Rio de Janeiro – O dia amanheceu meio nublado, ainda resultado da chuva da madrugada, mas no fim da manhã de sexta-feira o tempo abriu, céu azul e sol pleno, indicando que o passeio seria ótimo. E foi melhor do que o esperado, pois fez um calorzinho carioca temperado pela brisa marinha e leveza do voo de gaivotas no horizonte. O destino: Sítio Roberto Burle Marx, em Barra de Guaratiba, na Zona Oeste do Rio de Janeiro (RJ), a 53 quilômetros do Centro da cidade.
Reconhecido em 27 de julho como patrimônio mundial, categoria paisagem cultural, pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), o sítio onde morou, trabalhou e curtiu a vida, por mais de duas décadas, o multiartista Roberto Burle Marx (1909-1994) reúne elementos em 406 mil metros quadrados de área exuberante, que fazem o dia ficar completo e mais feliz. Para onde se olha, pousa a mão do homem que foi paisagista, pintor, escultor, ceramista, tapeceiro, designer de joias, figurinista e até cantor de ópera.
O visitante certamente ficará apaixonado pela coleção de plantas tropicais e subtropicais, com 3,5 mil espécies cultivadas nos jardins e viveiros, sete lagos refletindo as árvores frondosas, caminhos sombreados, casa em estilo mineiro, ateliê com trabalhos do artista, igreja do século 17 dedicada a Santo Antônio, esculturas a céu aberto e muitos outros encantos que traduzem bom gosto e cuidado extremo com a natureza.
Acesso ao ateliê de Burle Marx - Foto:
Para a entrada, é bom avisar logo de cara: obrigatório apresentar o certificado de vacinação contra a COVID-19. Do contrário, perde-se a viagem e ganha-se frustração por não poder aproveitar o passeio guiado por educadores bem preparados. Com a pandemia, houve reestruturação na dinâmica de visitação. Então, nada de circular dentro das construções, pois há faixas impedindo ingresso em algumas partes. No caso de o viajante se incomodar com um eventual mosquitinho, providencie repelente. Bebedouros estão em dois pontos e a loja de lembranças se encontra fechada temporariamente.
Perto da portaria, há uma palmeira gigantesca – e aí já se entende a grandeza do sítio, doado em 1985 por Burle Marx ao governo brasileiro, especificamente ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), autarquia federal vinculada à Secretaria Especial da Cultura e ao Ministério do Turismo. Para dar conta da preservação de jardins e viveiros, há dois agrônomos, 30 jardineiros, alguns que conviveram com o mestre, e um paisagista.
ROTEIRO O passeio no trajeto de 2,2 quilômetros é feito a pé, embora no acesso inicial ao ateliê do artista esteja disponível um veículo elétrico. “Já vim aqui três vezes e sempre encontro uma novidade. Gosto de anotar as informações e caminhar, pois faz bem ao corpo e à mente”, comentou, ao lado do repórter, uma senhora carioca de cabelos muito brancos, de 75 anos, e nenhum sinal de esmorecimento. “Sou animada à beça!”, garantiu.
Capela dedicada a Santo Antônio - Foto:
A primeira parada se deu no ateliê do artista, com um totem dando boas-vindas e convidando para uma foto. Impossível recusar. Na parede, chama a atenção o trabalho em tapeçaria e retratos do artista em ação: o registro de Burle Marx com um regador na mão apresenta, sem dúvida, um flagrante perfeito da sua passagem pela vida terrena.
Ao longo do caminho, o educador Rafael Marinho vai apontando os tesouros desse universo povoado de espécimes da mata atlântica e de outras regiões: pau-d’alho, conjunto de paineiras, cacaueiro carregado de frutos, sapucaias, bastãozinho-do-imperador, um tipo de cuité, que pode se transformar em suporte de vela ou chocalho, e dezenas de espécies de bromélias.
Na sequência, há um espaço que Burle Marx chamava de Loggia, com uma mesa enorme usada por ele para pintura de tecidos. Mais uma faceta do artista. Um detalhe chama a atenção: os lustres ainda se mantêm enfeitados com arranjos aéreos feitos com urucum e outras plantas nativas, num efeito espetacular e criativo – ideia do mestre seguida pela direção do Iphan.}
A curiosidade aumenta até se chegar à Capela Santo Antônio, joia do século 17, com uma longa história de destruição até ser restaurada por Burle Marx, que adquiriu a propriedade em 1949, com o irmão Guilherme Siegfried Marx, quando o local se chamava Santo Antônio da Bica. Na época, havia uma antiga casa de fazenda, igualmente recuperada, e Roberto passou a cultivar e ampliar sua coleção de plantas iniciada na infância. A capela é usada pela comunidade em várias celebrações, incluindo os festejos em louvor ao padroeiro, em 13 de junho.
MINEIROS A trajetória profissional de Roberto Burle Marx passa por Minas Gerais, especialmente pela Pampulha, outro patrimônio da humanidade. Trabalhou nos jardins do conjunto moderno concebido na década de 1940 por Oscar Niemeyer (1907-2012) e, mais tarde, no Parque das Mangabeiras, na Praça Carlos Chagas e na antiga sede da Usiminas, onde será implantado o Hospital Libertas, no Bairro Engenheiro Nogueira.
No sítio de Pedra de Guaratiba, há muitas referências a Minas, começando pelo estilo colonial da casa onde o artista viveu de 1973 a 1994, e palco de uma coleção de imagens sacras. Na varanda, pontificam as carrancas remetendo às lendárias embarcações do Rio São Francisco. Em outro espaço, fica a coleção de artesanato, com destaque para as peças de cerâmica, entre elas as famosas bonecas do Vale do Jequitinhonha.
Observar, conhecer, admirar. No passeio ao Sítio Roberto Burle Marx, o visitante acumula milhas de contemplação. Diante dos olhos, estão o verde em centenas de tons, exuberante, obras religiosas de matriz africana e/ou o fóssil de um peixe. Uma propriedade aberta ao mundo com o ponto de equilíbrio no potencial artístico humano.
A comunhão de água, terra, vegetação e arte só faz bem ao espírito. A propriedade também guarda um acervo museológico de mais de 3 mil itens, que incluem um grande repertório da produção artística de Burle Marx, suas coleções de arte moderna, cuzquenha, pré-colombiana, sacra e popular brasileira, de cristais e de conchas, além do mobiliário e dos objetos de uso cotidiano da casa.
Na despedida, uma lembrança que, certamente, fará o coração dos admiradores da banda Legião Urbana dar saltos de emoção. No último lago visitado, foram lançadas, há 25 anos, as cinzas do cantor e compositor Renato Russo (1960-1994).
HISTÓRIA Roberto Burle Marx nasceu em São Paulo, em 4 de agosto de 1909. Faleceu no Rio de Janeiro, em 4 de junho de 1994, vítima de câncer no estômago. Era o quarto filho da pernambucana Cecília Burle, exímia pianista, e do alemão Wilhelm Marx, dono de um curtume, homem culto, amante da música erudita e da literatura europeia. Desde cedo, o menino demonstrou afeto pelos jardins, ao acompanhar Cecília no trato diário com os canteiros da casa.
Em 1913, a família se mudou para a capital fluminense. De 1928 a 1929, Roberto estudou pintura na Alemanha, tendo sido frequentador assíduo do Jardim Botânico de Berlim. Em 1949, comprou o sítio em Barra de Guaratiba, onde organizou uma grande coleção de plantas. Em 1955, fundou a empresa Burle Marx & Cia. Ltda., sob direção do ex-sócio e amigo de longa data, o arquiteto Haruyoshi Ono (1943-2017). Entre seus principais projetos paisagísticos estão o do Parque do Ibirapuera (SP), do Museu de Arte Moderna (RJ), do Eixo Monumental de Brasília (DF), do Aterro do Flamengo (RJ) e da embaixada do Brasil em Washington (EUA).
Lago em que foram lançadas as cinzas de Renato Russo - Foto:
Bastãozinho-do-imperador, uma das 3,5 mil espécies que há no sítio - Foto:
Logo na entrada da propriedade, há uma palmeira gigantesca - Foto:
O acervo museológico reúne mais de 3 mil itens - Foto:
SERVIÇO
Sítio Roberto Burle Marx, unidade do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan)
» Localização: Estrada Roberto Burle Marx, 2.019, Barra de Guaratiba, no Rio de Janeiro (RJ) – Telefone: (21) 2410-1412
» Agendamento de visitas por email: visitas.srbm@iphan.gov.br
» Horário: Devido à pandemia, as visitas ocorrem em pequenos grupos, de terça-feira a sábado, às 9h30 e as 13h30
» Importante: Obrigatório o uso de máscara, higienização das mãos com álcool em gel e distanciamento. Na entrada, o visitante deve apresentar o certificado de vacinação contra a COVID-19.
» Preço do ingresso: R$ 10. Estudantes e adultos a partir de 60 anos pagam meio ingresso. Crianças de até 5 anos não pagam
BELEZA EM QUATRO ELEMENTOS
O Sítio Roberto Burle Marx é um patrimônio de cultura, história e vivências. Aprecie alguns desses tesouros humanos e ambientais:
ÁGUA
Há sete lagos que refletem a exuberância da vegetação da mata atlântica. No último espelho-d’água, foram lançadas, há 25 anos, as cinzas do cantor e compositor Renato Russo.
TERRA
No sítio, há 3,5 mil espécimes de plantas do Brasil e de outros cantos do mundo. Veja o singelo bastãozinho-do-imperador, que se destaca à beira do caminho.
VERDE
Logo na entrada da propriedade, há uma palmeira gigantesca dando as boas-vindas ao visitante. Daí em diante, emoção e beleza em perfeita sintonia.
ARTE
O acervo museológico reúne mais de 3 mil itens, com coleções de arte moderna, cuzquenha, pré-colombiana, sacra e popular brasileira, incluindo peças do Vale do Jequitinhonha.