“Hoje está aqui uma mãe que não sabe quantos dias estão fazendo: 12, 14 dias que eu choro dia e noite caçando meu filho. A minha esperança é que ele entre neste portão e fale: ‘Mãe, eu estou vivo. Eu me salvei dessa’. Mas passam os dias, passam as horas, e ele não chega. Olha, gente. Como é que eu faço? Eu não estou aguentando mais... É dia, dia mais noite, olho para a janela esperando que ele venha vivo para os meus braços. Eu não conformo que meu filho tenha morrido não. Eu não conformo, gente. Meu filho não queria ir agora. Meu filho tinha falado comigo: ‘Mãe, se um dia eu morrer, não é porque eu roubei, estuprei, não é droga, ou tráfico de droga, é porque Deus quis’. Mas essa aí não foi porque Deus quis não. Isso foi uma tragédia da Vale, da prefeitura. Tinha erro lá dentro, por que não olharam essa barragem?
Minha família toda é de Brumadinho. Quando ganhei o Peterson, eu estava morando lá no Barreiro (Belo Horizonte). Como estava passando muita dificuldade, não tinha onde morar, vim morar aqui no Tejuco. Arrumamos um barracãozinho que tinha ali em cima, comecei a trabalhar e pagava uma mulher para olhar ele para mim. Deixava ele 6h na porta da casa dessa mulher, pegava o ônibus e ia trabalhar na Ferteco, que hoje é a Vale. Saía às 16h, pegava ele e subia para fazer o mingauzinho, a roupinha para o outro dia. Já fui despejada muitas vezes porque não tinha condição de pagar aluguel.
Depois, tive essa menina aí, ele ali, e fomos vivendo essa vida. Cada dia sofrendo, sofrendo, sofrendo. Fomos parar em Belo Horizonte, fomos despejados, sem lugar para morar. Como minha mãe tinha falecido, ganhei um pedaço de terra lá no Taquaril para construir. Aí, meus irmãos não quiseram dar minha parte da casa e vim morar no Tejuco, que é essa casa que vivo com eles. Criando o Peterson, a Mary e o Fernando, com ajuda da Conferência (Vicentina) de Brumadinho, que me dava cesta básica. Buscava lenha para vender a R$ 3 o feixe, para tratar dos meus filhos.
O Peterson estudou até o segundo ano em Brumadinho, depois não quis estudar mais. Nunca ensinei meu filho a roubar. Nunca ensinei meu filho a usar droga. Meu filho era muito bonzinho, era muito atencioso, não foi malcriado. Eu tirava da minha boca para dar a ele. Onde eu estava, eu carregava esses três meninos.
Até que um belo dia o Teco arrumou essa menina e foi morar com ela. Aí fui saber que o Teco estava dormindo de déu em déu em Brumadinho e fui correndo para trazê-lo para dentro de casa. E ele corria de mim. Deixei recado, disse: “Meu filho, faz isso com sua mãe não”. Ele trouxe essa menina aqui, ficou morando três meses. O pai dela levou os dois para morar lá no Mutirão e eu continuava ajudando, ajudando. Às vezes, não tinha as coisas, tirava do meu e levava numa sacolinha para eles, para dar de comer.
Meus netinhos são muito educados. O primeiro, Leandro Marques, tem 15 anos, e o Leonardo tem 11. Os dois tomaram bomba, mas, se Deus quiser, ano que vem vão passar. A menina, Letícia, é sapeca. Eles chamam a menina de Malvina. E ela fala: ‘Eu não sou a Malvina não’. Estressada igual eu. A esposa é Michele Aparecida. Estão juntos há 15 anos. O Peterson tinha 35 anos, ia fazer 36 em setembro. Nove meses que estava lá (em uma empresa terceirizada da Vale). Quando dá 18h20, a menina fica na janela esperando o pai dela chegar. Chora dia e noite, esperando o portão abrir e o pai dela vai chegar. E chama ele sem parar. E quer o pai dela.
Na sexta-feira, na hora que eu recebi a notícia? Não recebi não, eu que falei. Eu senti um arrepio no corpo e pensei: 'Uai, gente, meu corpo está arrepiando por quê?'. Aí, vim no ônibus de 12h. Cheguei aqui, minha menina falou: 'A barragem estourou'. Eu respondi: ‘Cala a boca’. Fui na casa da minha cunhada e falei: 'Olha, Leia, parece que a barragem estourou'. Aí que eu levei a mão na cabeça e falei: 'E meu filho, que está lá? Meu Deus do céu'. Liguei pra ele e ele não atendia e não atendeu até agora. Aí, com a roupa do corpo, passei a mão na bolsa e fui lá pra cima caçando carona para ir lá.
Eu andava para lá, eu andava para cá, andava para lá, andava para cá....
Aí eu senti uma coisa no coração e pensei assim: 'Se ele não atendeu, é porque ele está ajudando a socorrer os outros, né?'. Porque, uma vez, um menino caiu na cachoeira lá no Brumado e foi ele quem salvou. Ele quem tirou o menino. Ele nada bem, deve ter saído dessa e está ajudando os outros.
O Teco era tranquilo. Não gostava de conversa fiada, não brigava com os outros. Só gostava de beber um golinho. O pontinho perto dele era ali no bar. Até fui lá perguntar se ele ficou devendo. Ela (a dona) disse que não. Ela chorou tanto quando cheguei lá. O Teco, se estivesse precisando, ele não me pedia. A mulher dele pedia e eu achava bom, porque tinha medo de que ele mexesse nas coisas dos outros, mas nunca mexeu, graças a Deus. Pode levar o nome dele lá na polícia, para ver se tem alguma ocorrência.
A minha vida mais do Teco foi muito bonita. Ele vinha aqui, trazia os meninos para me ver. E hoje por causa dessa maldita Vale, dessa prefeitura, que aconteceu isso. Além de levar a vida do meu filho, levou a vida de muito povo trabalhador, que não merecia morrer. Eu quero é justiça, que a prefeitura e a Vale paguem, reconhecendo esse erro que fizeram. Meu coração está estraçalhado, todo sangrando. Não há sangue que pare aqui dentro. É muita tristeza para uma mãe. Porque viúvos estão as mães e os pais. As mulheres e os homens reconstroem outra família. E nós? Vamos reconstruir outro filho onde? Onde vou arrumar outro filho?”