“Batalha de Jenipapo. Berço da Independência”. O marco chama a atenção sobre a BR 353, a 88 quilômetros de Teresina, em direção a Parnaíba, no Norte do Piauí. A história, pouco contada para além daquelas fronteiras, guarda um dos mais sangrentos episódios da independência do Brasil.
Apesar disso, por muito tempo, essa foi uma independência retratada pela historiografia oficial como se pacífica e consensual tivesse sido, muito focada no jovem dom Pedro I, em seu “heroico brado” de 7 de setembro de 1822, às margens do Ipiranga, retratado por Pedro Américo no quadro Independência ou morte.
A história real, contudo, tem outras vertentes. Em reação à tentativa de dom João VI de manter como colônias portuguesas as províncias do Norte , houve muita resistência dos brasileiros. E muitas batalhas. Em 13 de março de 1823, à beira do Rio Jenipapo, na Vila de Campo Maior, no Piauí, registrou-se um dos mais violentos confrontos entre brasileiros e portugueses. Foi crucial para a integridade territorial do Brasil tal como conhecemos hoje. De tão importante, a data integra, desde 2005, a bandeira do Piauí.
À margem da BR-353, o sangrento conflito é retratado no monumento aos heróis da Batalha do Jenipapo, no exato local da luta, tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Erguido em 1973, por ocasião das celebrações de seus 150 anos, abriga um pequeno museu, atrás do qual estão enterrados muitos dos combatentes. Quadros relatam a história da batalha, naquele tempo em que o território da América portuguesa dividia-se em dois estados autônomos: ao Sul, o estado do Brasil, com capital em Salvador; ao Norte, o estado do Maranhão, com capital em São Luís, abrangendo as capitanias do Pará, Maranhão, Piauí e Ceará, região que mantinha mais relações comerciais com Lisboa do que com Salvador e, posteriormente, com o Rio de Janeiro.
Pressionado pela revolução liberal do Porto, ao retornar a Portugal em 1821, dom João VI reconhecia a inevitabilidade da independência do Brasil. Chegou a aconselhar o filho: “Pedro, se o Brasil se separar, antes seja para ti, que me há de me respeitar, do que para algum aventureiro”. Contudo, diante do fato consumado às margens do Ipiranga, o monarca português tentou preservar as províncias do Pará, do Maranhão e do Piauí, este criador de gado bovino e fornecedor de carne às demais regiões brasileiras, inclusive a região Sul. Dom João VI enviou a Oeiras, então capital do Piauí, o comando das armas sob as ordens do experiente militar português João José da Cunha Fidié, que havia combatido na Europa contra Napoleão Bonaparte.
Logo após a posse de Fidié, em 9 de agosto de 1822, em Parnaíba, a 700 quilômetros de Oeiras, um grupo de brasileiros declarou a adesão à causa da independência. Para sufocar tal movimento, Fidié seguiu com as tropas portuguesas, chegando em 18 de dezembro de 1822. Não encontrou os chefes do movimento independentista, que se refugiaram em Granja, no Ceará. De Oeiras, entretanto, chegaram-lhe um mês depois, novas notícias: Manuel de Sousa Martins, futuro Visconde da Parnaíba, também proclamara a independência, assumindo a presidência da Junta do Governo do Piauí. Fidié decide regressar com 1.100 homens armados e 11 peças de artilharia, disposto a aniquilar os revolucionários.
Campo Maior estava na rota de retorno de Fidié. Ali, formara-se um centro de forças nacionalistas que também havia aderido à independência, em 2 de fevereiro de 1823. Na vila, os brasileiros prepararam-se para o confronto. O capitão Luís Rodrigues Chaves convocou os piauienses. Reuniu mais de mil, aos quais se juntaram 500 cearenses. Eram camponeses, mal-armados, carregando foices, facões, espingardas de caça, espadas, sem qualquer treinamento militar. Nas palavras do senador da República Velha Abdia Neves: “E só a loucura patriótica explica a cegueira desses homens que iam partir ao encontro de Fidié quase desarmados”.
Em 13 de março de 1823, às 9h, em longo e violento combate, os brasileiros foram derrotados. “Quando passava do meio-dia, não a consciência da derrota, mas o cansaço puro e simples começou a dominá-los. As armas caíam-lhes das mãos trêmulas. As pernas bambeavam. Já não combatiam, arrastavam-se para a morte (...). Também os partidários de Fidié caíam de cansaço. Cinco horas de luta ininterrupta e um sol abrasador tiravam-lhe totalmente o ânimo. Não perseguiram os independentes em retirada. Não poderiam fazê-lo. A vitória amarga não conseguira alegrar o coração do comandante português. Ele estava assombrado com o arrojo, a valentia e o desamor pela vida demonstrados pelos seus adversários, relata o historiador Joaquim Raimundo Ferreira Chaves.
Fidié, com superioridade em termos de armamento e de experiência militar, venceu a Batalha do Jenipapo. Mas sofreu um forte revés: os brasileiros roubaram-lhe a bagagem de guerra com os soldos e munição. Sem ambos, precisou refugiar-se em Caxias, no Maranhão, onde resistiu por três meses, até capitular. Foi levado preso para Oeiras e depois para o Rio de Janeiro, de onde foi deportado para Portugal por ordem de dom Pedro I. O projeto de dom João VI de manter o Norte do Brasil fracassara.
Nas palavras de Fidié: “Resisti até o último apuro, tirando do campo inimigo, à ponta da baioneta, os víveres precisos para sustentar a minha tropa, cheia de fadiga, e reduzida às circunstâncias mais penosas, até que certo de que não podia ser socorrido e não podendo fazer mais nada honroso, capitulei”.