A busca por medicamentos mais efetivos e com menos efeitos colaterais para tratar transtornos da depressão e da ansiedade deu à pesquisadora mineira Alline Campos o Prêmio L'Oréal-Unesco-ABC para Mulheres na Ciência 2015. Mestre em psicofarmacologia e Ph.D. em neuropsicofarmacologia, ela foi uma das sete vencedoras da 10ª edição do programa brasileiro voltado às mulheres cientistas, realizado em parceria com a Unesco no Brasil e com a Academia Brasileira de Ciências (ABC). À frente de uma pesquisa do Departamento de Farmacologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP/USP), Alline busca em suas investigações uma fórmula para tratar pacientes que sofrem de ansiedade e depressão.
“Este reconhecimento profissional é fundamental para cientistas que estão, como eu, iniciando suas carreiras. Receber um prêmio dessa importância confirma que estamos no caminho certo”, ressalta Alline, que é natural de São João del-Rei e formada em farmácia pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), mestre e doutora em farmacologia pela FMRP/USP. “Nossa pesquisa está só começando e os resultados são muito preliminares, mas sugerem que, sozinhos, os compostos que testamos parecem fazer efeito em um tempo menor do que os antidepressivos. Entretanto, como trabalhamos com modelos experimentais, é difícil falar sobre o tempo de duração da pesquisa ou sobre quando ela estará próxima de chegar à população.”
O canabidiol é um dos elementos presentes na folha da maconha, a Cannabis sativa – o THC (que tem efeito psicoativo) e o CBD (que não tem efeito psicoativo) – e tem se mostrado eficaz para aliviar sintomas de várias doenças como algumas neurológicas (esclerose múltipla, dores neuropáticas, epilepsias, mal de Parkinson e Alzheimer, Huntigton, Tourette), doenças autoimunes (artrite reumatoide, doença de Chron, lúpus, diabetes tipo 2), doenças infecciosas (Aids, hepatites), glaucoma, distúrbios psiquiátricos (insônia, ansiedade e dependência química e física de drogas, como o crack).
“Um dos objetos de nossa pesquisa´e tentar determinar os efeitos dessa combinação de fármacos (antidepressivos + endocanabinoide ou antidepressivo+ canabidiol) em alguns eventos plásticos do sistema nervoso central, como a formação de novos neurônios e novas conexões entre esses neurônios, eventos que estariam alterados em pacientes com transtornos de ansiedade e depressão. Se nossa hipótese estiver correta, no futuro poderemos associar os canabinoides com menores quantidades de antidepressivos, o que melhoraria não somente os efeitos adversos, mas também o tempo para que os pacientes fiquem livres de seus sintomas e possam voltar o mais rápido possível para suas atividades cotidianas, como a interação com a família e o trabalho”, diz a pesquisadora.
Entretanto, a maioria das novas opções apresenta efeitos adversos, que podem até ser mais leves, e demora para o efeito terapêutico. “Talvez os antidepressivos sejam a classe de medicamentos mais lucrativa para a indústria farmacêutica e, por esse motivo, não é muito fácil aprovar coisas novas, principalmente se não houver possibilidade de patentes, como ocorre com os compostos naturais como o canabidiol.”
O grupo de pesquisa em Ribeirão Preto, do qual Alline faz parte, há anos está envolvido no estudo dos efeitos medicinais do canabidiol no cérebro. A farmacêutica focou seu mestrado, doutorado e pós-doutorado no entendimento da maneira como o canabidiol age no cérebro para proteger os neurônios e diminuir a ansiedade e o estresse.
“Com a recente aprovação pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária do uso do CBD não só em casos de epilepsia em que outros medicamentos não funcionam, mas também em pacientes com dores crônicas, por exemplo. Confiamos que outros usos terapêuticos do CBD também sejam possíveis.”
Sintomas em alta nas capitais
Pesquisa recente conduzida por pesquisadores da Escola Paulista de Medicina e da Faculdade de Ciências Médicas do Rio de Janeiro em capitais brasileiras demonstrou que cerca de 35% a 40% da população têm traço de ansiedade e 25% a 30% de depressão, sendo a maioria mulheres. Ou seja, são transtornos com relevância para a saúde pública brasileira. Por isso, estudos como esse, desenvolvido por cientistas na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, são tão importantes, pois apontam para novas possibilidades de tratamento de males que fazem parte do cotidiano da população.
A farmacêutica esclarece que a depressão pode acometer o indivíduo em qualquer idade, embora seja mais prevalente em adultos jovens. “O estresse excessivo e experiências traumáticas podem ajudar na precipitação dos sintomas. O processo de cura é longo e requer disciplina no tratamento e entendimento dos familiares e amigos. Muitas vezes, os sintomas dessas doenças são tidos como frescura, falta de vontade e fé. É necessário que estejamos atentos, pois são doenças graves e incapacitantes. O tratamento não é somente à base de remédios. A associação com a psicoterapia é bastante efetiva. Além disso, a reinserção desses pacientes em atividades prazerosas e o convívio social também podem ser muito benéficos.”
Alline diz que ganhar o prêmio foi para ela uma grande surpresa. “Realmente, não esperava. Quando recebi o comunicado, achei que era um trote. Quem vive a ciência brasileira sabe das dificuldades que enfrentamos todos os dias. A responsabilidade de lidar com sonhos e planejamentos, pessoais e dos alunos, em um contexto no qual quase tudo fica para o futuro, no qual somos vistos como meros números e assistimos à mercantilização da ciência para atender às expectativas das metas impostas. Mesmo assim, estou disposta a viver do que a ciência nos oferece: o conhecimento”, diz.
Segundo ela, o prêmio deu visibilidade ao grupo de estudos e aproximou a equipe da sociedade. “É como se não estivéssemos mais sozinhos. A sensação de que podemos modificar a vida das pessoas está mais próxima do que nunca. Acho que é isso: estar no caminho certo”, comenta.
Quanto aos planos futuros, Alline diz que ideias estão sempre rondando sua cabeça. “Nosso grupo tem o objetivo de encontrar compostos capazes de aumentar a produção de novos neurônios no cérebro de adultos. Nossas pesquisas teriam impacto não somente no âmbito dos transtornos de ansiedade, mas também em doenças neurodegenerativas, como a doença de Alzheimer e a esclerose múltipla.”