Não há nada como a sensação de jogar para fora algo que está te sufocando. Mas às vezes não é possível compartilhar um segredo.
Medo, vergonha e estigma podem impedir as pessoas de revelar questões profundas e íntimas. Ou, às vezes, é uma questão de privacidade.
Guardar segredos pode realmente causar danos, "levando à fadiga, isolamento social e uma sensação reduzida de bem-estar", de acordo com pesquisadores da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos.
Então, de que outra forma podemos revelar questões íntimas sem ferir a nós mesmos ou aos outros? Com as redes sociais, surgiram "páginas de confissões" anônimas.
'Um espaço seguro'
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Agora, em um mundo que busca sempre a perfeição em contas de Instagram, há um raro canto da internet onde as pessoas se mostram mais honestas, sem revelar suas identidades: as páginas de confissão que permitem aos usuários compartilhar segredos.
A princípio, fóruns e salas de bate-papo formavam o local certo para esse conteúdo e, posteriormente, foram desenvolvidos aplicativos dedicados ao assunto.
Mas agora são as contas moderadas de rede social que estão ocupando esse espaço.
Os segredos compartilhados variam de histórias engraçadas a devastadoras - e esse compartilhamento tem uma história enraizada nas comunidades escolares e universitárias.
"Se as pessoas puderem se conectar a grupos de apoio na internet, pode ser uma ótima oportunidade para compartilhar segredos anonimamente, sentir-se validado e aprender com outras pessoas que passam por experiências parecidas", diz Zehra Kamal Alam, psicóloga oriunda de Islamabad, no Paquistão.
"Isso pode ser extremamente útil, especialmente quando se trata de se abrir sobre questões tabus de sexualidade, violência e abuso sexual".
Ela diz que, no espaço de aconselhamento e terapia, falar sobre problemas é um processo de cura, então não é surpresa que as pessoas estejam recorrendo à internet para compartilhar seus segredos.
"Nos velhos tempos da internet, você podia entrar em um fórum e gastar seu cérebro praticamente sem consequências", diz Rob Manuel, de Londres, o homem por trás de uma página de confissões chamada Fesshole, bastante popular no Twitter.
"A página não é lida por sua família ou por seu chefe, é apenas um espaço seguro para descarregar sua mente. Sem ela, com o passar dos tempos, você poderia dizer a coisa errada e seu mundo poderia explodir".
"A mídia social é como um processador de frutas onde, se você continuar girando, poderá ganhar milhares de curtidas inúteis e, se parar, pode perder seu emprego."
O Fesshole começou há dois anos e meio e possui mais de 325 mil seguidores. Centenas de confissões anônimas são enviadas a Rob todos os dias, e ele seleciona apenas 16 para compartilhar com o público.
"Estou funcionando como uma espécie de editor", explica. "Eu não vou compartilhar coisas que são obviamente falsas, ou que não são consensuais. Há algumas coisas que são apenas sombrias e eu não gostaria de incentivá-las", explica.
As confissões de Fesshole incluem a histórias banais de um professor que xinga os alunos por trás de sua máscara e uma pessoa que inventa palavras para completar palavras cruzadas.
Outra pessoa escreveu: "Meu padrasto faleceu no ano passado e minha mãe estava com o coração partido. Precisei vasculhar as coisas dele e encontrar suas senhas. Acontece que ele estava tendo casos em vários sites de namoro. Eu nunca disse a ela, isso partiria seu coração ainda mais."
Rob quer que a página seja principalmente cômica, mas inclui histórias mais complexas para dar aos relatos um "alcance emocional".
Combatendo a vergonha e o estigma
Outras páginas, como The Secret Keepers, que opera no Instagram, se voltaram para "confissões pessoais mais intensas".
"Vivemos em um mundo desprovido de nuances e pode ser difícil falar sobre questões pessoais intensas com amigos e familiares", diz Olivia Petter, uma das pessoas por trás de The Secret Keepers, com sede no Reino Unido.
"Se você se sente sensível sobre algo, talvez não queira se expor. Parece mais seguro e menos aberto a julgamentos quando você é anônimo, na internet. É por isso que as pessoas têm terapeutas: você diz a eles coisas que nunca diria a seus amigos", diz Petter.
The Secret Keepers fornece um fórum aberto para apoio e discussão sobre as confissões compartilhados na página, que incluem uma mulher que se arrepende da maternidade e outra que ama seu parceiro, mas acha sua vida sexual terrível.
Os seguidores da conta, que incluem muitos terapeutas e psicólogos, escrevem incentivos e dão conselhos às pessoas que fazem as confissões.
"Compartilhar segredos pode fazer com que as pessoas se sintam menos sozinhas e mais conectadas quando já estão isoladas, além de lidar com a vergonha de muitos desses problemas", diz Olivia.
"A página está realmente repercutindo entre o público, e é adorável ver que ela está realmente ajudando. Esperamos que The Secret Keepers possa ajudar a combater um pouco do estigma em torno dos problemas, mostrando que os sentimentos são válidos".
Cyberbullying
No entanto, há um lado ruim nas plataformas de confissão, especialmente quando elas não são controladas.
Embora o anonimato possa incentivar uma discussão honesta, também pode fornecer espaço para comentários imprudentes e cruéis.
O aplicativo Sarahah foi removido das lojas do Google e da Apple em 2018 após acusações de que estava facilitando o bullying.
O aplicativo - cujo nome é uma referência à palavra árabe para honestidade - foi criado para que empregadores recebam feedback anônimo e honesto de colegas.
Em vez disso, os usuários usavam a plataforma como um dispositivo para praticar cyberbullying.
Aplicativos como Whisper, Secret e Ask.fm fecharam ao longo dos anos depois que os desenvolvedores não conseguiram conter o uso indevido e o abuso.
"Os fóruns online também podem ser explorados por pessoas com outros motivos e podem colocar em risco a segurança de alguns grupos vulneráveis", diz Zehra.
"Se eles não são regulamentados, não têm qualquer forma de estrutura e fiscalização para os usuários, pode ser mais prejudicial do que benéfico. As pessoas podem acabar se sentindo mais sobrecarregadas, recebendo mensagens ruins e ainda mais confusas sobre como lidar com quaisquer desafios de saúde mental" diz.
Confissões em todo o mundo
Mas a tendência das páginas de confissão é um fenômeno global que continua evoluindo.
No Facebook, existem contas de confissão de universidades em todo o mundo, fornecendo uma comunidade aos estudantes por meio de páginas moderadas
Em Hong Kong existem contas no Instagram, como Sticky_Rice_Love e Couple.Murmur, que fornecem conselhos sobre sexo e relacionamento aos seguidores através do formato de confissões e respostas.
No Paquistão, existe uma tendência no Twitter conhecida como "gham hour", no qual os usuários tuitam pensamentos e emoções após a meia-noite. Embora nem sempre anônimos, os comentários apontam para a formação de uma comunidade confessional compartilhada.
Já na Coréia do Sul esses tipos de sites são conhecidos como "florestas de bambu" - isso por causa de uma fábula em que um homem com um segredo sobre um rei não conseguiu guardá-lo para si mesmo e, em vez disso, gritou para uma floresta. A partir de então, conta a fábula, sempre que o vento soprava, a floresta repetia o segredo do rei.
Os benefícios de confessar tudo
Para muitas pessoas, confessar segredos de forma anônima pode ser algo muito terapêutico.
Estima-se que até 75% das pessoas em países de baixa renda, que estão enfrentando problemas de saúde mental, não têm acesso a profissionais de saúde mental, de acordo com o Programa de Ação de Lacunas de Saúde Mental da Organização Mundial da Saúde (OMS).
"Isso significa que a lacuna de tratamento é enorme", diz Zehra.
"Indisponibilidade de profissionais treinados, foco limitado em atividades preventivas, alcance limitado de serviços para grupos rurais e de baixa renda e tabus em torno da saúde mental são alguns dos fatores que contribuem".
Zehra tem visto uma tendência crescente de pessoas que acessam cuidados de saúde mental, no entanto, isso tende a ocorrer em ambientes urbanos.
Embora sua própria experiência de prestação de cuidados psicológicos seja em um ambiente profissional, ela diz que criar um espaço seguro para compartilhar segredos é essencial para páginas de confissão na internet.
"Falar sobre problemas pode ser curativo, mas às vezes também pode desencadear as pessoas e trazer de volta emoções negativas", diz ela.
"É importante que as pessoas se sintam seguras e criem segurança no processo, para ajudar a gerenciar a experiência se as pessoas ficarem excessivamente ansiosas ou sobrecarregadas".
Já o psicoterapeuta Angelo Foley, que administra uma conta no Instagram na França chamada Balance Ta Peur ("exponha seu medo", em tradução livre), vai ainda mais longe.
Ele diz que há um benefício genuíno tanto para quem confessa, quanto para os leitores que consomem essas postagens anônimas.
"Ler as confissões de outras pessoas é como ler um romance", diz ele. "Nós nos projetamos nele, nos identificamos, as histórias dos outros ativam nosso próprio processo psíquico e emocional."
Ele usa sua conta na rede social para compartilhar anonimamente os medos mais profundos de seus colaboradores para 70 mil seguidores, na esperança de que eles se sintam menos sozinhos.
"A página alimenta a curiosidade insaciável, um voyeurismo presente em todos os seres humanos", diz Angelo. "Gostamos de saber o que está acontecendo com os outros por instinto de sobrevivência, para saber se estamos do lado certo ou errado. Acho que o anonimato nos dá a ilusão de proteção, seja do julgamento dos outros, seja de nossos entes queridos descobrindo nossos mundos íntimos."
Angelo foi a primeira pessoa a compartilhar seus medos no Balance Ta Peur, e acredita que seu treinamento como psicoterapeuta lhe deu as habilidades para criar um espaço seguro para as pessoas confessarem seus segredos
"O medo está presente em todas as nossas experiências de vida, nossas crises temporárias, nossos traumas, nossos sofrimentos, nossos questionamentos existenciais", diz.
"Não havia espaço para nos expressarmos essas questões. Ajudei a tornar o Instagram algo além de uma vitrine das vidas perfeitas e falsas das pessoas".
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