Será que, algum dia, conseguiremos criar um robô com as mesmas capacidades do ser humano?
O surpreendente surgimento do ChatGPT e de outros programas de inteligência artificial faz com que esta pergunta se torne cada vez mais relevante. E, mais do que isso, a imaginação dos engenheiros tentando criar um robô que pense e aja como ser humano fica ainda mais aguçada.
Já conseguimos imitar os complexos sistemas de raciocínio e até de criatividade do nosso cérebro, especialmente com a inteligência artificial.
Mas os robôs ainda não conseguem amarrar um sapato.
A robótica e a inteligência artificial podem fazer com que o pensamento racional exija menos processos de computação, enquanto atos aparentemente mais simples e que são facilmente executados pelo ser humano, como amarrar os sapatos ou pegar uma bolsa que caiu no chão, exigem enorme esforço computacional.
“O ser humano levou centenas de milhares de anos de evolução para fazer coisas simples como, por exemplo, manter o equilíbrio”, explica o pesquisador em robótica Gonzalo Zabala, da Universidade Aberta Interamericana, na Argentina. “Por isso, reproduzir todos esses processos em nível computacional, no momento, é quase impossível.”
Zabala destaca, em entrevista à BBC News Mundo (serviço em espanhol da BBC), que o contrário também acontece com os processos que são frutos de raciocínio.
“Há quanto tempo podemos falar em homem inteligente, da razão?”, pergunta ele. “Em comparação com outros processos evolutivos, o tempo é muitíssimo menor e, por isso, podemos codificá-los e reproduzi-los com mais sucesso.”
Hans Moravec e Alan Turing
Um dos precursores da inteligência artificial foi o cientista britânico Alan Turing (1912-1954).
Um dos diversos estudos publicados por Turing na sua curta, mas prodigiosa carreira relaciona uma série de perguntas que serviriam para distinguir, em um caso teórico, um robô de um ser humano.
Este método vem orientando os engenheiros e teóricos para o desenvolvimento da inteligência artificial desde que foi formulado, na década de 1950.
Como destacou o professor de robótica Rodney Brooks, do Instituto Tecnológico de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês), o que ocorreu foi que os engenheiros se concentraram em criar programas ou aparelhos que conseguissem “enganar” seus interlocutores, respondendo adequadamente às perguntas do teste de Turing para que pudessem se passar por seres humanos.
Mas, no final dos anos 1970, este enfoque começou a apresentar um problema. As respostas lógicas não desenvolviam nada de original e o caminho indicado por Turing começava a não deixar muitas saídas.
“O próprio financiamento das pesquisas foi suspenso, pois não era claro o caminho a ser seguido e não se observavam progressos”, segundo Brooks.
Por isso, os cientistas saíram em busca de alternativas para fazer avançar o desenvolvimento da inteligência artificial.
“O caminho escolhido foi criar circuitos similares aos do cérebro humano”, explica Zabala. “Não um robô que respondesse com a lógica, mas um circuito que conseguisse pensar.”
Foi então que surgiu a contradição, ainda não resolvida: enquanto processos de inteligência artificial eram criados com relativa facilidade, as funções básicas do ser humano eram praticamente impossíveis de serem recriadas em um robô.
Este fato foi amplamente observado até o final da década de 1980 pelos especialistas em robótica, como o próprio Rodney Brooks, o austríaco Hans Moravec e o norte-americano Marvin Minsky. Mas foi Moravec, professor da Universidade Carnegie Mellon em Pittsburgh (Estados Unidos), o responsável por apresentar a melhor exposição sobre o tema em 1988, a partir do trabalho dos três colegas.
Segundo Moravec, “é comparativamente fácil fazer com que os computadores mostrem rendimento de nível adulto em testes de inteligência ou jogando xadrez, mas é difícil ou impossível fornecer a eles as capacidades de um menino de um ano, em relação à percepção e à mobilidade.”
Ou seja, os robôs podem ser tão inteligentes quanto incapazes.
“O que o paradoxo de Moravec fez foi dar sentido ao que estava sendo observado”, afirma Zabala. “E, quando se dá um nome a um problema, indicam-se as possíveis soluções.”
“Quando se chega a este ponto, começa algo muito interessante, que é nos conhecermos melhor para podermos nos reproduzir nos robôs: saber como mantemos o equilíbrio, como aprendemos a dirigir e assim por diante”, acrescenta ele.
Robôs sensíveis
Os três pesquisadores – Moravec, Brooks e Minsky – desenvolveram projetos destinados a esclarecer o paradoxo.
Brooks, por exemplo, trabalhou com a empresa norte-americana Boston Dynamics e com outra fundada por ele mesmo, chamada iRobots.
O princípio, segundo ele, resume-se em uma premissa direta: “se quisermos construir um robô com inteligência humana, é preciso primeiro construir um robô com anatomia humana”. E, a partir daí, foram desenvolvidos projetos de robôs que apresentassem um aspecto mais próximo do nosso.
Uma equipe de cientistas europeus, por exemplo, desenvolveu um protótipo conhecido como ECCERobot, dotado de um esqueleto termoplástico completo, com vértebras, falanges e caixa torácica.
O ECCERobot tem os mesmos graus de movimento do tronco humano e, o mais importante, todas as suas partes são repletas de sensores.
Mas os próprios cientistas que desenvolveram o robô destacaram que o principal inconveniente não foi superado. A complexidade do ECCERobot é tão grande que ele mal consegue segurar um copo. Por isso, não se pode esperar que ele tenha comportamento inteligente.
“Construir um robô humanoide inteligente, que possa interagir sem problemas com seres humanos e ambientes humanos de forma natural, exigirá avanços da informática e de eficiência de bateria, sem falar no salto quântico do equipamento sensorial”, afirma Rolf Pfeifer, coordenador do projeto do ECCERobot.
“Um desenvolvimento realmente fundamental será a pele”, segundo ele. “A pele é extremamente importante no desenvolvimento da inteligência porque fornece padrões sensoriais muito ricos: tato, temperatura, dor, tudo de uma vez.”
Mas os especialistas destacam que, apesar dos problemas apresentados pelo paradoxo de Moravec, a construção de um robô inteligente como o ser humano é uma possibilidade, ainda que distante.
“O que o paradoxo de Moravec fez foi colocar um problema em evidência, para que os pesquisadores procurassem soluções”, explica Zabala. “Uma delas, sem dúvida, é a que estamos observando com a revolução da inteligência artificial, onde demos um passo rumo à criação, não só às respostas lógicas.”
Para o especialista, esta revolução claramente não é uma ameaça para a extinção da espécie humana.
“Não acredito que ela signifique o fim, como afirmaram diversos analistas. É uma ferramenta que irá facilitar muitos processos no futuro”, conclui Zabala.