Não importa o tamanho, se eles adornam janelas, estações ferroviárias, paredes de casas e prédios ou templos. A presença dos azulejos inspirados no trabalho artístico dos mouros é constante em território português, embora nem sempre notada com o mesmo reconhecimento que se dá às atrações tradicionais do país. Os árabes foram os responsáveis pelo encantamento com a azulejaria em solo lusitano.
A geometria sofisticada dos ladrilhos do povo conquistador foi substituída por motivos que vão do sagrado ao pagão. Eles, inicialmente, invadiram palácios da nobreza nas terras conquistadas na Península Ibérica até chegar às moradias simples de portugueses e espanhóis. Por vezes, nem é preciso fazer um único esforço à procura dos azulejos nas dezenas de cidades em que eles são vistos.
As peças podem surgir num encontro majestoso, ao formar imensos murais azuis nas fachadas de igrejas, a exemplo do templo da Ordem Terceira do Carmo, em Porto, quanto despertar a curiosidade dos mais atentos à sutileza das divisórias de ladrilhos da antiga enfermaria do Palácio Nacional de Mafra.
Um bom começo dessa viagem inusitada pode ser a Praça Carlos Alberto, em Porto, que abriga a Igreja do Carmo, de estilo barroco/rococó – erguida entre 1756 e 1768 –, recoberta pelo painel lateral de azulejos desenhados por Silvestre Silvestri e pintado por Carlos Branco. A cena remonta à fundação da Ordem Carmelita e ao Monte Carmelo. O tema religioso é tão comum na arte portuguesa quanto o retrato da boa vida da aristocracia que ocupa alas do Palacete dos Viscondes de Balsemão, vizinho da igreja.
O edifício do século 18 foi construído por uma família de fidalgos (Alvo Brandão Perestrello Godinho) e herdado pelos viscondes. Foi também moradia, no século 19, dos Condes da Trindade, e abrigou, mais tarde, o rei da Sardenha e Piemonte, Carlos Alberto de Saboia, em seu exílio. Hoje, o palacete se tornou referência como sede da Direção Municipal de Cultura e do Gabinete de Numismática, com rara coleção. É o guardião de um valioso banco de materiais, testemunho da história arquitetônica de Portugal, inclusive com seu grande acervo de azulejos.
ARTE O espírito da santidade retratada na arte da azulejaria segue com destino a Ponte de Lima (Igreja Matriz), Coimbra (Mosteiro de Santa Cruz), Alcobaça (Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça), Nazaré (Capela de Nossa Senhora de Nazaré) e Lisboa (Igreja/Convento do Carmo e antigo refeitório do Convento dos Jerônimos). O mesmo caminho do Norte para o Sul de Portugal oferece paragens em que os azulejos contam outras histórias, dessa vez, pagãs. O casario de Viana do Castelo, cidade que consegue ser tão simples e tão imponente quando vista do Santuário de Santa Luzia, exibe as peças de cerâmica no entorno das janelas e paredes, enquanto o Palace Hotel, localizado na Mata Nacional do Buçaco, preserva a beleza do palácio real, no distrito de Aveiro, com seus painéis de azulejaria motivados por cenas da vida urbana.
Arte e devoção
Nem sagrado, nem pagão. Nos salões frequentados e construídos pela realeza, os azulejos portugueses parecem ter assumido o estilo autêntico lusitano e o lugar de destaque que ganharia essa arte, introduzida no país no século 15. Uma visita ao Palácio Nacional de Queluz, distante apenas 15 quilômetros de Lisboa, ilustra com toda a propriedade o gosto que reis e rainhas tomaram pelas peças de cerâmica, usadas para decorar pisos e paredes do mundo árabe, desde a Idade Média.
Inspirado no Palácio de Versalhes, na França, Queluz criou uma sala para abrigar a arte da azulejaria. A construção, que serviu de morada para dom João VI e Carlota Joaquina antes da fuga para o Brasil, em 1807, costuma provocar uma certa atração nos brasileiros, interessados em conhecer um pouco mais dos costumes da família real.
Foi também a Coroa portuguesa a financiadora de obras que aderiram ao trabalho da azulejaria no Brasil, já no século 17. A igreja e o convento de São Francisco de Assis, em Salvador, são exemplos, com seus painéis de azulejos pintados de azul e branco, que retratam, em meio à exuberância das linhas arquitetônicas e decoração interna da construção, a vida de desapego do santo Francisco.
Há exemplos também marcantes da presença da arte da azulejaria no Nordeste. O convento de São Francisco, construído em 1585, em Olinda, é considerado a primeira casa franciscana no Brasil e o maior acervo de azulejos portugueses da colônia. Compõem o conjunto arquitetônico a Igreja Nossa Senhora das Neves, a Capela de São Roque, a Capela de Santana, esta última revestida pela cerâmica em estilo português. O claustro, por sua vez, é decorado com 16 painéis, que contam a vida e a morte de Francisco de Assis, além da sacristia. A cerâmica artística ainda pode ser vista na igreja construída em João Pessoa, em intenção ao mesmo santo.
NOBREZA
A pesquisa histórica sobre o Palácio de Queluz, que o então futuro marido da rainha dona Maria I, dom Pedro III, ordenou que fosse erguido, em 1747, dá indicações de que o Corredor dos Azulejos foi projetado como uma das áreas de circulação mais nobres da edificação. Os grandes painéis de cerâmica policromada, no estilo neoclássico, são de 1748 e representam duas coleções – as Quatro Estações e os Quatro Continentes – ambientes de caça e do dia a dia e personagens da mitologia clássica.
Os jardins geométricos, pontuados de fontes e estátuas, exibem mais obras em azulejaria nos aquedutos que cortam o terreno. Destaque especial para o visitante brasileiro, Queluz foi o local do nascimento e morte de dom Pedro I, imperador do Brasil, o dom Pedro IV de Portugal. O quarto usado por ele está preservado, inclusive com objetos pessoais.
No município de Ovar, a 43 quilômetros de Aveiro, o visitante pode conferir outra ponta essencial do que poderia ser chamado de rota da cerâmica portuguesa. Conhecida pela produção artesanal de pão de ló, a cidade tem sido considerada um museu da azulejaria ao ar livre em razão do uso dessas peças nas fachadas dos prédios públicos.
Os roteiros turísticos mais flexíveis não poderiam deixar de incluir, da mesma forma, o Museu Nacional do Azulejo de Lisboa, instalado no antigo Mosteiro da Madre de Deus, fundado pela rainha dona Leonor, em 1509. À procura dessa peculiar arte portuguesa, uma boa sugestão é estar sempre atento para apreciá-la até nos locais mais conturbados, como as estações de metrô. (MV)
Saiba Mais
Azulejo vem da expressão árabe al-zuleique, palavra que significa pequena pedra lisa e polida.