Em 2014, o diretor de cinema Spike Jonze levou para os cinemas o filme Ela, que trata sobre a relação entre o escritor Theodore (Joaquin Phoenix) e sua assistente virtual Samantha (voz de Scarlett Johansson) – um software dotado de inteligência artificial (IA). O filme, passado em Los Angeles num futuro distópico, constrói um interessante questionamento sobre os relacionamentos amorosos e da solidão na era digital.
Passados cinco anos da estreia do filme, o mundo constata a presença cada vez mais atuante dos assistentes virtuais nas vidas das pessoas – Siri, da Apple, Alexa, da Amazon, Cortana, da Microsoft, Bixby, da Samsung, e o Google Assistente. Sim, eles já estão no meio de nós. Muito mais que um simples sistema operacional que executa tarefas por comando de voz, como tocar uma música em seu smartphone ou no speaker docks (alto-falantes), fazer uma ligação, enviar uma mensagem de texto e ainda postar um comentário na sua rede social preferida, esses softwares avançados poderão, em breve, sugerir compras, dar conselhos de finanças e até amorosos.
Isso será possível graças à capacidade dos sistemas baseados em inteligência artificial de acompanhar o comportamento das pessoas, conhecer os seus hábitos e aprender a atender às suas necessidades. Com uma crescente habilidade de reunir, analisar e trabalhar com as informações geradas pelas interações na internet, no histórico de suas conversas, nos rastros e registros deixados por elas na web.
FUTURO SEM SMARTPHONES
No início do ano, as assistentes virtuais foram as grandes estrelas do Consumer Electronics Show 2019 (CES), evento que reuniu os gigantes do setor em Las Vegas, nos Estados Unidos. Um dos brasileiros presentes, o executivo Marcelo Trevisani, diretor da empresa de tecnologia CI&T, afirma que, em um futuro não muito distante, conversaremos muito com nossas máquinas e a voz vai nos salvar dos celulares. “Estamos diante de uma nova revolução tecnológica”, afirma o executivo. “As possibilidades apresentadas pela inteligência artificial estão transformando alto-falantes em assistentes virtuais, capazes de mudar o modo como nos relacionamos com o mundo à nossa volta.”
Através de uma experiência totalmente personalizada, uma assistente digital pode fazer desde uma simples busca no Google até marcar seu próximo compromisso. Você pergunta, ela responde, sem nenhuma tela como interface. Trata-se do screenless (sem tela), em que o usuário vive uma tecnologia fluida, presente em todos os espaços e momentos. Em vez de desbloquear uma tela, abrir um aplicativo, digitar, selecionar opções, as próprias plataformas de IA podem fazê-lo por você a partir de uma orientação ou, em um futuro muito próximo, de forma proativa, sem necessidade de comando prévio.
É o primeiro sinal de que carros, casas, equipamentos eletrônicos e até eletrodomésticos podem ser comandados por meio de uma nova interface, a voz, ou melhor, das assistentes virtuais que usam dela. Nesse universo, as assistentes serão evoluídas a ponto de servir não apenas para facilitar a sua vida, mas para dar conselhos sobre compras, ajudar em muitas de suas decisões de rotina, recomendar soluções para problemas, organizar a sua agenda e permitir que você conheça novos produtos e serviços assim que forem lançados.
A inteligência artificial transforma as assistentes em canais entre usuários e ferramentas, simples ou complexas, de compras, gerenciamento de tempo, relacionamento, entre outras. “Não há como escapar. A mudança provocada pela era das assistentes será muito grande. Entraremos em um mundo machine-to-machine”, acrescenta Trevisani.
A popularização desses gadgets é a prova de que caminhamos para um mundo em que a interação não se dará mais pela tela de desktops, notebooks, celulares e smart TVs, e as gigantes mundiais estão de olho nisso.
Empresas como Google, Amazon, Apple, Microsoft e Alibaba têm apresentado plataformas de inteligência artificial com assistentes digitais cada vez mais potentes. Um exemplo é a Apple, que lançou, em 2018, o HomePod, uma caixa de som inteligente controlada pela Siri. Também em 2018, fomos apresentados ao Watson Assistant, da plataforma Watson da IBM. A pioneira Amazon, que, em 2014, trouxe a Alexa, vem produzindo dispositivos que podem ser conectados a ela, como o Echo e o Echo Bot.
PIONEIRA
Dotadas de inteligência artificial, elas estão aprendendo com seus hábitos a melhorar a interação e propor novas funcionalidades. A assistente mais famosa no mundo, a Siri, da Apple, é reconhecida por usar bom humor e até mesmo um pouco de acidez em suas respostas. Quem não se lembra do famoso beat box sobre o carnaval? É possível ter diferentes interações ao perguntá-la sobre amor, amizade ou fazer pedidos estranhos.
A Siri foi lançada no iPhone 4S em 2011 e evoluiu ao longo do tempo. A versão em português “E aí, Siri”, entrou em vigor quatro anos depois, em 2015. Desde então, os usuários de produtos da maçã conseguiram acionar por comando de voz a assistente virtual para que ela realizasse tarefas como buscar informações na internet, ler e escrever e-mails, abrir aplicativos, tocar músicas, chamar um Uber e escrever mensagens.
Sexismo
Um relatório divulgado em maio deste ano pela Organização das Nações Unidas (ONU) tachou de sexista a prática de criar uma assistente virtual que, por padrão, adote voz e trejeitos de interação femininos. Atualmente, a prática é seguida por gigantes do setor de tecnologia como Apple (Siri), Microsoft (Cortana), Amazon (Alexa) e Google (Google Assistante). Intitulado I’d blush if I could (Eu ficaria vermelha de vergonha, se pudesse, numa tradução livre), o estudo argumenta, primeiramente, que assistente – que age pelo papel de apoio e suporte – tenha de ser uma mulher. O título do estudo, inclusive, remete a uma frase utilizada pela Siri como resposta a perguntas machistas. “Por causa da voz da maioria das assistentes ser feminina, isso envia um sinal de que mulheres são ajudantes submissas, dóceis e sempre dispostas a agradar, disponíveis com o toque de um botão ou com um comando mais ríspido de voz, como ‘Ei’ ou ‘Ok’”, diz o estudo.