Jornal Estado de Minas

ALTO PALÁCIO

Trilhas para um tesouro escondido na Serra do Cipó

Dos badalados calçadões da vila ou das trilhas até as mais famosas cachoeiras nos pés das montanhas, a presença da cadeia da Serra do Cipó se impõe no horizonte de um dos roteiros turísticos mais conhecidos de Minas Gerais, em Santana do Riacho, a 100 quilômetros de Belo Horizonte. Mas lá no alto, nem todos sabem, camuflado entre matas e encostas cinzentas, se oculta um outro circuito, marcado por nascentes, quedas d'água, lagos, veredas e paisagens estonteantes. Explorada por alguns dos amantes de ecoturismo, escaladas e travessias, a quase selvagem região do Alto Palácio se estrutura para receber mais visitantes que querem conhecer o lado serra do Vale do Rio Cipó.




 
A reportagem do Estado de Minas percorreu parte das trilhas nos montes do Alto Palácio para mostrar quedas d'água, poços translúcidos e cascatas entre as paisagens de cânions e vales. Atrativos tão ou mais belos que as renomadas cachoeiras da Farofa, do Gavião e o Cânion das Bandeirinhas, e assim como esses consagrados destinos, também de visitação grátis do Parque Nacional da Serra do Cipó (Parna Serra do Cipó).
 
O circuito de trilhas escolhido foi o que leva à Cachoeira Congonhas, tida por muitos como uma das mais belas do Cipó e que possibilita ainda passar por outros atrativos, como piscinas naturais, quedas d ‘água, mirantes, paredões e até pinturas rupestres deixadas pelos primeiros ocupantes da região, milhares de anos atrás.
 
O Alto Palácio é acessado por várias trilhas. A entrada oficial é feita pela parte alta, pelo terreno da casa que serve de ponto de apoio a brigadistas, a 24 quilômetros da Vila da Serra do Cipó, no Km 120 da MG-010, sentido Conceição do Mato Dentro. O sobrado de telhado duplo de telhas alaranjadas, paredes e pilares de tijolos alvos e alpendre fica recuado da estrada, mas tem uma placa branca do Parna Cipó indicando a entrada. É um ponto muito procurado por quem faz travessias, como a que leva por três dias até a Serra dos Alves, e que pode desembocar pelo alto em outros destinos, como Cabeça de Boi e Altamira.




 
Já a trilha que leva para a Cachoeira Congonhas e para o Vale do Travessão fica antes, no Km 111 da MG-010, em frente a entrada da Pousada Duas Pontes, por uma tronqueira que abre caminho para uma estrada de terra clara.
 
Mas, para aproveitar o máximo de atrações em uma só trilha, a equipe do EM seguiu pela estrada até o acesso de terra batida do Km 112, onde se encontram pousadas construídas aos pés da Pedra do Elefante, uma montanha que se destaca na linha da cadeia rochosa pelo formato que lembra o animal. O local é tido por muitos como místico. Inegavelmente, é rico em córregos de águas mansas e cristalinas, além de vegetação de onde despontam belas flores sob o constante uivo do vento montanhês.
 
Um personagem lendário da região já sabia da beleza das montanhas do Alto Palácio, e por isso se tornou seu morador mais célebre: o eremita Juquinha da Serra. As principais entradas para o circuito do Alto Palácio ficam próximas à famosa estátua desse simpático “ser da montanha”, como o definiu Virgínia Ferreira, a artista plástica que deu forma ao monumento mais copiado da serra.




Uma oportunidade para antes das cachoeiras ou já mais tarde, ao pôr do sol, visitar a estátua do andarilho das montanhas e repetir as andanças pelas trilhas que ele tão bem conhecia.
 
Poços de águas cristalinas e temperatura agradável estão entre os atrativos da região conhecida como alto palácio, onde há belezas que rivalizam com as dos circuitos mais explorados (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)
 

Um espetáculo pelo caminho


A estrada sinuosa que serpenteia pela Serra do Cipó ganhando altitude para chegar ao Alto Palácio percorre curvas entre morros fechados que descortinam a cada virada um vale, platô ou mirante. É como se fosse planejada para deixar o visitante hipnotizado pela janela do carro, com uma bela vista somente até que novo contorno abra a próxima.
 
E é apreciando os montes que, após 14 quilômetros, se avista o marco da trilha, a encosta de pedra clara destacada no horizonte montanhoso em formato animal. Tromba, cabeça, orelhas e a corcunda se fundem na Pedra do Elefante, como desenhos que se formam sob o olhar de quem tenta decifrar nuvens.
 
As trilhas da Pedra do Elefante partem de estrada um pouco adiante, cerca de um quilômetro, bem onde a placa demarca o Km 112 da MG-010. Asfalto para trás, segue um pequeno trecho de estrada de terra bem encascalhada. Pousadas de diferentes propostas dividem o caminho rural, entre elas Barriga da Lua, hospedagem que acolheu a equipe do EM e onde há chalés aconchegantes e um acesso à trilha do Alto Palácio.




 
Quem quiser conhecer as trilhas dessa região e percorrer os caminhos antes trilhados pelo personagem Juquinha da Serra deve ir preparado, com roupas leves, proteção contra o sol forte e calçados fechados, como botas, por causa das irregularidades do terreno de muitas pedras. Para quem sabe navegar por GPS, o mapeamento é bem simples. As pousadas da região também têm muitas indicações de guias experientes para quem prefere só aproveitar a natureza em vez de quebrar a cabeça pelos caminhos intrincados.
 
Descendo pela estradinha dos fundos da Pousada Barriga da Lua são apenas 300 metros até a trilha para a Pedra do Elefante, bem depois de atravessar as águas claras e refrescantes do Ribeirão Indequicé. Não tem ponte, mas as pedras arredondadas que afloram servem de caminho sem muito esforço. A exposição ao sol durante todas as trilhas é uma das maiores preocupações, pois há poucas sombras. Assim, mangas compridas, chapéu e protetor solar, sempre.
 
A pedra do elefante, com contornos que justificam o nome de batismo, é uma das referências no belíssimo cenário da região (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)
 
 

Roteiro para o "Jardim do Brasil"


A trilha para a Pedra do Elefante é bem demarcada com placa indicativa de seu início e caminho nítido pela mata, quase direto para a formação que um dia foi chamada de Lapa Vermelha, pela coloração rubra que adquire com os raios solares do fim de tarde. Pontos que podem trazer bifurcações são reforçados por pilhas de rochas (cairns ou moitas de pedras) deixadas pelos aventureiros para demarcar o caminho correto.




 
São cerca de dois quilômetros de caminhos pelos campos rupestres e flores que parecem ter sido arranjadas em canteiros com hastes e pétalas vermelhas, roxas, amarelas e azuis, entre as formações de pendões com desenho esférico das sempre-vivas e as cascas que parecem artesanato das canelas-de-ema. O verdadeiro “Jardim do Brasil”, como definiu o paisagista Burle Marx sobre a Serra do Cipó, em 1950.
 
A parte de maior esforço é a das encostas que levam até a pedra, bem na região da “cabeça” do elefante. Uma pequena placa de madeira na bifurcação indica a direção da cachoeira que desce das rochas e a das pinturas rupestres deixadas nos paredões por habitantes pré-históricos.
 
Nos paredões de cor ocre, as pinturas trazem um pouco do sentido de abrigo e até espiritualidade para os caçadores-coletores do passado, representando figuras de animais e outras indecifráveis.
Do paredão, em lado oposto, um fio de água cristalina corre formando a cachoeira da Pedra do Elefante e um poço agradável, com sombra, que ajuda a aplacar o calor intenso dos dias mais escaldantes. A trilha que passa por cima da pedra é mais desafiadora e requer preparo, sendo feita pela portaria principal do parque no Alto Palácio.




 
Ao voltar para a trilha principal que segue para as cachoeiras do parque, tem-se de novo o ribeirão ao lado direito, protegido pela alta mata ciliar. Em um dos pontos, uma placa indica mais um lago bom para se banhar nas águas frias e mansas, o chamado Poção. Local de descanso e refresco para o corpo e a alma, ao lado dos passarinhos que lá se empoleiram para molhar as penas.
 

Dicas para chegar ao recanto das cachoeiras 


A caminho de atrações menos conhecidas do complexo natural da Serra do Cipó, o adeus à Pedra do Elefante é lento ao subir na direção do parque nacional (Parna Serra do Cipó) pelo Alto Palácio. A trilha de pedras soltas, pontudas, em camadas e com afloramentos de cristais, camufladas pela vegetação ou quebradiças, reforça a necessidade de calçados adequados, sobretudo botas que protejam os calcanhares de possíveis torções por passos em falso.
 
Da cerca do parque adiante, o visitante escolhe a direção que quer tomar. Se for para a esquerda, encontrará destinos como a Cachoeira do Espelho e o Vale do Travessão, um lugar belo, de altas formações rochosas que divide as bacias hidrográficas do Rio das Velhas e do Rio Doce.




Para a direita, o trilho de pedras soltas brancas conduz para as cachoeiras Congonhas de Cima e de Baixo. O uivo do vento das montanhas é companheiro da jornada toda, bem como o cântico dos pássaros nas touceiras e nas matas cercadas por arbustos rupestres.
 
De trás do morro mais alto, a descida forte deslumbra pela visão de coqueiros e palmeiras que parecem veredas perdidas em um deserto montanhoso de pedras. Indicativo de que água brota dali. Eis o berço do córrego que, ao despencar das rochas forma as cachoeiras Congonhas de Cima, de Baixo e do Gavião, depois o Córrego do Gavião e adiante, o Rio Cipó.
 

Convite refrescante à contemplação


Um contorno largo por trilha de rochas pontudas e canelas-de-ema faz a volta na água, cujos sinais retornam aos poucos, primeiro o som de jatos jorrando do alto, depois uma margem pedregosa, o poço de águas translúcidas com peixinhos e na virada final as duas quedas em cascatas da Cachoeira Congonhas de Cima. Tudo ali é convidativo. Desde as margens de rochas lisas, planas ou arredondadas onde se senta para admirar as quedas, ouvir os pássaros, rir com os amigos ou acalentar um amor.




 
É uma cachoeira de águas seguras, menos geladas que as mais conhecidas do parque e por isso menos propensa a causar câimbras que trazem risco de afogamento até para nadadores mais experientes. Por ser uma queda d'água de nascente, também não está sujeita a cabeças d'água, o fenômeno que ocorre quando as chuvas de cabeceira avolumam as cachoeiras repentinamente pelo ingresso de muita água de afluentes ou canalizada pelos vales.
 
O poço amplo convida ao banho e o sol não tem impedimentos além das nuvens para brilhar forte. Na queda d'água da direita, é bem fácil subir na laje e se sentar na beira, com a água batendo de leve nas costas. À esquerda, os mais ousados podem seguir com cuidado pelas rochas cobertas por lodo. Um escorregão, queda no poço. Mais à frente, se agacha para a passagem sob um teto que goteja dos musgos pendurados para se chegar à segunda queda, mais forte, mas com um trono rochoso para se sentar e receber uma ducha revigorante. Para sair, um mergulho do alto.
 
Quem quiser mais pode seguir adiante, se o tempo permitir. É bom se programar para fazer o caminho com sol, já que as trilhas de pedras soltas no escuro são perigosas, beiram encostas e podem resultar em torções ao se pisar em locais escondidos pela escuridão.




 
A trilha pode levar ainda à Cachoeira Congonhas de Baixo, de queda de água única e mais forte, mais alta, mas sem meios de interação que não seja ficar sob ela enquanto se nada no poço, mais amplo que o que se forma no alto. Aventureiros contam que há também o desafio de seguir mais abaixo, quase em “escalaminhada”, para chegar até a Cachoeira do Gavião, formada pelas mesmas águas e já no circuito tradicional do Parna Serra do Cipó.
 
Cachoeira congonhas de cima é um prêmio para quem encara as trilhas debaixo de sol forte (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)


Pouso para planejar ou se refazer da aventura


O ponto de partida para toda aventura precisa ser tão acolhedor que dê vontade de retornar para ficar um pouco mais. E tudo na Pousada Barriga da Lua é um convite e uma gentileza. Basta abrir as janelas do chalé para o sol entrar, iluminando galhos de amoras maduras e adocicadas que cercam os jardins em torno das acomodações.
 
Pousadas oferecem infraestrutura para contemplar as belíssimas paisagens da região (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)
 
 
Ao se abrir a porta, o alpendre é um convite para a vista imponente da Serra do Cipó e da Pedra do Elefante, que pode ser admirada em uma rede de balanço. Difícil resistir a esse pouso para apreciar a vista.




 
Mais desafiador ainda é, deitado ali, mesmo embalado, resistir ao cheiro de bolo de fubá quentinho, pães de queijo saídos do forno e café recém-coado que esperam logo pela manhã. É espreguiçar e ir mansamente, passando pelo chafariz central e a piscina, de borda para a mata e a serra rochosa.
À mesa, frutas, queijos, biscoitos caseiros, sucos naturais e quitutes da roça embalam conversas e planos dos viajantes, que podem ser ainda refinados pelos conselhos da proprietária de sorriso maternal, Fátima Gaya. “Se as pessoas precisarem, indicamos guias para as trilhas, os melhores caminhos e as atrações que temos aqui pertinho, sem precisar caminhar muito para um banho nas águas que descem das montanhas”, conta.
 
São seis chalés com banheiro e minicozinha para quatro pessoas, além de quartos com suíte. O jantar também pode ser combinado e servido no Ganesha Recepção e Restaurante, podendo se desfrutar de peixe fritinho ou bife encorpado com batatas fritas e saladas, entre outras opções do cardápio.




Ao longo do ano há programação com quatro eventos holísticos, com vivências, yoga e meditação. “Nós nos unimos também para fazer as caminhadas do silêncio, uma imersão meditativa nas trilhas naturais, depois ao redor da fogueira, para nos conectar de forma mais aberta com a natureza”, afirma Fátima. Mas há opção também de contemplar a noite em espreguiçadeiras próximas ao chafariz e voltadas para a linha de montanhas da serra e a Pedra do Elefante, de onde a Lua nasce lentamente, primeiro a pontinha, a barriga e depois toda ela iluminando uma paisagem abençoada.