruturas. A técnica, baseada em formas complementares, permite a criação simplificada de estruturas mais complexas e tridimensionais, como um modelo de brinquedo desmontável. O método foi testado para a fabricação de um livro que se abre e fecha, de uma engrenagem funcional e de um robô capaz de abrir e fechar os braços. Todos esses dispositivos são menores que a espessura de um fio de cabelo e não podem ser vistos ao olho nu.
As peças são fabricadas em partes separadas e montadas a partir de um estímulo químico ou de uma variação de temperatura. O pequeno robô descrito no novo trabalho, por exemplo, se monta sozinho quando exposto a uma solução de cloreto de magnésio. Um aumento na concentração do componente e o humanoide micrométrico fecha os braços. O processo pode ser ligado e desligado como um interruptor. Uma peça móvel criada pelos pesquisadores foi submetida a mais mil ciclos de aquecimento, respondendo da mesma forma todas as vezes. De acordo com os criadores do método, um dispositivo de DNA poderia ser usado dessa forma por anos sem estragar.
A inovação da técnica alemã está no uso de juntas móveis feitas a partir dos ácidos nucleicos que interagem com o DNA. As peças criam uma interação forte o suficiente para manter as peças unidas somente quando necessário – elas podem ter o poder de atração enfraquecido de acordo com a aplicação. Isso cria um efeito similar ao de uma dobradiça ou de um ímã, que une e separa as partes em uma sequência programada. “A combinação entre o alinhamento preciso por meio da complementaridade das formas e das interações fracas nos permite construir novos e interessantes objetos dinâmicos”, aponta Dietz.
Inovação
A nanoengenharia genética foi fundada no início dos anos 1980, mas apenas na última década a área de pesquisa deu passos mais significativos. Programar uma longa molécula para assumir o formato desejado era uma tarefa que levava anos, mas, graças aos avanços na descoberta de novas técnicas para lidar com o DNA, tornou-se mais rápida.
A receita atualmente seguida pelos cientistas consiste basicamente em encontrar uma fórmula compatível com a cadeia de bases usada como matéria-prima. A longa estrutura linear então se dobra espontaneamente como uma cobra, encontrando suas bases correspondentes e assumindo o formato planejado. Esse método, no entanto, resulta em peças rígidas e pouco dinâmicas: uma vez que a cadeia está contorcida, é muito difícil separar as bases e criar o movimento que dá função ao nanodispositivo.
Estruturas móveis de DNA foram, então, criadas a partir de uma técnica chamada “deslocamento de cadeia”, que permitia a criação de caixas que se abrem e fecham. No entanto, o método exigia a recombinação de pontos-chave na cadeia da molécula. De acordo com especialistas, o recente trabalho alemão torna esse processo muito mais simples. “Não há nenhuma outra maneira tão precisa de programar mudanças dinâmicas em formas e padrões nessa escala”, acredita Paul Rothemund, bioengenheiro computacional do Instituto de Tecnologia da Califórnia e uma das maiores referências mundiais no tema.
Em 2005, Rothemund fez história ao construir uma face sorridente bidimensional a partir de um genoma viral com 7 mil pares de bases. A tarefa levou meses. A nova técnica, no entanto, promete diminuir esse período para apenas algumas horas, com uma precisão de 100%. Na opinião do pesquisador norte-americano, a nova técnica abre possibilidades incalculáveis para a nanoengenharia. “Isso não muda a forma como o origami de DNA é feito, mas muda um pouco as funções que estarão disponíveis para ele”, ressalta Rothemund. “O verdadeiro problema é ter imaginação para o que fazer nessa escala.”
Outros origamis programáveis de DNA foram usados principalmente como ferramentas para a criação de medicamentos inteligentes, que liberam a droga no corpo do paciente somente quando estão no local necessário. Outras possibilidades estão na construção de materiais óticos reconfiguráveis que mudam de cor de acordo com o estímulo e de biossensores que respondem a mudanças no organismo de um paciente.