“Quem é a Fernanda? Para falar de Fernanda, pergunte primeiro a mim. Você está no caminho certo. Era uma menina muito especial, como minha outra filha é. São especiais. Fernanda era uma menina não presa às coisas convencionais. Ela buscava liberdade.
Fernanda trabalhava no financeiro da nossa empresa, contas a receber e a pagar. Sempre estava com fone de ouvido trabalhando: 'Pô, Fernanda! Desse jeito não tem como trabalhar. Você está mexendo com o financeiro. Aí fica ouvindo esse fone de ouvido. Não tem condições'. Mas era o mundo dela. Era assim que ela sabia viver. Tanto é que ela abdicou de tudo isso, um conforto razoável, de trabalhar no negócio dela. Abdicou de tudo isso: ‘Ah pai. Estou indo para a Austrália’.
Foi para Austrália, ela e uma amiga dela. Ela falava, pai em inglês é did? Ah, não sei como é que é. Mandava: ‘Hi, dad!'. Mandava muito: 'Papi'. Italiano. Era muito carinhosa. Na hora de atravessar a rua, ela falava: ‘Vem cá, velhinho. Vamos atravessar’. A gente tinha papo sério. A gente tinha alguns atritos, coisa normal de família, mas era ponto, zero um por cento. Sempre respeitei a liberdade dela, sempre respeitei as vontades dela.
Depois de certo tempo, conheceu o Luiz. Foi um presente de Deus também. Conheci o Luiz há bem pouco tempo, nesta vinda para o Brasil. Até brinquei: ‘Esse moleque é muito especial. Pô, como você conseguiu um menino desse?’. 'Pai, o Luiz quer me roubar de você, mas não se preocupe não, você vai ganhar mais um guerreiro’. Grávida, ela mandou dois Sedex da Austrália: um para a irmã, outro para a mãe. Para mim, não mandou. Sabia que compreendia qualquer coisa que ela fizesse. Comecei a investigar: 'Deve estar grávida para fazer tanto mistério assim'. Falei para a mãe dela. Foi dito e feito.
Fernanda pediu: 'Pai, faz um churrasco de despedida para nós, que vamos reunir todos os amigos em Curitiba'. Não pensei duas vezes: ‘Tranquilo. Vamos fazer’. Deixaram para revelar o sexo do bebê em Florianópolis, na confraternização. Ficamos cinco, seis dias na ilha. Ela e o Luiz vieram.
Estavam na dúvida se colocavam (o nome de) Bento. Assisti a um filme italiano há muito tempo. Sou muito apaixonado por mergulho, pratico mergulho. Em Imensidão azul, o mergulhador se chamava Lorenzo. Fazia mergulho livre, apneia. Mergulhava 120 metros. Joguei: 'Lorenzo é legal! É nome de mergulhador.' Não pensei que acatariam a ideia. A família dele (Luiz), e a minha também, são de origem italiana. Acataram, mas não falaram para mim que tinham acatado. Eles foram a uma feirinha de artesanato que tem lá em Curitiba. Chegando em casa, Luiz me mostrou uma caixinha com luzes, muito benfeita. No meio, estava escrito ‘Lorenzo’. Estavam muito felizes e encheu a nossa alma de felicidade.
Quinta-feira, a levei ao aeroporto, em Curitiba, para fazer escala em São Paulo e ir para Belo Horizonte. O avião dela atrasou e mudaram o voo para sexta-feira. Na sexta-feira, chegou ao aeroporto e a companhia aérea disse que só poderia atendê-la às 17h.
Fernanda e Luiz tinham acertado de ir ao Inhotim na sexta de manhã. Negociou com a companhia e conseguiu voo para as 8h. Chegou ao aeroporto às 10h17. Passou uma mensagem: ‘Pai, já cheguei. Fique tranquilo’. Estava trabalhando, correndo para lá e para cá, em obra. Às 11h15 vi a mensagem dela e respondi: ‘Ok, filha! Se precisar de alguma coisa, me liga'. Ela não respondeu, só vi que ela leu a mensagem. Nesse meio tempo, estava deslocando de uma obra para outra e vi a notícia do ocorrido em Brumadinho. Nem sabia que Brumadinho era perto de Inhotim, mas disse à minha outra filha: 'A Fernanda está naquela área, veja se não tem alguma coisa acontecendo com ela.'
Meio-dia, 13h. Comecei a mandar mensagens. Mandei e nem entrava no celular dela. Eu ficava: ‘Responda, menina!’, no desespero, e nada. Foi passando o tempo, passando o tempo... não tinha certeza de onde eles estavam. Se era na Pousada Nova Estância ou na casa que eles disseram que estava alugada.
Ela estava muito espirituosa. Os dois estavam. Só peço que Deus tenha reservado um lugar muito especial para eles. Eles poderiam se perder depois. Eram muito especiais para nós. Lorenzo seria um príncipe. Pena que tudo se perdeu. Adaptei uma frase que dediquei à minha filha e também ao filho dela: ‘Fernanda e Lorenzo, não há verso, poemas ou rimas para demonstrar o quão é grande o meu carinho por vocês. Talvez suas partes humanas não possam ver nem ouvir, mas espero que suas almas possam sentir o quanto os amo. Papi, como ela me chamava, e o vovô’ ”.