“Super-herói? Jefferson Ferreira Passos é um ser humano, trabalhador e pai de família. Gosta muito da família. Uma pessoa extrovertida, muito brincalhão. Pessoa que sorri e gosta de ver as pessoas felizes, não as pessoas tristes. A minha tatuagem é por isso: vi “vida loka” no braço de um rapaz e gostei. Eu era muito sapeca. Então, achava que minha vida era louca. Moro no Parque da Cachoeira, cidadezinha aqui do lado (de Córrego do Feijão). Era acostumado a ver a Nova Estância de um jeito. Tinha porteira na entrada, estacionamento para os carros, a casa do Márcio, o dono da pousada.
Como era Jussara? Como vou descrever? Minha irmã era uma pessoa sem palavras. Ela trabalhava na pousada e tinha um dia a dia corrido. À tarde, costurava, lavava roupa, ia para a casa da Cristina, ia para Brumadinho. Era atenciosa com o filho dela, nunca deixou faltar nada. Jussara era uma pessoa que, se o ambiente estivesse ruim, ela fazia ficar bom. Ela era demais, agitava todo mundo.
Minha irmã era. Não era, é.... é tudo de bom para mim. Minha irmã me ajudava. Nunca morei perto da minha mãe. Gostava de morar afastado. Se morasse numa cidade que minha mãe não pudesse ir, ela dava um jeito de me encontrar, um jeito de ligar. Não tinha tempo ruim com minha irmã. Uma vez, o Jonathan, (irmão) mais velho que eu e mais novo que ela, tinha brigado (comigo). Ela não gostou. Foi me defender e arranhou meu irmão todo. A última conversa que tive com ela foi pelo WhatsApp, quando estava vindo para cá, na sexta-feira, dia 25. Ela mandou a mensagem, falando que queria conversar comigo pessoalmente.
Estava eu e minha ex-esposa, fui levá-la ao médico. Ela tinha de fazer ultrassom. Fomos, ela fez o exame, compramos algumas coisinhas. Passei na minha casa, deixei as coisas lá e tomei o rumo para cá, de volta. Quando chegamos perto do lixão da prefeitura, estava no caminhão que transporta minério. Se possível, (o motorista) passaria na Nova Estância, na pousada onde minha irmã trabalhava. O motorista do caminhão da frente recebeu um comunicado no rádio: 'A barragem tinha estourado. Vai arrancar tudo o que tiver pela frente'. Ao receber essa notícia dentro do caminhão, deixei o motorista para trás. Deixei minha ex-esposa também. Corri para onde estava a pousada. Ao chegar, me deparei com o monte de lama.
Não tinha sinal de nada. Já cheguei gritando minha irmã. O impulso foi grande. Quem me deu força foi o Michel, colegão que estava comigo na hora. Cheguei gritando 'Jussara', que era minha irmã, que é minha irmã. E Michel gritava o irmão dele, Reinaldo, que também trabalhava na pousada. Um deu força para o outro entrar nessa lama.
Eu e Michel caminhamos, gritamos para ver se tinha alguém para atender ao nosso chamado. Gritamos, gritamos e nos deparamos com a Alessandra, a primeira vítima que conseguimos salvar. Estava em cima de gaiadas, havia porteira, árvores, tudo o que você puder imaginar. Ela estava sentada, braço quebrado e toda suja de lama. Quando ela escutou a gente perguntando se tinha alguém, conseguiu dar um grito, dizendo que estava ali naquele local. Eu e Michel pegamos ela e a colocamos em terra firme. Ela pediu para salvar as filhas dela – uma é filha, a outra é sobrinha ou irmã, a Talita. Michel entrou na lama. Fomos entrando, entrando na lama e gritando. Até que a Talita conseguiu levantar o braço. Foi quando vimos ela.
Estava bem longe e (era) só correnteza de lama. Tinha desistido, na verdade. O acesso era difícil. Michel disse: 'Temos de ter força para salvar aquela menina'. Começamos a dar braçada na lama, como se fosse uma piscina e conseguimos chegar até ela. Fui até a Talita, e Michel foi para outro lado, para ver se tinha mais alguém. Fiquei do lado dela, perguntando se ela estava bem, se estava consciente. O helicóptero demorou 40 minutos para enxergar a gente. Até que os bombeiros conseguiram avistar. Graças a Deus conseguimos colocá-la no helicóptero.
Vim à procura da minha irmã, como me deparei com aquilo ali, queria saber se ela estava viva. Aí me deu coragem. Na minha cabeça não passava nada, era só ver se tinha alguém vivo, machucado, se tinha cachorro. Em momento algum pensei no perigo. Poderia ter ido também. Meu maior medo era a outra barragem estourar. Se soltasse lá, a tragédia seria pior. Este é o momento de ajudar as pessoas. Não era hora de se afastar.
O que o herói tem que ter para ser herói? Força de vontade e Deus também. Como acho de ser chamado de herói? Para mim, é uma gratidão, apesar de eu não ter feito quase nada. Fico grato por as pessoas me chamarem de herói. Os meninos vão crescer com essa visão. O meu superpoder? Não tenho, mas é fazer as pessoas sorrirem.”