O campo era perto da minha casa. Era só subir o morrinho, uns 200 metros, 300 metros. Era uma beleza, uma maravilha: gramado, alambrado, certinho, limpinho, bonitinho. A turma da cidade gostava de jogar com nós. Sempre que marcavam jogo, eles preferiam ir a Bento em vez de a gente vir para Mariana. Jogamos pouco em Mariana, jogamos mais lá. Marcávamos jogo, eles queriam ir pra lá. Tinha um detalhe: o campo lá era bom e não pagava.
O Filomeno foi o fundador da equipe União São Bento.
Quando o União São Bento parou por um tempo, todo mundo estava esparrodado e não tinha o que fazer. O futebol era importante para manter o povo unido. Foi por isso que eu voltei com o time, para ficar todo mundo unido. Falei: “Vamos reformar o time”. Ninguém queria ser o principal.
Em 5 de novembro, eu estava no serviço trabalhando. Eram quatro horas e pouco, quando fiquei sabendo da notícia. Peguei meu telefone, liguei pra casa e minha filha não atendeu. Depois atendeu e falou: “Pai, a barragem estourou”. Peguei minha motinha para ir para casa.
Eu e Maria de Lourdes começamos a namorar por acaso, há 35 anos. Tinha um barzinho perto da casa dela e uma praça.
No dia 6, quatro horas da manhã, eu atravessei o mato e vi todo mundo. Foi um alívio, uma alegria imensa. O primeiro que vi foi meu garoto, o Jardel. Quando vi não só minha família, mas a comunidade toda, foi uma alegria imensa. Não sabia o que falar, só chorava. Bento era um lugar pequenininho, onde todo mundo conhecia todo mundo.
Não sobrou nada meu lá. Minha casa, não sobrou nenhuma parede. Era uma casinha modesta, mas cheia de carinho: três quartos, sala, cozinha, copa, banheiro e área de serviço. Um terreirinho para plantar uma horta. Tinha cebola, couve. Tinha criação também: galinha e cachorro. Foi um milagre. Eu diria obrigado a Deus e depois obrigado a Paula, que saiu avisando as pessoas com a motinha. Ela teve uma coragem imensa de sair de onde ela estava e avisar.
Se eu pudesse salvar só uma coisa, eu salvaria meu cachorro. Ele é vida. Chamava Jason, tomava conta da minha família, criei ele para isso. Era um amor. Se pudesse salvar mais, eu tiraria minha coleção de camisas do Galo. Eu tinha várias: antigas, novas, da Libertadores, Copa Brasil, Diego Tardelli. Tinha um punhado. Comprar eu comprei poucas. Muitas eu ganhei.
O que eu quero hoje? Queria a minha comunidade junta de novo. Queria que fizessem uma vila pra nós. Acabava o jogo, íamos para a praça, barzinho da Sandra para jogar baralho, tomar cerveja. Quando perdíamos, íamos pra lá chorar, quando ganhávamos, íamos pra lá comemorar. Era o jeito que sabíamos viver.
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