O SBT me procurou e fez uma entrevista comigo. Queriam que eu contasse a minha história ao vivo. Fui lá no dia 11 (de novembro) e fui presenteada com alguns prêmios. Ganhei uma placa de reconhecimento. Até devia ter trazido, né? A placa dizia assim: “Existem heróis que não usam capa, não voam, são pessoas simples e ocultas que arriscam a vida para salvar outras vidas”. Ganhei também uma Bros 160 (motocicleta), R$ 10 mil para gastar com roupa e R$ 20 mil em dinheiro.
Já dei mais de 100 entrevistas. Eu gosto de falar e acho importante contar a história. Depois de tudo que aconteceu, eu fui limpar a casa do meu chefe, no domingo passado (22 de novembro), e ele me mostrou um vídeo que gravou da água chegando no Bento.
Foi Deus, sabe, que me usou naquele momento. Para gritar e ter força. Ele não me deixou olhar para trás hora nenhuma. Fui usada por Deus para fazer isso e gritar para as pessoas. Sou católica.
Na hora em que a barragem rompeu, eu estava trabalhando na empresa de meio ambiente, a Brandt (terceirizada da Samarco para reflorestamento), terminando o dia e fazendo uma reunião com o chefe, para falar como foi o dia. Começamos a escutar um barulho. Já eram quase quatro horas da tarde. Os meninos têm mania de brincar e chamar o ônibus lá de Bento Rodrigues de pau de arara. Um deles falou: “É o pau de arara que está vindo aí”. O ônibus passou e a zoeira continuou.
Eu falei: “Nó, gente, mas esse barulho está muito forte.
Ele falou: “Gente, é a barragem que está vindo aí”. Saí correndo igual a uma doida, peguei minha moto e fui gritando: “Corre, gente!”. A empresa fica a uns 300 metros de Bento. Peguei minha moto, que é uma cinquentinha, e saí gritando: “A barragem estourou, a barragem estourou, corre gente!”. Eles ficaram na fazenda. O meu chefe com as outras cinco pessoas.
Eles gritavam: “Volta, Paula, volta, Paula”. Só que não ouvia nada. Saí igual a uma doida, gritando. Fui lá na minha casa, avisei o pessoal da minha casa, avisei a rua toda. Só avisei. Meu filho estava em casa com minha mãe. Eu sabia que eles iam dar um jeito. Entrei na Rua do Cascalho avisando o pessoal. Só gritando, gritando, gritando. A moto acabou a gasolina, eu a deixei em um lugar um pouquinho mais alto e saí correndo mais para baixo, ainda chamando as pessoas.
Tinha um caminhão.
Veio uma caminhonete e os colocou no carro. Quando não tinha mais ninguém para vir eu corri e aí empurrei minha moto e fui levando ela lá para cima. Quando cheguei lá, a lama passou. Dois minutos depois. Lá em cima, eu fui ver onde estava meu povo. Encontrei com meu filho e fui encontrando com o pessoal. Quando olhei para trás, não tinha mais Bento. Só lá no alto que resolvi olhar para trás. Quando olhei, não tinha mais Bento, não.
Não chorei. Bateu uma tristeza muito grande. Em questão de apenas oito minutos a gente perder tudo que tinha. O sossego... A casinha... A nossa casa era um ponto de referência. Minha mãe enfeitava tudo com pneu pendurado e colocava flores, plantava flores nos pneus. Tinha uma escada de pedra, uma cerca de bambu toda pintada de marrom. O espaço que fazíamos churrasco. Era uma casa diferente.
Às vezes, passava gente lá e perguntava: “Aqui é um bar?”. Não é casa de família mesmo. E sempre fazia as reuniões entre família. Cada domingo era o almoço na casa de um irmão. A gente sempre foi unido. Aí um dia era almoço na casa do meu irmão, da minha irmã, um dia lá em casa, na casa do meu outro irmão. Era uma família muito unida. Ainda não voltei lá, mas quero voltar para ver como ficou. A gente só vê pela internet, pelos jornais. Quero ver como ficou.
Tenho um filho, João Pedro, de cinco anos. Ele mora comigo, minha mãe e meu pai. Todo dia à noite ele me acorda e pergunta: “Mamãe, aqui em Mariana não tem varragem? Ele fala assim: varragem. Fica perguntando: “Nós não vamos precisar correr para morro mais não? Tem certeza?” Ele fica também preocupado daqui ter varragem. Toda noite. Vou até marcar um psicólogo para ele. Meu filho é muito esperto e todo dia ele lembra tudo porque ele saiu correndo. Ele fala: “Mamãe, salvei vovó, dindinha e vovô e a senhora salvou o resto do povo”.
Desde o dia 5 estamos no hotel. A gente está aí esperando a Samarco alugar uma casa para pelo menos ter a nossa vida de volta. Essa semana voltei a trabalhar, mas não é a mesma coisa. Estou trabalhando no canil, onde estão recebendo os animais, cavalo, galinha e cachorro. Nossa empresa está mexendo lá, mas é super diferente do que a gente fazia. É gratificante porque os animais são muito bem tratados.
Eu trabalho em uma empresa terceirizada da Samarco e desejo que os culpados sejam punidos, que façam uma nova Vila Bento Rodrigues. A nossa história não pode acabar no dia cinco. Temos muita história para contar ainda e a gente era uma comunidade unida. Não pode ficar todo mundo longe. Não queremos ser como a rosa que desabrocha e cai. Queremos ser como o repolho que fica junto. Voltar à nossa vida, nossa vila, ter as nossas atividades, o nosso sossego.
A mineradora não pode fechar porque a gente precisa do emprego. Mariana inteira depende da mineradora. Só tem que ser punida, mas não pode fechar, pois a gente depende dela. Não teve um alarme para avisar. O alarme foi a nossa empresa, a Brandt..