Na rua, de volta ao hotel, ouvi alguém falando a palavra Brasil em finlandês, com forte sotaque. Vi um homem com cabelo rastafári e perguntei se era brasileiro. “Sou de Paraty, Rio de Janeiro. Tudo bem? Estou aqui há 15 anos, vendo joias.” Com um copo na mão e ao lado de uma barraquinha, perguntou se eu queria provar um quentão. Ao ouvir que eu não bebia nada alcoólico, me surpreendeu com o comentário. “Na Finlândia, é proibido vender qualquer bebida alcoólica na rua. É mais fácil ser preso vendendo isso do que drogas. Verdade!”, afirmou. Contei a história para um brasileiro, e veio o complemento. “Estava num bar, perto do mercado, e o dono do estabelecimento me orientou a não beber na rua.”
Com meus sentidos aguçados, fiquei admirando a fachada dos prédios, as pessoas saindo do trabalho, uma mulher passando com o carrinho de bebê todo fechado, como se fosse uma capota de plástico transparente, os bondes elétricos, o povo entrando nas estações de metrô e o céu cada vez mais escuro. Procurei, e não encontrei, nenhum cisco jogado na calçada.
Diante de um café, notei uma mulher enigmática consultando o menu. Mais uma cena de cinema: a sueca Greta Garbo (1905-1990) reencarnada? De chapéu preto, olhar discreto sob a aba, tocava com a ponta dos dedos o colar de pérolas. Quando ela me viu pela vidraça, fiquei sem graça e saí do enquadramento para a "tela" não se tornar realidade. Metros à frente, parei na feira de Natal, ao ar livre, com variedade de produtos artesanais e todo tipo de Papai Noel. "Aqui só está um pouco mais frio do que no Brasil, né?", brincou a vendedora, quando contei ser brasileiro.
Segui em frente e o relógio marcava 19h – na Finlândia, pelo fuso horário, são cinco horas a mais em relação ao Brasil. Foi quando vi a Catedral Luterana, originalmente construída como tributo ao czar Nicolau I da Rússia (1796-1855) e grão-duque da Finlândia. Até a independência da Finlândia, em 1917, ficou conhecida como Igreja de São Nicolau. Foi aí que tive um dos momentos mais inesperados – e bonitos– da minha viagem ao país, na companhia de jornalistas latino-americanos.
CANTOS
Depois de subir os 49 degraus (foi o que contei), vi que estava para começar o concerto de Natal, apresentado por um coral masculino, regido pelo jovem maestro Ilkka Aunu, e com alguns números a cargo da soprano Jenni Lättilä. Como chegamos mais cedo, ficamos lá na frente, vendo a turma ensaiar. Depois de ficar na frente, os cantores se dirigiram para o coro, onde pontifica um gigantesco órgão de tubos. Não demorou muito para a catedral ficar lotada.
Ao meu lado, sentou-se um casal na faixa dos 70 anos. Não demorou muito, e eu já estava de papo com Lisa, que não escondia o entusiasmo pela apresentação. Contou que morava em Espoo, na Região Metropolitana de Helsinque. “Fica a 20 minutos, vamos voltar hoje mesmo. Estou feliz por estar aqui.” Nos poucos minutos de conversa, Lisa me ensinou a falar Natal em finlandês e destacou a importância do compositor nacional Jean Sibelius (1865-1957). Uma das últimas músicas entoadas foi da lavra do compositor clássico e, nesse momento, minha nova amiga só tinha olhos para o coral e mãos para aplaudir, e muito, o talento de cada um à frente.
Na saída da catedral, nesses lampejos que só os bons momentos trazem, me deu vontade de soltar a voz. E, num trocadilho que faria Gene Kelly (1912-1996) corar, soltei meu Cantando na chuva particular: Helsinging in the rain, Helsinging in the rain...
* O repórter viajou a convite do governo
finlandês, via Ministério das Relações
Exteriores/Departamento de Comunicação
Onde mora a lenda
Em finlandês, Papai Noel é Joulupukki, mas se você, leitor, falar Santa Claus as pessoas, no país nórdico, vão entender, ainda mais que todo mundo fala inglês – a segunda língua é o sueco. Reza a lenda que o Bom Velhinho mora no Extremo Norte, numa casa coberta de neve, na companhia de Mamãe Noel e das renas que puxam o trenó, no Natal.
Mas há outra versão: ele habita as montanhas de Korvatunturi na
Lapônia, Finlândia, partindo no fim do ano para levar presentes para as crianças. A história teria se originado nas boas ações, para com os pobres, de um bispo chamado Nicolau, nascido na Turquia em 280 d. C.
De todo jeito, em pleno século 21, vale mais acreditar nos corações dispostos a distribuir afeto, esperança e paz.
Aos pés da Mantiqueira
Quer sentir um gostinho da Finlândia em plena Serra da Mantiqueira? Pois no Bairro de Penedo, em Itatiaia (RJ), fica a única colônia do país nórdico no Brasil, e que, em 2019, está em plenas comemorações de 90 anos da chegada dos pioneiros. Além disso, Brasil e Finlândia celebraram 100 anos de relações diplomáticas. Portanto, a festa está completa.
Distante 160 quilômetros da capital fluminense e a 30 quilômetros da divisa com Minas Gerais, Penedo guarda tradições finlandesas, principalmente na culinária. No Clube Finlandês há uma exposição comemorativa aberta até o fim de dezembro e o turista não deve perder a visita ao Museu Eva Hilden. No Shopping Pequena Finlândia, de um condomínio de lojistas, a decoração traz a beleza do Natal e tem a Casa do Papai Noel, o mais famoso personagem do país nórdico. Se a visita não for agora, dá para ver a Casa do Papai Noel durante todo o ano, pois fica à disposição todos os fins de semana.
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