O estudo realizado por uma equipe da Universidade de Waterlloo sugere que a comodidade de ter várias ferramentas que auxiliam em tarefas do cotidiano pode ser um problema para a saúde das pessoas à medida que elas deixam de buscar na própria memória as informações de que precisam. “Nós pedimos às pessoas para indicar quanto tempo elas gastam usando o smartphone para procurar informações. Também perguntamos sobre quanto tempo é gasto usando os telefones para fins de entretenimento e mídia social”, conta Gordon Pennycook, um dos autores da pesquisa.
Pennycook diz que, depois dessa etapa, também foram examinadas diferentes habilidades cognitivas dos participantes, como a capacidade intuitiva e analítica e as habilidades verbais e matemáticas. Para isso, os 660 voluntários realizaram uma série de exercícios lúdicos, como resolução de problemas lógicos, por exemplo. Após os testes, os pesquisadores notaram que os participantes que tinham habilidades cognitivas mais “afiadas” e uma maior disponibilidade para pensar de forma analítica gastavam menos tempo usando a função de busca dos smartphones.
“As pessoas que confiam em seus ‘instintos’ ou na intuição para resolver problemas, em vez de usar o raciocínio lógico ou analítico, uma atividade que exige mais esforço, podem ser consideradas cognitivamente preguiçosas. Descobrimos que os indivíduos que mais dependem de seus smartphones como uma fonte de informação são pensadores ‘mais preguiçosos’, isto é, eles tendem a confiar em seus instintos na resolução de problemas e estão menos dispostos a pensar logicamente para chegar a uma solução”, explica Pennycook.
Sem precipitação
Os responsáveis pela pesquisa, no entanto, ressaltam que não se deve condenar os celulares apenas com base nesses resultados. Isso seria precipitado. O estudo fornece boas pistas, mas os dados ainda não são suficientes para comprovar déficits cognitivos ligados ao uso dos smartphones. O ideal é que mais pesquisas sejam feitas, o que é importante, dado o grande uso desses aparelhos atualmente. “Nós, infelizmente, não sabemos se há um custo negativo de usar smartphones. Encontramos uma associação entre a utilização exagerada do smartphone e a inteligência, mas isso não significa que os celulares causem danos ao cérebro. O que isso mostra é que precisamos de muito mais pesquisas nessa área, que ainda é pouco estudada”, destaca o cientista.
Sonia Brucki, membro da Associação Brasileira de Neurologia (ABN), também acredita que são necessárias mais investigações para relacionar problemas cerebrais ao uso exagerado de smartphones. “Acho que não sabemos o suficiente para responder a essa pergunta. As pessoas podem utilizar seus aparatos eletrônicos de forma diferente, dependendo da fase da vida e da demanda profissional ou de estudos. Portanto, não dá para generalizar. Alguém pode ficar a maior parte do tempo jogando ou vendo mídias sociais, enquanto outros podem ficar navegando por sites de história antiga. Os efeitos sobre seus processos cognitivos serão provavelmente diferentes”, destaca a médica.
Uso moderado
Apesar da necessidade de mais trabalhos, Brucki destaca a importância do trabalho.
Para Anna Lucia Spear King, psicóloga clínica e pesquisadora do Grupo Delete – Detox Digital e Uso Consciente de Tecnologias, do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a pesquisa dos cientistas canadenses, apesar de não garantir que danos podem ser causados ao cérebro, ressalta que o uso moderado do celular é recomendado para evitar problemas de saúde que podem ser desencadeados pelo exagero. “Para afirmar que traz malefícios ao cérebro, precisamos de exames mais concisos, mas já conseguimos observar que, se uma pessoa tem uma característica de comportamento como a ansiedade e a hiperatividade, isso pode ser acentuado com o uso excessivo do celular. Pode acarretar problemas graves de saúde. Devido a esse risco, o uso moderado é essencial”, avalia.
A especialista ressalta que a tomada de decisões é um dos pontos que podem ser prejudicados pelo uso excessivo do celular. “A decisão necessária no dia a dia, diante de situações importantes, pode ser interferida pelo uso dessas tecnologias em excesso. Assim, o profissional precisa ter bom senso para que isso não atrapalhe seu desempenho. Até por isso, falamos muito da necessidade da etiqueta digital, que trata de como e quando usar a tecnologia no cotidiano”, lembra.
A pesquisa do grupo canadense terá continuidade, buscando explorar outros reflexos da tecnologia no desenvolvimento cognitivo.