Era quarta-feira, 28 de abril de 2010, quando Georgia Massa disse a frase que logo se tornaria meme e lideraria os assuntos mais comentados no Twitter na época. A data mudou completamente a vida da então adolescente ao longo daquele ano. Mais de uma década depois, ela ainda é lembrada por aquele dia.
Georgia, então com 16 anos, estava na fila de uma livraria na Avenida Paulista, em São Paulo (SP), onde aconteceria, às 19h, uma sessão de autógrafos, junto com um pequeno show, da banda Restart, que era sucesso entre muitos jovens da época.
O público no local foi maior que o esperado e a livraria cancelou o evento no começo daquela noite, pouco antes do início, sob a alegação de que se tratava de uma medida de segurança.
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Os adolescentes que esperavam pela banda, alguns desde a madrugada, se revoltaram com o cancelamento. Os jovens deram início a um tumulto, que precisou ser contido com o apoio de seguranças e da Polícia Militar.
Uma equipe da Folha de São Paulo estava no local, filmou a situação e ouviu diversos jovens, que reclamaram do evento cancelado. Ao ser entrevistada, Georgia teceu críticas à organização da sessão de autógrafos. "Acho uma put* falta de sacanagem com o pessoal aqui, que está passando mal. Estou sem comer, estou passando mal", disse, aos prantos.
O vídeo do tumulto dos adolescentes teve grande repercussão na internet. O relato de Georgia chamou a atenção. Logo, a expressão "put* falta de sacanagem" viralizou e passou a ser adotada por usuários das redes sociais em diversas situações. Até hoje, a frase costuma ser utilizada nas redes sociais para expressar indignação.
"Eu achava que o vídeo teria repercussão naquele momento e as pessoas esqueceriam em dias ou semanas. Mas teve uma repercussão muito maior do que eu imaginava", diz Georgia, atualmente com 26 anos, à BBC News Brasil. Ela recebe mensagens sobre o vídeo até hoje.
'Put* falta de sacanagem'
No dia da sessão de autógrafos, Georgia e uma amiga foram à avenida Paulista em busca de um livro para uma atividade escolar.
"A minha amiga decidiu comprar um CD da banda Restart e quis ir à sessão de autógrafos que aconteceria naquele dia. Eu fui junto, somente para acompanhá-la", diz. Georgia relata que ouvia algumas músicas da banda paulista, mas não se considerava fã do grupo.
As amigas foram para a fila do evento, que começaria em algumas horas. Na época, a banda Restart, que se definia como um grupo de "happy rock", começava a despontar para o sucesso.
Na fila, adolescentes seguravam cartazes com frases para a banda, outros carregavam fotos dos músicos e muitos usavam roupas e acessórios coloridos, que eram características dos integrantes do grupo.
Georgia conta que esperou, junto com amiga, por horas na fila. "Havia muita gente. Ninguém sabia que passaríamos horas ali. Estava calor e eu não tinha comido nada. Passei muito mal", diz.
A organização do evento planejou distribuir 250 pulseiras para que os jovens pudessem conhecer a banda. No entanto, estima-se que o número total de adolescentes no local chegou a 10 vezes mais que o esperado.
Muitos jovens, assim como Georgia e a amiga, permaneceram no local mesmo sem pulseira, na esperança de conseguir entrar na sessão de autógrafos.
Diante do número inesperado de pessoas no local, a banda foi orientada a não ir à livraria. "Pediram que a gente voltasse, porque a equipe de segurança não tinha mais o controle da situação por lá. Eram mais de 2 mil pessoas esperando por nós e houve tumulto na distribuição das pulseirinhas. Nós, da banda, atenderíamos todos no maior prazer, mas infelizmente não pudemos, por orientação da própria loja", diz o cantor Pe Lanza, que era um dos membros da banda, que chegou ao fim no início de 2015.
Quando o público foi informado que o evento havia sido cancelado, os adolescentes ficaram revoltados. Em meio à confusão, alguns jovens foram entrevistados por uma equipe da Folha de São Paulo. "Restart não presta mais, porque cheguei oito horas da manhã e não vieram falar com a gente. Não vou perdoar. Vou xingar no Twitter hoje, muito. Sério", desabafou um estudante — a declaração dele também teve grande repercussão nas redes.
Georgia conta que estava sentada em uma calçada próxima à livraria, quando a repórter se aproximou e perguntou se a jovem queria falar sobre a situação. "Eu aceitei. Na loucura e chorando, falei besteira", diz.
Ela comenta que queria dizer que achava uma "put* sacanagem" aquela situação, para expressar sua revolta com a organização do evento. Porém, a adolescente se confundiu e soltou a frase que logo figuraria entre os assuntos mais comentados nas redes sociais e passaria a fazer parte de sua vida.
Depois de virar meme
Pouco após ser publicado pela Folha de São Paulo, o vídeo passou a repercutir nas redes sociais. Enquanto muitos riam do desespero dos jovens com o cancelamento da sessão de autógrafos, outros se solidarizavam com a situação.
Georgia percebeu a grande repercussão da entrevista dias depois, quando acessou o YouTube e viu a sua imagem chorando entre os destaques da plataforma de vídeos. "Quando a minha mãe viu aquilo, ficou muito brava. Eu não havia contado sobre o vídeo, mas quando ela descobriu, me deu uma bronca", relembra.
A jovem conta que se surpreendeu ao ver que a frase "put* falta de sacanagem" havia se tornado um meme — como são chamados os conteúdos replicados amplamente nas redes. Georgia confessa que, a princípio, se envergonhou. Porém, logo decidiu aproveitar a fama.
Ela começou a receber mensagens nas redes sociais, pedidos de entrevistas e foi parada várias vezes nas ruas de São Paulo. "Passei a ser reconhecida em todos os lugares", relata.
Georgia foi chamada pela banda Restart para subir no palco de um show, participou de programas de televisão e até esteve em eventos com outras celebridades brasileiras da época. "Em uma premiação da MTV, cheguei a ver o Neymar (jogador de futebol)", diz a jovem.
Para ela, a frase dita durante a entrevista foi fundamental para alavancar a carreira da banda Restart. "O empresário deles na época me disse que eu fiz o sucesso do grupo com a minha frase. Isso foi real, porque era uma banda pequena, que logo ficou famosa por conta de uma coisa que eu falei", declara.
O cantor Pe Lanza afirma que a banda estava começando a despertar o interesse do público e da mídia pouco antes da sessão de autógrafo cancelada. Apesar disso, ele considera que o episódio do fim de abril de 2010 ajudou no sucesso da banda em todo o país. "Os acontecimentos daquele dia geraram a curiosidade do público em saber quem eram aqueles garotos que causavam tanta histeria no público juvenil", declara à BBC News Brasil.
"Óbvio que o cunho humorístico que deram aos depoimentos dos fãs ajudou bastante (na repercussão). Isso não tem como negar", declara o músico.
Na época, diversos programas de comédia e sites de humor veicularam o vídeo. No YouTube, há dezenas de vídeos sobre o episódio — juntos, os dois mais vistos ultrapassam 1,1 milhão de visualizações. A gravação também foi publicada em uma plataforma da Folha de São Paulo.
Críticas e xingamentos
Junto com a fama instantânea, vieram também as inúmeras críticas. Georgia passou a lidar com diversos xingamentos nas redes sociais e até presencialmente. "Quando eu fui ao palco do show (da banda Restart), muitos fãs ficaram com raiva por me ver tão perto do grupo", diz.
"Eu tentava não ficar abalada com as ofensas, que se tornaram frequentes", comenta.
Alguns ataques, segundo Georgia, chegaram a ser mais agressivos. "Eu participei de um programa da MTV junto com o grupo. Na saída, vários fãs da banda começaram a me xingar e até jogaram milho no vidro do carro", diz.
Um dos momentos mais tensos após o vídeo viralizar ocorreu quando diversos adolescentes apareceram em frente à portaria do prédio em que ela morava. Conforme Georgia, a situação ocorreu após compartilharem o endereço dela no Twitter.
"Eram uns 30 adolescentes com calças coloridas (como as que os integrantes da banda costumavam usar) em frente ao meu prédio. Parecia que queriam me bater ou brigar comigo. A minha mãe olhou aquilo, não deixou que eu descesse e pediu que os seguranças retirassem aqueles jovens dali", relembra.
Hoje, Georgia tenta entender o modo como foi tratada por muitos seguidores da banda. "Eles sabiam que eu não era fã. Isso os incomodou, porque consegui ter muita proximidade com os ídolos deles, enquanto muitos fãs de verdade nunca haviam conseguido se aproximar do grupo", comenta.
Na escola, Georgia enfrentava dificuldades após se tornar conhecida nas redes. "Eu sofri bullying, por causa do vídeo. As pessoas riam de mim e me taxavam como burra. Ainda assim, eu dizia que queria ser famosa", conta.
Diante das consequências da fama da filha, a mãe de Georgia passou a temer que a garota sofresse ainda mais com a exposição. "Ela pensava que se eu ficasse ainda mais famosa, a minha vida se tornaria um inferno", conta a jovem. A partir de então, Georgia parou de participar de eventos e programas de televisão.
Com isso, a jovem também deixou de faturar com a fama. Ela não detalha cachês que chegou a ganhar em algumas ações remuneradas na época, após viralizar, mas considera que não foram valores altos. "Se eu pudesse ter aproveitado melhor aquela fama e tivesse feito mais trabalhos na época, poderia ter conseguido um dinheiro legal. Mas não aproveitei esse período como poderia", diz.
Ela conta que deveria focar nos estudos, mas ficou desmotivada com a escola desde que se tornou meme. "A fama subiu à minha cabeça e eu parei de me dedicar aos estudos, porque dizia que seria famosa e viveria disso", diz. Naquele ano, Georgia foi reprovada.
Anos depois, após concluir o ensino médio, começou a trabalhar em um banco. Georgia também iniciou o curso de Administração. "Agora falta apenas entregar o trabalho de conclusão de curso", afirma.
Uma década depois
Mesmo longe da fama, Georgia ainda é lembrada pela entrevista que deu há 10 anos. O vídeo que viralizou fez parte até mesmo do início de namoro dela, um ano e meio atrás. A jovem, que havia se mudado para Campinas (SP), trabalhava em um banco e costumava atender o dono de uma loja de automóveis, o empresário Rodrigo Corazzari.
"Um dia, esse cliente disse que precisava me fazer uma pergunta. Então, ele me questionou: 'você é aquela menina do vídeo?'", relata, aos risos. O assunto serviu de abertura para que os dois passassem a conversar sobre diversos temas e se aproximassem. Há um ano e meio, eles se tornaram namorados.
Há seis meses, Georgia deixou o emprego no banco para ajudar na loja de automóveis seminovos do namorado, em Valinhos (SP), na Região Metropolitana de Campinas.
Recentemente, ela teve a primeira oportunidade de voltar a ganhar dinheiro com o meme: foi convidada para participar de uma propaganda de uma marca de chiclete, que contará com a presença de figuras que viralizaram na internet. "O comercial deve ser lançado em breve e vai ser veiculado apenas na internet", diz.
Há cerca de um mês, Georgia decidiu tornar público o seu perfil no Instagram, que até então era fechado e destinado somente aos amigos. Desde então, ela tem recebido diversos comentários sobre o seu passado em suas fotos. "Moça, só uma pergunta: você é aquela que ficou sem comer, sem beber e achou tudo uma put* falta de sacanagem?", perguntou um usuário do Instagram, três semanas atrás. "A própria", confirmou Georgia, com emojis de risada.
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