Tenho chorado muito. Sinto falta da minha casa. Sou pobre de dinheiro, mas rica de amizade. Toda hora chegava alguém para me visitar. A todas as pessoas que iam à minha casa, eu dava café e comida. Minha filha ia para o fogão a lenha e fazia uma lata cheinha de rosquinha. Não faltava merenda. Todo mundo comia e bebia.
Construí minha casa, fiz 10 cômodos, fora a varanda. Toda limpinha. Com uma parede de cada cor.
Nasci no dia 4 de maio de 1937. Nasci e fui criada nesse tal lugar onde a barragem estragou. Foi meu pai que me criou. Não tive mãe. Quando nasci, se passaram 14 dias, ela morreu. Na minha casa, eu mexia com horta e o jardim. A horta era maravilhosa. Todo mundo que passava na rua via o jardim na frente da minha casa.
De um lado e do outro, você via rosas: vermelhas, brancas, rosas. Tudo quanto era flor tinha. Um vaso de samambaia chorona, com cada galho com mais de um metro e meio. No outro lado, vaso de flor, que dava cachinho branco, a coisa mais linda do mundo. Tudo foi embora. A água destruiu.
No dia cinco de novembro, minhas filhas fizeram compra. Quatro horas e quinze “certinzinho”, o ônibus chegou, descarregamos as compras que fizemos. Em Paracatu, quando a gente faz compra grande, os amigos ajudam a levar até a casa da pessoa.
O avião baixou na beira do rio. Fiquei feito boba, corri no terreiro e falei com minhas meninas: “Ô gente, vai cair um avião aqui.” A gente na roça nunca vê avião. Eu abanei as mãos. “Ô gente, vai cair, vai morrer.” Quando o avião pousou eu falei: “Arlinda, (filha de Leontina) vamos lá para ver que é acidente, vai morrer muita gente.” Quando nós saímos, no meio do caminho, topamos com os bombeiros: “Cinco minutos para vocês saírem. Já vem uma tragédia.” Eu parei. Não conseguia nem voltar para casa nem sair. Um policial, o Ronaldinho, me pegou pelo braço e me pôs no carro.
No alto, ajuntei com minha sobrinha Maria das Dores, a turma toda e rezamos um terço. Perdi tudo na vida, a não ser minha família. Eu perdi, mas a fé em Deus eu não perdi. Se eu voltasse para buscar alguma coisa seria minha Nossa Senhora Aparecida. As santinhas todas que eu tinha em casa eu troquei em Aparecida (SP). Estava com as passagens pagas para ir para lá. Não vamos mais. Se Deus nos der vida e saúde, no próximo ano, vou lá agradecer pelo que ela fez para nós..