Quase 90% das crianças e dos adolescentes brasileiros estão conectados à internet. Desses, 95% usam o celular como principal dispositivo para acessar sites e aplicativos.
Esses dados, obtidos a partir de um levantamento de 2019 do Comitê Gestor da Internet no Brasil, endossam o fato de que o mundo online faz parte da realidade da maioria da população — e é praticamente impossível pensar que essa "dependência digital" vá diminuir nos próximos anos (ou nas gerações futuras).
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Por um lado, a internet pode aproximar as pessoas e abre muitas possibilidades de aprendizado e entretenimento. Por outro, há o risco de exagero no tempo conectado, de acesso a conteúdos inapropriados ou de golpes e exposição indevida, ainda mais quando falamos dos jovens.
Mas como pais, mães e tutores podem garantir que seus filhos façam um uso mais saudável de celulares e outros dispositivos? E como identificar quando essa relação com as telas passou dos limites?
A BBC News Brasil ouviu especialistas no tema e resume a seguir os sete sinais de que há algo errado e o que pode ser feito para melhorar essa relação com o mundo digital.
1. Ficar muito tempo vidrado nas telinhas
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O primeiro ponto que os especialistas chamam a atenção envolve a quantidade de horas que crianças e adolescentes passam conectados.
No mundo ideal, o limite de tempo em contato com celulares, tablets e computadores é determinado pela faixa etária, como você confere a seguir:
- Menores de 2 anos: nenhum contato com telas ou videogames;
- Dos 2 aos 5 anos: até uma hora por dia;
- Dos 6 aos 10 anos: entre uma e duas horas por dia;
- Dos 11 aos 18 anos: entre duas e três horas por dia.
"Precisamos lembrar que o dia tem 24 horas. Se o jovem fica 4 ou 5 horas conectado, isso já representa 20% do tempo disponível", calcula Eisenstein.
2. Ter acesso a conteúdos inapropriados
Mas não é apenas com a quantidade que os especialistas estão preocupados. Eles também pedem muita atenção com a qualidade dos conteúdos que os jovens acessam.
"Estima-se que metade dos pais não tem ideia do que seus filhos consomem na internet", informa Eisenstein.
"E as crianças não sabem bloquear mensagens indevidas, enquanto o mundo online está cheio de agressores e predadores", complementa a pediatra.
A orientação, portanto, é supervisionar a atividade dos menores em sites e aplicativos. Muitos celulares e serviços online, inclusive, possuem ferramentas e filtros que permitem esse controle parental.
A SBP orienta que crianças e adolescentes não utilizem computadores, tablets e celulares em lugares isolados da casa, como o quarto ou o escritório, mas, sim, em locais onde os adultos estejam sempre por perto.
3. Trocar o dia pela noite
Quando o contato com as telas ultrapassa todos os limites, um dos quesitos mais prejudicados é o sono.
"É normal vermos crianças que ficam jogando ou mexendo nas redes sociais até altas horas da madrugada", conta o psicólogo Thiago Viola, professor da Escola de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
"E nós sabemos como o sono é importante para nossa saúde, ainda mais durante a infância e a adolescência", completa.
É justamente durante o descanso noturno que o corpo se desenvolve e o cérebro solidifica as memórias e os aprendizados.
Quando o jovem troca o dia pela noite, todos esses processos são prejudicados, o que pode trazer repercussões para a vida inteira.
"O ideal é limitar o contato com estímulos luminosos que vêm das telas conforme anoitece", orienta o médico Rodrigo Machado, do Ambulatório Integrado dos Transtornos do Impulso do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo.
"A luz prejudica a produção da melatonina, hormônio que dita o ritmo de 24 horas do dia. Sem a presença dessa substância, todo o processo do sono acaba atrasado", explica.
4. Abandonar o convívio, a rotina e as atividades sociais
Outros sinais típicos de que o jovem está exagerando no tempo de telas é o abandono, parcial ou completo, de todas as atividades fora da internet, como as práticas esportivas, culturais e de lazer.
Outro sintoma preocupante é a substituição do convívio com amigos, pais ou familiares pelos jogos de videogame ou a interação pelas redes sociais.
"Esbarramos mais uma vez na questão do limite: quando o uso do celular faz com que as crianças ou os adolescentes deixem de cumprir as funções básicas, como comer, dormir, tomar banho, preparar a lição de casa ou fazer atividade física, algo está errado", exemplifica Eisenstein.
Os especialistas dizem que a rotina e o estabelecimento de regras claras é fundamental nas primeiras décadas de vida e deve incluir aqueles que estão na primeira infância.
"Nesse contexto, os pais de crianças menores não podem usar o celular ou o tablet como uma 'bengala', para deixar a criança entretida enquanto eles fazem outras atividades", destaca Viola.
Muitas vezes, esse acesso ilimitado às telas numa idade tão tenra é o início de um processo que vai desembocar no uso abusivo de dispositivos eletrônicos pelos anos que virão.
5. Sofrer uma queda no rendimento das aulas
O documento da SBP também pede que pais e tutores prestem atenção na "queda do rendimento, fracasso, abandono ou evasão escolar".
Observe, portanto, se a criança ou o adolescente está passando muitas horas na frente do computador ou do celular e, em paralelo, as notas e o comportamento em sala de aula sofreram alguma alteração.
Em alguns casos, é possível que exista uma conexão entre esses dois fenômenos.
"E não podemos ignorar o fato de que as escolas e os educadores têm uma responsabilidade em toda essa discussão, ainda mais quando estamos numa pandemia, em que muitas atividades escolares precisaram acontecer à distância, por meio dos aplicativos de videochamada", contextualiza Eisenstein.
6. Estar envolvido em episódios de bullying
É preciso ficar de olho neste tipo de discriminação no mundo físico e no digital — e tanto agressor quanto vítima precisam de cuidados.
"A criança mais velha e o adolescente podem ser alvos de cyberbullying e passar por um processo de 'cancelamento' de todo o círculo social", descreve Viola.
"Em alguns casos, fotos, vídeos e detalhes íntimos do alvo caem na rede, o que vai gerar muitas repercussões emocionais e psicológicas", alerta.
Machado lembra que o mundo digital pode propiciar um comportamento mais agressivo dos usuários. "Como você não vê a reação do outro, acaba se sentindo mais à vontade para compartilhar emoções primitivas, sem um freio crítico ou moral", raciocina o psiquiatra.
"Ou seja: há uma propensão em perpetuar e naturalizar comportamentos extremados nas redes", complementa.
A melhor ferramenta, garantem os especialistas, é a prevenção: pais e tutores precisam ficar atentos e orientar os mais jovens como se comportar nessas situações.
Quando o bullying escalou e já atingiu um nível mais grave, muitas vezes será necessário envolver os familiares de agressores e vítimas, representantes da escola e algum tipo de mediação feita por psicólogos ou outros profissionais que atuem nessa área.
7. Desenvolver problemas no corpo e na mente
O uso excessivo de celulares e outros dispositivos conectados à internet pode dar as caras em uma série de sintomas e doenças. A SBP lista alguns nas diretrizes publicadas nesses últimos anos:
- Transtornos do sono, como insônia;
- Transtornos alimentares, como bulimia e anorexia;
- Sedentarismo;
- Obesidade;
- Dores de cabeça;
- Dores musculares relacionadas à postura;
- Irritabilidade, agressividade e condutas violentas;
- Ansiedade e depressão.
Uma parcela desses incômodos está relacionada com o tempo prolongado de inatividade. Quem fica muitas horas sentado na frente de um computador, por exemplo, possui menos tempo para fazer exercícios físicos e pode sofrer com dores nas costas pela postura inadequada.
Outra parte dos sinais, porém, tem um fundo emocional e afetivo. "O acesso a conteúdos sobre emagrecimento e a busca de um corpo idealizado aumenta o risco de transtornos alimentares", cita Eisenstein.
Como resolver esses problemas?
Considerando o fato de que os celulares são parte da rotina da vasta maioria das pessoas, será que é possível ter uma relação mais saudável com a tecnologia? E como identificar as situações em que o uso desses dispositivos ultrapassou os limites, especialmente na infância e na adolescência?
"A primeira intervenção é se desconectar aos poucos. De nada adianta castigar ou tirar o celular da criança ou do adolescente de forma brusca e definitiva", aponta Eisenstein.
"E, claro, esse ato de se desconectar da internet precisa envolver todos os integrantes da família, não apenas os jovens", destaca a pediatra.
Viola reforça a necessidade de estabelecer limites. "A criança e o adolescente precisam saber que podem entrar na internet por um determinado número de horas por dia."
Por fim, vale reforçar que existem formas de identificar e tratar os quadros de vício no uso de celular e outros dispositivos eletrônicos.
"Se o jovem apresenta dificuldades nos âmbitos social, profissional, educacional ou familiar, é necessário buscar a avaliação de um profissional de saúde", orienta Machado.
Para os casos em que há diagnóstico de um transtorno, como uma dependência de videogames, é possível intervir por meio da terapia cognitivo-comportamental, uma abordagem da psicologia que busca analisar, racionalizar e propor intervenções nos hábitos e nos pensamentos do paciente.
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