“Deve-se supor que a água começou por penetrar vinda das inúmeras facetas desses cristais, que deslumbram a vista. Julga-se o homem transportado a um Palácio das Fadas. A imaginação poética, a mais rica, não saberia criar uma tão esplêndida morada para seres maravilhosos; diante desta notável gruta, ela seria forçada a confessar a sua impotência. Meus companheiros permaneceram durante muito tempo mudos, na entrada deste templo; depois, involuntariamente, se ajoelharam e se benzeram, exclamando diversas vezes: 'Milagre! Deus é grande'. Foi-me impossível dissuadi-los da ideia de que este templo deveria servir de morada a Nosso Senhor. Quanto a mim, confesso que nunca meus olhos viram nada de mais belo e magnífico nos domínios da natureza e da arte.”
Cordisburgo – A descrição acima, feita pelo pai da paleontologia brasileira, Peter Lund, em artigo do século 19, dá uma dimensão dos sentimentos que dominam aqueles que lançam seus primeiros olhares para o Palácio das Fadas, uma das câmaras mais belas da Gruta do Maquiné, em Cordisburgo, município da Região Central mineira, a 120 quilômetros de Belo Horizonte. A caverna está aberta à visitação desde 1964 e é uma das maiores atrações da Rota das Grutas Peter Lund, circuito que integra três unidades de conservação estaduais: o Parque Estadual do Sumidouro e os monumentos naturais Gruta do Rei do Mato e Peter Lund, onde fica a Gruta do Maquiné. A formação rochosa está aberta todos os dias, mas com a pandemia do novo coronavírus o número de visitantes se reduziu, mesmo com as exigências de higienização, uso de máscaras e distanciamento.
Segundo o gerente do Monumento Natural Estadual Peter Lund, Mário Lúcio de Oliveira, antes do isolamento causado pela COVID-19, eram 50 mil visitantes por ano, sendo que na retomada das visitas esse quantitativo estava na casa dos 3 mil. “Vem gente do mundo todo. E saem contentes, impressionados por ver dentro da gruta tantas formações de altíssima beleza e variedade. Os estrangeiros já chegaram a dizer que é 'o Pelé das grutas'”, conta.
O filho mais conhecido de Cordisburgo, o escritor João Guimarães Rosa, escreveu sobre a Gruta do Maquiné e sua importância para a paleontologia: “Era só cavar o duro chão, de laje branca e terra vermelha e sal, e encontrar montões de ossos de bichos que outros arrastavam para devorar ali, ou que massas da água afogaram, quebrando-os contra as rochas quando as manadas deles queriam fugir se escondendo do dilúvio”.
Atualmente, todas as visitas são guiadas, o que sacia as dúvidas dos curiosos e ajuda no entendimento da importância das grutas descritas e trabalhadas por Peter Lund. Maquiné é o local onde o naturalista escavou mais fósseis, no trabalho que revolucionou a paleontologia mundial com as descobertas de ossos petrificados da megafauna. Entre seus achados, exemplares de preguiças-gigantes e tigres-de-dentes-de-sabre, levando à conclusão de que o homem foi contemporâneo desses animais colossais.
A imersão no ambiente subterrâneo dá um vislumbre dos desafios que enfrentaram os exploradores do século 19 até localizá-la, ao mesmo tempo em que traz admiração pelas belezas que os surpreenderam enquanto avançavam, salão após salão. Passados quase 200 anos de seus primeiros estudos por Lund, hoje a caminhada pelos túneis e galerias ocorre por trilhas iluminadas e demarcadas, que anos atrás foram revestidas de argila para facilitar a circulação, num total de 650 metros de ida e a mesma distância para retornar. O desnível de apenas 18 metros não exige tanto de pernas e pulmões. O naturalista dinamarquês batizou vários dos salões e outros foram recebendo denominações mais tarde. Podem ser visitados os do Vestíbulo, Colunas, Altar ou Trono, Carneiro ou Elefante, Piscinas, Fadas e a Dr. Lund.
A gruta era parte do leito do Mar Bambuí, uma formação pré-histórica interna do continente, que se dissipou com o movimento de placas tectônicas. É formada por rochas de origem sedimentar, de base calcária do mineral calcita. Do lado externo, o estacionamento é amplo e reserva vagas para 30 carros e 11 ônibus sem custos, área que pode ser ampliada em caso de necessidade. Para o conforto dos visitantes há restaurante, lanchonete, um museu, lojas e barraquinhas que comercializam produtos típicos e lembranças.
Vida floresce no entorno da gruta
Quem imagina uma gruta como uma sepultura rochosa e sem vida para fósseis pré-históricos, muda de concepção logo que chega à Gruta do Maquiné, em Cordisburgo. Da boca de pedras recoberta por árvores de uma mata de verde vivo saem revoadas de andorinhas agrupadas, em voos coordenados e malabarismos em torno da formação. Dos paredões de pedras amareladas saltam maritacas barulhentas em sua coordenada busca por frutos nos arredores. Nos sulcos dessas mesmas muralhas, aranhas, morcegos e outros animais buscam abrigo para seus ninhos. Boas-vindas dignas de uma das cavernas mais impressionantes do mundo, segundo espeleólogos.
A boca de rochas tem também marcas da ocupação humana pré-histórica, que não se aprofundou muito nas galerias escuras justamente pela falta de uma fonte de iluminação. Duas pinturas rupestres delineiam duas mulheres em cor de tintura escura, traçadas há mais de 3 mil anos. Esse é, inclusive, o símbolo do Monumento Natural Estadual Peter Lund.
Já no salão de entrada vê-se o pingar quase eterno da água, que percola dezenas de metros de rocha e traz os sais de calcário dissolvidos, formando com seus rastros as estalactites, que pendem do teto, as estalagmites, que se erguem do chão, além das colunas, que finalizam essa jornada com o encontro desses dois tipos de espeleotemas. Cada centímetro leva cerca de 25 anos para ser formado.
Ainda na entrada, antes da primeira câmara, um pequeno poço dos desejos sugere a realização dos pedidos de quem ali lançar uma moeda. Ao entrar no primeiro salão, o Vestíbulo, a iluminação cai drasticamente, demandando o auxílio de lâmpadas instaladas na altura do piso, das formações e do teto da caverna. Mesmo assim, ainda é preciso o uso de lanternas para que a plenitude das formas petrificadas possa ser admirada.
Um dos tipos mais marcantes de Maquiné são os microtravertinos brancos, texturas criadas pela passagem da água na superfície da rocha, todos detalhados como se fossem filigranas entalhadas por artesãos cuidadosos. Quando secos, esses enfeites naturais brilham.
De tão exóticas, as formações despertam a imaginação dos visitantes, como ocorre com os observadores das formas das nuvens. De repente, uma rocha arredondada ganha aspecto de pão francês, com miolo despontando da casca e tudo. Uma coluna protuberante se transmuta na boca de um jacaré, mas passando para o outro lado do corredor, o predador se torna presa e aparenta ser um boi nelore impassível. E assim é por todo caminho, as pedras sem vida pregam ilusões nos olhares e viram corujas, sapos, sorvetes, carneiros... Tudo o que nossos cérebros incrédulos com formas tão improváveis conseguem aproximar de uma realidade mais conhecida.
O espaço mais famoso é o “das novelas”, apelido do Salão do Altar ou do Trono, pois foi cenário de novelas brasileiras, de filmes e de outras produções artísticas. Atravessar as galerias da gruta instiga mesmo a imaginação para a ficção, por ser aquele um cenário que por vezes transporta o visitante para uma caminhada sobre a superfície de um longínquo planeta, silencioso e desprovido de vida, apenas pontilhado por pedras tortuosas e formas alienígenas. Essa sensação se amplia com os sais de calcário, que brilham como se fossem estrelas perdidas no cosmo subterrâneo.
Mas a formação que mais impressionou Lund é uma cascata calcárea que confunde completamente os conceitos das pessoas que a admiram, e que fez com que o naturalista dinamarquês achasse se tratar da escolha mais nobre para a morada de seres fantásticos da mitologia germânica e nórdica. O Palácio das Fadas e as suas formas que ora parecem de cristal, ora de prata, chega mesmo a fazer imaginar os habitantes fantásticos em seus afazeres mágicos nas janelas esguias e pedestais de brilho branco e pureza, parecendo torres com formatos fantásticos, algumas lembrando águas-vivas e medusas de pedra flutuando no mar de rocha.
Cenário de ciência e deslumbramento
O maior salão da Gruta do Maquiné recebeu o nome de Peter Lund. Mas não apenas por sua opulência. Foi naquele amplo e curvo espaço de mais de 40 metros de comprimento que o naturalista dinamarquês trabalhou e fez a maior parte das escavações e descobertas de fósseis de animais pré-históricos. O laboratório subterrâneo de Lund chegava a se alargar em reservatórios de níveis diferentes, que foram formados depois de milhares de anos por chuvas que empurravam o material calcário como ondas, formando piscinas naturais. Toda aquela água era esgotada por um sumidouro, espécie de ralo natural que permite a passagem da água por condutos sob o solo até que brotem em outros lugares. Esse, no caso, chegou a ter 28 metros de profundidade.
O silêncio ali é ainda mais profundo, pois nem sequer água goteja em alguns dias. Um dos paredões tem um sulco profundo, que de longe parece uma lareira aberta na pedra ocre. Histórias diziam que se tratava do lugar onde Peter Lund dormia dentro da caverna, o que na verdade não passa de lenda.
Tantas histórias e sequências de formações estonteantes imersas em um ambiente estranho ao homem provoca diversas reações nos visitantes. “Achei a caverna maravilhosa. Tudo muito grande. As outras grutas que conheci não eram tão grandes. Se não fosse aberta ao público e iluminada, pode ser que seria mais bonita ainda. Um lugar legal para as pessoas conhecerem, levar as famílias... Além de tudo, daqui se sai conhecendo mais sobre história e ciência, por exemplo”, disse o estudante belo-horizontino Caio Barreto Caetano Fonseca, de 23 anos.
Também morador da capital mineira, o professor Marcos Giovanni Moreira, de 50, só conhecia Maquiné por meio de fotografias e das histórias que outras pessoas contavam. “Um lugar onde sempre desejei ir. E a impressão que tive correspondeu e até superou minhas expectativas. O que mais me impressionou foram os espeleotemas de calcita pura, que são muito grandes, limpos e translúcidos. Gostei dos travertinos e do tamanho dos salões. Tudo lá dentro é muito impressionante. E o fato de ser um local que abrigou tantos fósseis ainda traz importância histórica e científica para as belezas naturais”, resumiu.
Serviço
Como funciona a visitação
» Entrada: todos os dias, das 8h30 às 16h30
» R$ 25 (inteira)
» R$ 12,50 para estudantes e pessoas acima de 60 anos
» Crianças de até 5 anos são isentas
Na gruta:
» Grupos de no máximo 10 pessoas (sempre guiados)
» Cinco entradas por dia
» Horários: 8h30, 10h30, 13h, 15h e 16h
» Visitas duram de 50 minutos a 1 hora
» É preciso usar máscara e recomendado levar sapato fechado e garrafinha de água.
» Para todas as idades. Não demanda preparo físico
» Estrutura: estacionamento para 11 ônibus e 30 carros
» Banheiros e fraldário
» Museu, restaurante, lanchonete, lojas de lembranças e artigos típicos
» Endereço: Via Alberto Ramos (MG-421), Km 5, zona rural, Cordisburgo
» Contato: (31) 3715-1078