“Horta requer trabalho gigantesco. Fazer os canteiros, preparar os terrenos, colocar as mudas ainda pequenininhas, adubar, molhar para depois virar aquela coisa maravilhosa. É muita dificuldade para chegar ao ponto de colher. Isso é dia, noite, sol, chuva...de domingo a domingo. Era tudo plantação de verdura. À esquerda, tinha galpão, estufa. Tinha muita muda na hora de levar para a terra. Tinha plantação de alface e de taiobas ao fundo. As taiobas estavam lindas. No fundo passava o córrego, que também tinha muita água. A comunidade vinha aqui e tirava fotos. Vocês têm de ver a horta do Tonico, como ela é bonita.
Era criança quando tudo começou. Lembro do meu pai selecionando tomate. Aquela confusão de gente trabalhando junto, encaixotando, colocando no caminhão para sair para a Ceasa. Aquele ar de amizade, companheirismo, alegria de estar ali colhendo e trabalhando. Tinha de um tudo: alface, acelga, agrião, espinafre, rúcula. Plantamos tomilho, sálvia, funcho, alecrim, tomate, pimentão, abobrinha e berinjela.
Meus pais têm amor pela horta. Levantavam de manhã, bem cedo, e nós ali. Juntos! Tentaram privar a gente, ainda criança, de trabalhar, mas acompanhávamos eles na luta. Consegui me formar, hoje tenho uma profissão, (mas) abandonei minha formação para seguir ele, para ser produtora rural. Em 25 de janeiro, acordei como num dia normal. Vim trabalhar, como fazia todos os dias. Deu o horário (meio dia) e meu pai foi almoçar e trazer comida para mim. Nesse horário, costumava estar em almoço. Alguns voltam mais cedo. Por isso, alguns não estavam aqui. Para nós, foi uma vantagem estar na hora do almoço. Muitas pessoas não estavam aqui no local.
Nesse intervalo, estava ligando para pegar alguns pedidos, quando, de repente, a energia caiu. O sinal de telefone acabou. Saí do galpão para fazer algumas ligações, quando chegou o rapaz que trabalha com a gente gritando: ‘Vocês não estão ouvindo? Corre, corre que lá vem lama’. Fiquei desesperada sem saber para onde correr. Juntei o que estava próximo de mim.
Tinha pessoal que vinha abaixo da horta, em direção à lama. Andei, mas não aguentei mais. Minhas pernas paralisaram. Entrei em estado de choque. Vinham correndo, pediram para eu entrar no caminhão. O caminhão não tinha ar para arrancar. Fiquei desesperada. Olhei para o retrovisor e vi uma imensidão de lama. Assustada, pedi a Deus que me tirasse dali. Fomos para um ponto seguro. Quando olhei para trás, veio a pior sensação do mundo: tudo, tudo debaixo da lama. Na hora, o que impressionava era o barulho. Lembra um monte de bambu quebrando, tudo ao mesmo tempo. Assustador. A poeira vem junto. Após essa imensidão de poeira, vem a lama.
Entrei em pânico total. Gritava e chorava. Olhava e pensava: 'Como isso aconteceu? Acabou'. Apesar de estar viva, sentia que tudo tinha acabado... Nosso sonho de construir mais coisas. Só tem lama na nossa horta. Foi difícil acalmar, para tentar tranquilizar. Todo momento que olhava para baixo a sensação era terrível. Deus estava presente naquele momento e salvou todos nós. O Flávio chegou desesperado na moto gritando pra gente correr. Quando olhei para baixo, meu primo estava vindo, gritando também: ‘Corre, corre’. William me ajudou a subir.
No dia seguinte, o primeiro corpo foi encontrado por pessoas que trabalham aqui. A partir disso as buscas vieram para cá com mais intensidade. Retiraram um corpo de dentro do meu galpão. A sensação é péssima, assustadora. Tiraram um corpo numa caixa nossa de verdura. Lugar em que a gente trabalhava, lavava as verduras para levar para os nossos clientes limpinho, arrumadinho. Um corpo saindo de uma caixa dessas… é chocante para a gente.
Aproximadamente, três a quatro meses veio uma equipe da Vale. Eles procuravam meu pai. Ele não estava. Conversaram comigo. Falaram se nós autorizávamos a criar uma rota de fuga no meu terreno. Falei que sim, mas fiquei assustada. Questionei para eles: ‘Corre o risco de essa barragem romper?'. Eles falaram que 'não'. Como aconteceu em Mariana, eles estavam corrigindo algumas coisas. Mas, infelizmente, não tem nada aqui. Não foi criada nenhuma rota. Para nosso desespero, na hora em que aconteceu, “pensamos”: 'Qual é o nosso ponto seguro? Para onde vamos correr? Onde estaremos seguros?'. Até então a lama parou aqui, mas a gente nem imagina a proporção.
Agradeço a intercessão de Nossa Senhora de Fátima. E peço a ela discernimento, precisamos de muita sabedoria. A gente precisa continuar. A vida tem de seguir, apesar de ter perdido amigo, acabado com nossa horta. Só peço força e sabedoria. Nós vamos vencer. Não falo aqui. Um dia vamos ter nossa horta de novo, do jeito que sempre foi: bonita. Vai ter justiça. A gente quer ter nossa vida de volta.”