Quando embarcou de Londres para cobrir a visita do presidente Jair Bolsonaro à Rússia, o jornalista mineiro Sérgio Utsch, correspondente internacional do SBT, não imaginou que passaria quase seis semanas no epicentro da invasão promovida pelo governo Vladimir Putin à Ucrânia.
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"Cheguei em Kiev no domingo. A guerra estourou de quarta para quinta. Então, vi a cidade se transformar. Eu vi o país se transformar... De repente, tudo fecha, as barricadas começam a ser montadas. A tensão absurda das sirenes tocando o tempo inteiro, anunciando ataques aéreos. A gente achava, naquele primeiro momento, que poderia ser algo mais cirúrgico, mais pontual em alvos militares, mas não foi o que aconteceu. Só o tempo revelou o que era. A proporção da matança de civis", relembra o jornalista, nascido em Lagoa Santa, na Grande Belo Horizonte.
Apesar de ser a quinta guerra que cobre, Utsch afirma nunca estar preparado para isso. Mesmo com protocolos e procedimentos de segurança, decisões precisam ser tomadas em questão de minutos. A falta de água quente e de sinal de internet, além do aumento das explosões na região, foram cruciais para o jornalista deixar Kiev.
"As explosões estavam cada vez mais frequentes e mais próximas. Eu me lembro do momento em que eu estava com o embaixador do Brasil em Kiev e teve uma explosão muito próxima da gente. Tremeu tudo. Foi muito alto. Fora as sirenes tocando o dia inteiro, artilharia, tiro cada vez mais… As condições de trabalho estavam cada vez piores com interrupção de sinal em alguns momentos. O que mais contou é que as informações que nós tínhamos (jornalistas e diplomatas) eram de que os russos chegariam ao Centro de Kiev, onde estávamos", relembra.
O plano de fuga da capital ucraniana, feito com o auxílio da embaixada brasileira, incluiu a viagem até Lviv, que em condições normais demoraria em média de seis a sete horas, mas acabou levando dois dias por estradas vicinais para evitar o caminho mais óbvio.
Posteriormente, Utsch e o comboio em que estava descobriram que a estrada principal entre as duas cidades foi o local onde muitas pessoas foram mortas. Após uma semana em Lviv, ele seguiu para a Polônia, a 70 quilômetros, e rumou para a Moldávia, ao Sul, para contar um lado da história que ainda não havia sido explorado.
TEMORES
"A Moldávia é um país que também teme ser invadido pelos russos. Tem a Transnístria, território ocupado por separatistas apoiados pelos russos. É a mesma história do Leste da Ucrânia, mas ali já estão, há 30 anos, quase 2 mil soldados russos de prontidão e um depósito de armas estimado em 20 mil toneladas de armas e munição", explica.Utsch ficou mais cinco dias em Chisinau, capital da Moldávia, e, apesar da exaustão àquela altura, considera ter sido uma das opções mais interessantes feitas ao longo da cobertura.
Dali, ele tomou um ônibus para Bucareste, capital da Romênia, de onde retornou a Londres, onde mora.
Além da destruição causada pela guerra, Utsch considera que o maior impacto da conflito atingiu a identidade do povo ucraniano, ao ter seu direito de existir negado por Putin em discurso proferido na semana em que eclodiu a guerra.
Russos com quem ele teve contato, ainda em Moscou, lamentam a visão de que o mundo possa imaginar que o povo russo quer a guerra.
Na verdade, eles também sofrem as consequências das sanções econômicas, culturais e esportivas da guerra, ao mesmo tempo em que são proibidos pelo governo russo de se manifestarem contra a ação militar no país vizinho.
OLHARES
Mesmo diante das dificuldades de coberturas de guerras que já fez, Utsch se orgulha de contar histórias de pessoas que têm seus países invadidos, seja Ucrânia, Iraque ou Síria."Sou um pouco de cada uma dessas situações que vivi. Para o bem e para o mal. Esse tipo de trabalho transforma a gente. É uma cobertura difícil, mas necessária, e tenho um orgulho tremendo de ter tido a oportunidade de contar essas histórias sem atravessadores. Faria tudo de novo", finaliza.
Estagiário sob a supervisão da subeditora Tetê Monteiro