Seja por registros etnográficos, seja por dados arqueológicos, os cientistas sabem que a prática da decapitação estava presente em quase toda a América do Sul, mas, mais comumente, em contextos violentos, bem diferentes do observado no novo estudo. Os índios tupinambás do Brasil, por exemplo, eram canibais que se alimentavam de estranhos e inimigos. Partes do corpo, inclusive a cabeça, serviam como troféus. Na Amazônia, a tribo dos araras utilizava o crânio do inimigo derrotado como instrumento musical e o pendurava em postes, como demonstração de força.
Palavra de especialista
André Strauss, pesquisador do Instituto Max Planck e principal autor do estudo
sobre as práticas mortuárias do chamado Povo de Luzia, que habitou a Grande BH
Populações diversas
“Coloquialmente, nos referimos a esses grupos como o Povo de Luzia, mas devem ter sidos muitos os povos que, ao longo do tempo, ocuparam a região de Lagoa Santa. Sabemos que viviam da caça de animais de pequeno e médio porte e da coleta dos recursos vegetais disponíveis na região. Sua tecnologia lítica (de instrumentos feitos de pedra) era baseada em delicadas lascas de quartzo que tinham cerca de 3cm de comprimento. Acreditamos que foi com essas lascas que eles fizeram a remoção ritual da cabeça e mãos que descrevemos nesse estudo. Esses grupos desenvolveram uma forma de expressão artística baseada na técnica de picoteamento das rochas. Por meio dela, delinearam figuras antropomórficas que, caracteristicamente, apresentam braços e pernas terminando em três dígitos e uma cabeça em formato de ferradura. O exemplo mais conhecido dessa 'escola artística' do Holoceno inicial é o 'Taradinho' (grafismo que representa um homem nu), descoberto no mesmo sítio no qual descrevemos o caso de decapitação mais antigo da América. Finalmente, sabemos que esses grupos tinham rituais funerários extremamente elaborados com um foco na temática da redução do corpo do falecido.”