Mineiro nunca perdeu o trem, muito menos sua história, ainda mais quando dispõe de um patrimônio imenso para compartilhar com os amigos, curtir em família e desfrutar com quem chega de outras terras. Na retomada do turismo no estado, ampliam-se os horizontes, ganham força novas formas de passear e a imaginação voa sem limites para alcançar o merecido lazer. Voar, só? Não... Pedalar também, garantem os ciclistas.
Assim, em um clima favorável ao corpo e à mente, ganha destaque o projeto Primeira Rota de Cicloturismo de Minas Gerais, iniciativa do Sebrae Minas, Circuito Turístico das Pedras Preciosas e prefeituras dos municípios mineiros de Novo Cruzeiro, no Vale do Jequitinhonha, além de Ladainha, Poté, Teófilo Otoni e Carlos Chagas, no Vale do Mucuri. Entusiasmo é o que não falta.
O local para implantação da rota não poderia ser mais convidativo: um trecho da antiga Ferrovia Bahia-Minas, que ligava o Vale do Jequitinhonha a Ponta de Areia, no litoral sul da Bahia. “Com a extinção da ferrovia, em 1966, restou ao território o saudosismo dos tempos áureos. Além desse sentimento, foram deixados aproximadamente 277 quilômetros, no lado mineiro, com estações desativadas, pontes e túneis inseridos em belíssimos cenários”, diz o analista técnico do Sebrae Minas, em Teófilo Otoni, Jeferson Batalha.
Batalha explica que, como a construção da Bahia-Minas fugiu de grandes aclives e declives, o trecho se tornou, agora, excelente oportunidade para passeios de bicicleta. A demora na implantação da rota de cicloturismo se deveu à pandemia, e a expectativa é de lançamento no mercado no próximo ano. “Estamos atualmente trabalhando com os núcleos de governança, que estarão juntos conosco para garantir o funcionamento do projeto.”
PEDALADAS DO BEM
A iniciativa de criação da Primeira Rota de Cicloturismo de Minas Gerais anima moradores de Novo Cruzeiro, município com 32 mil habitantes, no Vale do Jequitinhonha. Integrante do núcleo de governança, o professor, ciclista e mecânico de bike Thallis Diego Barbosa Rocha considera fundamental o projeto para dinamizar o turismo local, melhorar a renda das famílias residentes ao longo do caminho e movimentar a economia nas cidades.
E os resultados positivos já começam a surgir. “Nosso grupo, o Pedal Extremo, sempre passa pela comunidade de Brejaúba, distante 20 quilômetros do Centro de Novo Cruzeiro. Então, uma quitandeira de lá viu uma oportunidade de ampliar sua produção. Agora, estamos sempre fazendo o lanche na casa dela, e isso ajuda muito a família”, afirma Thallis, referindo-se apenas a um exemplo do potencial da atividade para as comunidades pelo caminho.
Preciosidades que não
precisam de garimpo
Os roteiros do Nordeste de Minas, integrantes do Circuito Turístico das Pedras Preciosas, seduzem os visitantes com preciosidades que nem precisam ser garimpadas. Há rochas gigantescas dando as boas-vindas aos turistas, resquícios de mata atlântica, cachoeiras e, muitas vezes, um friozinho surpreendente, como ocorre em Novo Cruzeiro. Nesse município, os turistas podem participar, em julho, das festas em homenagem ao padroeiro, São Bento, ou tomar “umas e outras” em 7 de setembro, no Festival da Cachaça.
Teófilo Otoni apresenta aos turistas os túneis que ficaram da antiga ferrovia, a réplica da maria-fumaça e o Mercado Municipal, ambos no Centro, além do Casarão da Cultura, perto do terminal rodoviário. Em Carlos Chagas, pausa para saborear a carne de sol nas churrascarias localizadas no Centro e o povoado de Francisco Sá, que guarda uma estação ferroviária restaurada. Em Ladainha, nos caminhos rodeados pela mata atlântica preservada, há muitas cachoeiras e paisagens deslumbrantes, como o pôr do sol visto da Pedra do Jardim, enquanto Poté se orgulha do Usina Park, área de lazer com vários atrativos e apresentações, do patrimônio ferroviário tombado nos distritos de Sucanga e Valão, e do convívio da população na Praça Frei Gaspar, onde fica a Igreja Senhor Bom Jesus, padroeiro da cidade.
Viagem conduz à praia dos mineiros
Mais de um século de história – do trem às pedaladas. A trajetória da Ferrovia Bahia-Minas começou no período imperial, quase oito anos antes de dom Pedro II (1825-1891) deixar o trono, e o Brasil. Naquele tempo, Bahia ainda se escrevia sem “h”, Araçuaí tinha dois “s” e a esperança viajava pelos trilhos para garantir a integração regional.
Na época, sete anos antes da Proclamação da República, começaram a circular os trens em direção a um porto no Oceano Atlântico. A estrada de ferro Bahia-Minas estava a todo vapor para transportar madeira e café, fomentar o comércio, tornar rápidas as viagens e acelerar o desenvolvimento. Mas a história durou pouco mais de oito décadas, deixou saudades na população, e hoje um fantasma na paisagem dos vales do Jequitinhonha e Mucuri.
Estações foram abandonadas, e os dormentes arrancados deram espaço a estradas vicinais, fazendo parte da história descarrilar. A maria-fumaça deu seu último apito em 1966, mas de lá pra cá a via férrea foi cantada em prosa e verso, rendeu livros e ficou na memória.
Conforme o Estado de Minas mostrou na edição de 25 de outubro, Minas comprou uma faixa de terra de 142 quilômetros, trecho que acompanhava o leito da antiga Companhia de Estrada de Ferro Bahia-Minas, depois hipotecado ao Banco de Crédito Real do Brasil para contração de empréstimo.
No período republicano, quando houve a liquidação forçada do banco, o estado de Minas Gerais adquiriu os terrenos por 300:000$000 (trezentos contos de réis, valor aproximado hoje de R$ 36 milhões), pagos em títulos da dívida pública do estado. A história nunca teve uma solução, e acabou caindo no esquecimento. Com as pedaladas, volta à tona de outra forma: com o esporte, o lazer e o entusiasmo.