Vida, calvário, morte e ressurreição. Durante a semana santa, a representação dos últimos dias de Jesus Cristo na Terra é celebrada com devoção, amor e lágrimas. O Brasil, com a maior população católica do mundo, revive, nas cidades históricas de Minas Gerais, todo o sofrimento vivido por Jesus: do calvário à crucificação e, depois, a ressurreição. Rumo ao interior é que se vê a força das tradições católicas – costumes preservados desde a época do período colonial.
De 2 a 9 de abril, igrejas barrocas e ladeiras de pedras de Ouro Preto, São João del-Rei, Diamantina, Congonhas, Tiradentes, Caeté, Santa Luzia e Sabará, são palco, na semana santa, de missas, procissões luminosas, encenações da Paixão de Cristo na via-sacra, tapetes devocionais, anjos e cantos em latim, que dão um ar ainda mais solene e atraem milhares de turistas às cidades históricas mineiras.
O turismo religioso ganhou destaque este ano. O governo estadual quer aumentar a visitação nas históricas cidades de Minas Gerais e, com isso, gerar mais emprego e renda para os mineiros – um dos propósitos centrais do projeto Minas Santa. “Cerca de 80% do turismo que se faz em Minas é turismo cultural - e a fé também é cultura. Então, todo esse legado das tradições, sejam elas materiais ou imateriais, são atrativos importantíssimos para consolidar Minas Gerais também como destino turístico da fé”, pontuou o secretário de Estado de Cultura e Turismo, Leônidas Oliveira.
Ouro Preto
A exemplo de outros municípios mineiros nascidos nos tempos coloniais, a antiga Vila Rica tem suas particularidades: as paróquias de Nossa Senhora da Conceição, do Bairro Antônio Dias, e a de Nossa Senhora do Pilar se revezam na organização das cerimônias da Paixão de Cristo. A paisagem colonial, com seu casario e monumentos, se torna um espetáculo à parte, com o Centro Histórico emoldurado pela luz das velas que os fiéis carregam durante os cortejos. No domingo de Páscoa, os tapetes coloridos e os anjos dominam as ruas por onde passará a procissão da ressurreição. Materiais como serragem, borra de café, farinha e areia se transformam em encantamento pelas mãos da comunidade e de visitantes. Reconhecida como patrimônio da humanidade ela é visitada por gente do mundo inteiro.
Mariana
Vizinha de Ouro Preto, Mariana – primeira vila, primeira capital, sede do primeiro bispado e primeira cidade a ser projetada em Minas Gerais – com mais de 320 anos de existência, tem uma das celebrações mais tradicionais no estado. A procissão das almas, na madrugada de sexta-feira da Paixão, em que fiéis se cobrem com túnicas brancas e carregam velas pelas ruas do Centro Histórico. No domingo de Páscoa, a cidade se enche de cores. As ruas são enfeitadas e as janelas decoradas com colchas de retalhos, toalhas bordadas e vasos de flores. Os sinos anunciam o início da procissão, formada por crianças vestidas de anjo passando por ruas cobertas por tapetes de serragem. O palco principal das festividades é a Catedral da Sé e a Praça Minas Gerais, que conta com bailes, shows, malhação do Judas e tapetes de flores e serragens coloridas.
Diamantina
As cerimônias da semana santa em Diamantina, no Vale do Jequitinhonha, a 292 quilômetros de BH, são marcadas pela devoção popular, tradição dos atos solenes e presença da guarda romana, que, de tão importante na história da cidade, foi registrada como bem imaterial do patrimônio local. Vale a pena viajar à terra de JK e Chica da Silva para ver o grupo portando escudos e batendo as alabardas (arma antiga composta por uma longa haste) no chão, gerando um som que rompe o silêncio da noite. Na via-sacra, com encenação da Paixão de Cristo nas ruas, os mais de 50 soldados, fazendo o papel de guarda romana, acompanham Jesus nas cerimônias da condenação, enterro e ressurreição.Reconhecida como patrimônio cultural da humanidade, Diamantina tem muitas atrações para os visitantes.
Congonhas
Nesta época do ano, centenas de turistas visitam a histórica cidade de Congonhas, que integra o Circuito do Ouro, para ver de perto as obras de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1730-1814), maior artista brasileiro de todos os tempos. Ele deixou, no alto de um dos morros de Congonhas, a 89 quilômetros de Belo Horizonte, sua obra-prima: os passos da paixão de Cristo. Por três anos, entre 1º de agosto de 1796 e 31 de dezembro de 1799, ele executou, ao lado de ajudantes de seu ateliê, as 66 figuras em cedro instaladas em grupos: ceia, horto, prisão, flagelação, coroação de espinhos, cruz às costas e crucificação. Bem ao lado se encontra o Santuário do Bom Jesus de Matosinhos é cenário único com os profetas esculpidos em pedra-sabão.
São João del-Rei
Fé, cânticos em latim e ritos que atravessam os séculos, sem perder as tradições e a devoção popular. Em São João del-Rei, na Região do Campo das Vertentes, a semana santa é um período de reflexão e também de muita beleza, com missas solenes acompanhadas por corais, orquestras e integrantes das irmandades religiosas nascidas no século 18. Entre os eventos estão a procissão do encontro, a cerimônia do lava-pés, a encenação da crucificação e morte de Jesus, o descendimento da cruz e a ressurreição. Além das missas e encenações, as ruas do Centro Histórico são enfeitadas com detalhado tapete de serragem, que é confeccionado pelos moradores e visitantes. Para quem nunca esteve na cidade, vale a pena participar do ofício das trevas com a presença da Orquestra Ribeiro Bastos e do Coral Gregoriano da Associação dos Coroinhas de Dom Bosco da Catedral.
Tiradentes
Na vizinha Tiradentes, distante 15 quilômetros de São João del-Rei, os visitantes vão encontrar muitas cerimônias que remontam igualmente aos tempos coloniais e têm como ponto de partida ou chegada a Matriz de Santo Antônio, no Centro Histórico. A charmosa localidade mineira ostenta uma semana santa com tradições de três séculos. Os passos, pequenos altares construídos no século 18, ficam fechados durante a maior parte do ano, mas abrem suas portas durante as procissões de Ramos e das Dores. Um dos eventos mais movimentados é a missa solene na igreja matriz, na quinta-feira santa, quando ocorre a cerimônia do lava-pés. No domingo de Páscoa, os moradores decoram suas janelas com toalhas bordadas, que mudam a paisagem da cidade.
Sabará
A cidade na Região Metropolitana de Belo Horizonte guarda um momento muito especial para a tarde da quinta-feira santa (6/4). Às 15h, na Igreja de São Francisco, começa a cerimônia de abertura do santo sepulcro do Senhor morto. O ritual remonta ao século 18 e é considerado único no país, pois retrata a morte de Jesus na quinta-feira – na véspera, portanto, da sexta-feira da Paixão, quando os católicos relembram a crucificação e acompanham a procissão do enterro. Outro momento especial em Sabará ocorrerá na sexta-feira da Paixão, às 4h. Trata-se da via-sacra da penitência, que sai da Igreja de São Francisco, chega ao Morro da Cruz e, depois, retorna ao ponto de origem, numa duração de cerca de três horas.
Entre Serras
No município de Caeté encontra-se a menor basílica do mundo, a igreja da padroeira de Minas Gerais, que integra o complexo arquitetônico do Santuário Nossa Senhora da Piedade. As missas e a via-sacra no Santuário do Caraça também merecem ser acompanhadas pelos visitantes. Durante toda a semana santa está programada uma série de missas e vigílias e vale também destacar a “encomendação das almas”, quando os moradores, em procissão, rezam pelas almas que se encontram no purgatório, com diversas missas, celebrações e vigílias. Já em Barão de Cocais, um dos momentos mais aguardados nas comemorações é a bênção dos fogos, no sábado de Aleluia, realizada no Santuário de São João Batista. Também conhecida como “cerimônia da luz”, os fiéis renovam seus votos e promessas do batismo. Para finalizar, em Santa Bárbara, o grande destaque das comemorações da semana santa é a encenação da Paixão e morte de Cristo.